PT corrompido e acuado
O PT e seu governo vivem o pior momento desde que a agremiação assumiu o poder em 2003. O partido vem perdendo a batalha intelectual e moral junto à sociedade e aparece cada vez mais identificado como um partido corrupto. O próprio presidente Lula disse, com todas as letras, no último dia dois de maio, que o partido se corrompeu. Ao falar da origem pobre do partido, da militância aguerrida, Lula constatou que aquela postura foi abandonada e afirmou que agora “é tudo uma máquina de fazer dinheiro, que está fazendo o partido ser um partido convencional.”
O problema, no entanto, não se restringe à substituição da militância espontânea pela “máquina de fazer dinheiro”. Desde a eclosão da crise do mensalão, principalmente a partir do início do seu julgamento, o partido se deixou ser diariamente massacrado e taxado de corrupto, sem capacidade de expressar reação e de sair da defensiva. O problema se agravou ainda mais nas semanas recentes, com os episódios de André Vargas e da crise da Petrobrás.
Na questão do mensalão, o PT conduziu-se pela política da indecisão e, quem entende de política, sabe que a indecisão é fatal. O partido nunca reconheceu erros em relação ao episódio. Se tivesse cometido erros, o mais correto teria sido vir a público, desde o início do julgamento, reconhecê-los fazendo uma autocrítica, recompondo-se moralmente com a opinião pública. Se não errou, o partido vem se comportando de forma covarde. Se é este o caso, está deixando, passivamente, que se cometa uma injustiça contra seus ex-dirigentes. Se está convicto de que não errou deveria ter mobilizado a militância durante o julgamento e, consumada a condenação, deveria mobilizar-se para exigir uma anistia aos condenados. Em suma, se errou, continua errando por não fazer autocrítica e se não errou, o erro é mais grave porque está deixando que se cometa uma injustiça. Junto ao senso comum vale a máxima: “quem cala consente” e a imagem que se firma é a de que o partido tem culpa na questão do mensalão.
O PT se desfez da bandeira da luta contra a corrupção e isto é notável há bastante tempo. Mas três episódios recentes chamaram a atenção dos observadores políticos. O primeiro diz respeito à suspeita de graves irregularidades relacionadas ao cartel do metrô e a reforma de vagões, no Estado de São Paulo, envolvendo os governos tucanos. A bancada petista da Assembleia Legislativa e o partido como um todo, estranhamente, não desenvolveram nenhuma grande batalha política para que as suspeitas fossem investigadas.
O segundo, diz respeito ao expurgo da quadrilha de fiscais que vinha dilapidando os cofres da prefeitura de São Paulo, promovido pelo prefeito Haddad. O prefeito chegou a ser criticado por setores do partido pela ação moralizadora, pois ela afetava, supostamente, conveniências políticas e alianças com o PSD de Kassab. O terceiro episódio se refere ao silêncio dos petistas ante a falta de isonomia do STF em relação ao mensalão mineiro dos tucanos. O mensalão mineiro ocorreu cerca de sete anos antes do mensalão petista. Sequer chegou a ser julgado pelo STF, numa clara violação do princípio da isonomia, fato que denota, mais do que qualquer outro, determinadas escolhas políticas do Supremo. O PT não promoveu nenhuma denúncia acerca do episódio.
A Aristocratização e Falta de Renovação do PT
É certo que o PT ascendeu ao poder com escassa ideologia republicana da virtude. Mas, o partido, quando militava na oposição, era portador de uma ideologia imprescindível ao êxito político: a ideologia da concepção da política como combate. Esta ideologia estabelecia o vínculo do partido com uma das virtudes fundamentais para uma política da moralidade e da construção do bem público: a virtude da coragem. A ideologia da política como combate e a virtude da coragem são barreiras fundamentais para bloquear a concepção da política como conveniência e negócio, que leva à corrupção. São elas que promovem o compromisso e o radicalismo necessários para estar sempre junto aos setores sociais mais necessitados e mais pobres.
O poder, os palácios, os gabinetes, as viagens, os bons restaurantes, os bons salários, a ascensão social, a visibilidade pública, as boas bebidas, os ternos bem talhados e as novas amizades amoleceram os corações e as convicções dos petistas que antigamente militavam nas portas de fábrica, nas ruas, nas universidades, nas greves, no enfrentamento da polícia etc. Como não abriram as portas dos palácios e dos gabinetes ao povo, perderam o contato com o mesmo. O povo continua com a baixa renda e pobre, sem direitos a serviços de qualidade, humilhado nas periferias. O povo enfrenta as bombas da polícia nas desocupações violentas e as balas na militarização das favelas do Rio de Janeiro. O governo deveria ouvir mais o povo e a sociedade civil organizada e menos marqueteiros que sugerem a Dilma ocupar, simbolicamente, uma ridícula posição de “rainha no imaginário popular”.
O governo continua subsidiando o grande capital com uma taxa negativa de juros de 1% através do BNDES. As taxas de juros do povão, endividado nos bancos ou no cartão de crédito, é superior a 90%. Os trabalhadores perdem de duas a três horas diárias no transporte público degradado. O governo subsidia a gasolina para os mais ricos, coloca em risco a Petrobrás e destrói a indústria do etanol. O fato é que os petistas, encastelados nos palácios e nos gabinetes, além de perderem o contato o povo, estão perdendo o reconhecimento e a fidelidade da juventude, dos sem teto, dos moradores da periferia, de muitos trabalhadores e da classe média. Como todo partido, o PT se aristocratizou. Não levou em conta a necessidade de renovação de quadros, de ideias e de inovação nas políticas públicas. Cresce no eleitorado o desejo de aplicar uma vendeta, uma vingança, uma desforra através das urnas, no PT.
O que aconteceu no Ato da CUT, no Primeiro de Maio, quando todos os políticos foram vaiados e repudiados, é um sintoma dessa vendeta. As vaias e as hostilidades que o Secretário Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, enfrentou no Sindicato dos Bancários, no Rio de Janeiro, mostram o tom crítico com que parte da sociedade vê o governo. O fato é que o PT começa a ficar um partido acuado nos ambientes sociais mais amplos. Há quase um consenso acerca dos erros de condução da política econômica do governo, fato reconhecido até por economistas e analistas petistas ou simpatizantes do partido.
A situação se agrava também porque o partido e o governo estão perdendo o compasso da política, situados cada vez mais numa posição de acuo, de defensiva. A campanha eleitoral começa a dominar o ambiente. Há pouco tempo e pouca margem de manobra para o governo e para o partido. É verdade que o PT é, ainda, o partido mais preferido pelo eleitorado. Conta com uma base militante ampla. Mas esta é um exército desmobilizado, mal conduzido e com baixa moral. Talvez, uma reação mais forte seja possível se o partido levar a sério o duro soco no estômago que lhe aplicou o presidente Lula no último dia dois de maio.
Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.
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