Justiceiros assassinam inocente, e agora?

O perfil Guarujá Alerta é uma aberração do Facebook diretamente responsável pela tragédia acontecida com a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos.

Fabiane foi espancada por dezenas de moradores do bairro de Morrinhos, numa cena dantesca. Foi justiçada depois que um boato gerado no Guarujá Alerta dava conta de que uma mulher sequestrava crianças para rituais de magia negra.

"Eles colocaram uma foto de uma pessoa parecida e todo mundo achou que era ela. Quando ela voltou para o bairro, a cercaram e começaram as agressões", disse seu marido, o porteiro Jaílson Alves das Neves.

Os administradores da página — como sempre, anônimos — se defendem afirmando que a fotografia foi retirada a posteriori e que sofrem "perseguição política" por fazer críticas à administração da prefeita Maria Antonieta de Brito. Uma resposta veio em tom de bravata: "Não irão nos calar. A verdade dói em muitos, mas liberta".

O tal Guarujá Alerta é uma excrescência, uma espécie de programa do Datena do FB, um caldo de cultura feito de incitações ao linchamento e à justiça com as próprias mãos. Juntamente com imagens de cãezinhos abandonados, buracos de rua e coisas parecidas com "prestação de serviços", há fotos fornecidas pela polícia de "meliantes" capturados sob as mais diversas acusações.

Não é preciso dizer que ninguém deu a esse pessoal mandato para nada, mas não é assim que funciona a cabeça de um justiceiro. Como o Estado não faz nada, alguém tem de fazer.

Joyce Carol Oates definiu assim a "mentalidade de linchamento" das redes sociais. "Um bando de pessoas — de indivíduos — se levanta e diz que os seus vizinhos são maus e perversos e devem ser abatidos. E alguns acreditam imediatamente. Tipo, eles correm para matar judeus ou ciganos ou o que for… Alguns deles não acreditam nisso e se contêm. Mas, no final das contas, eles terão de se juntar aos seus vizinhos ou eles próprios serão atacados".

Como era de se esperar, eles são a favor da redução da maioridade penal e admiradores da PM. Da pregação digital ao ódio para a violência física foi apenas um passo.

Em 1893, o jornalista G. L. Godkin escreveu sobre os linchamentos de negros nos EUA, que tinham plateias e ampla cobertura dos jornais: "O homem é o único animal capaz de tirar prazer da tortura e morte de membros de sua própria espécie. Arriscamo-nos a afirmar que parte das pessoas num linchamento está lá como em uma briga de galo, para satisfação dos instintos mais baixos e degradantes da humanidade".

A única desculpa para páginas como o Guarujá Alerta continuarem existindo é, aí sim, a falta do Estado e da Justiça.

 Sobre o Autor

Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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