Por Thais Paiva na CartaCapital
A migração do livro para o digital pode ter sido uma das maiores reinvenções do mercado editorial desde os tempos de Gutenberg, mas certamente não será a última. A internet já provou ter transformado não só o modo como consumimos cultura, mas também a maneira como a produzimos. Mais do que um novo suporte de leitura, o livro eletrônico vem impactando o processo de criação, editoração, distribuição e consumo de textos. Exemplo disso está no surgimento das plataformas de autopublicação (do inglês self-publishing) ou publicação direta, que prometem tornar o universo dos livros mais democrático e acessível.
Práticas, rápidas e gratuitas, essas ferramentas possibilitam a criação, edição e publicação de obras sem o intermédio das editoras, resultando em e-books e até mesmo livros físicos, já que há a possibilidade de impressão. Em comum todas elas têm a proposta de revelar talentos, incitar novas experiências de leitura e escrita e disseminar saberes. O novo modelo é também mais econômico e rentável para os autores, cujos royalties pela venda do produto podem chegar a até 70% ante até 10% no mercado tradicional. Outro diferencial é o caráter interativo dessas tecnologias, que possibilitam um feedback direto e instantâneo dos leitores por meio de mensagens e comentários.
Na América Latina, a pioneira no segmento de autopublicação foi a plataforma brasileira Clube de Autores, fundada em 2009 pelos sócios Índio Brasileiro Guerra Neto, Anderson de Andrade e Ricardo Almeida. Por meio da ferramenta gratuita, autores independentes têm a oportunidade de colocar e vender suas produções na web. Do outro lado, o consumidor pode decidir se quer adquirir a obra em versão eletrônica ou impressa. "Fazemos a impressão sob demanda, uma a uma. O livro físico leva alguns dias para chegar e não há custo adicional, só o valor do frete", conta Almeida.
O site já conta com o cadastro de 35 mil autores e um acervo de 40 mil livros. A cada dia, entre 20 e 30 novas obras são colocadas no ar. A aceitação foi tamanha que em maio deste ano foi lançado o Clube do TCC. "É o mesmo processo do Clube de Autores, só que voltado para alunos de graduação e pós que desejam imprimir seus trabalhos de conclusão de curso ou colocá-los à venda", explica Almeida.
Diferentemente do Clube de Autores, a plataforma Widbook possibilita, além do upload e comercialização dos e-books, um espaço para o usuário trabalhar sua escrita. Com cara de rede social, a ferramenta aposta na escrita colaborativa: os autores podem convidar outros usuários para contribuir com seus e-books, enviando contribuições pontuais ou assumindo a coautoria. "Não há limites de usuários para trabalhar em um mesmo arquivo. O legal disso é que cada pessoa pode escrever um capítulo sobre o tema que mais domina", explica Flavio Aguiar, CEO da empresa. Além do texto, é possível agregar outros tipos de mídias, como fotos e vídeos. Se o material escrito já está pronto, basta fazer o upload do PDF ou do arquivo em Word para a plataforma. No ar desde 2012, a rede contabiliza 15 mil livros em processo de produção, cerca de 4 mil já publicados e mira o potencial criativo das salas de aula. "O Widbook ajuda a trabalhar a escrita e a leitura, bem como a estruturação de ideias entre os alunos", diz Aguiar.
Outra funcionalidade disponível é a publicação da obra em etapas. "Não é preciso ter todo livro pronto para colocar na rede. É possível produzir um capítulo e publicá-lo, ver o feedback dos leitores e a partir daí continuar", conta Aguiar. Apesar de nacional, apenas 10% dos usuários do Wid- book são brasileiros, quadro que os fundadores desejam equilibrar nos próximos anos. Para isso, a ferramenta deverá ganhar em breve uma versão em português (hoje, está apenas disponível em inglês). "Estamos crescendo aqui. Dos novos usuários que chegam a cada mês, 15% são brasileiros", diz. Outro plano para o futuro é que a ferramenta seja capaz de gerar relatórios para os autores sobre qual parte do texto está chamando mais a atenção ou onde as pessoas estão deixando de ler.
Outra opção dentro do cenário da autopublicação brasileiro é a Bookess, por meio da qual já foram publicados 30 mil livros. Celso Fonseca, coordenador de marketing acadêmico da plataforma, aponta a facilidade de manipulação e as possibilidades de alcance como as principais vantagens trazidas pelo serviço. "Como possuímos uma rede estabelecida também em outros países da América Latina, há a possibilidade de os acadêmicos publicarem seus textos, suas atividades e serem lidos em outros países, em diversos idiomas", conta.
Não é obrigatório colocar o e-book produzido à venda, podendo deixá-lo disponível para a leitura online de forma gratuita e aberta. "Existem escolas que utilizam a Bookess como um meio para que os alunos publiquem seus trabalhos, por exemplo. Há uma ferramenta na plataforma que permite o envio de materiais complementares para quem acessou comprou determinado e-book. Isso é bacana porque o professor pode passar uma lista de exercícios, interagir com os alunos", conta Fonseca.
Já o Instituto Paramitas desenvolveu uma plataforma especialmente para as escolas. A Livros Digitais permite que alunos e professores sejam autores e editores de seus próprios e-books, sob licença da Creative Commons. Em português e com uma interface bastante simples de manipular, o usuário formata seu livro, escolhe modelos de capas e adiciona páginas com quatro layouts preestabelecidos. O projeto final pode ser convertido em PDF, gerar um HTML ou virar um livro físico, após impressão em formato folheto.
Segundo Mary Grace Andrioli, diretora-executiva do projeto, o potencial pedagógico da plataforma é imenso, pois possibilita não só que o aluno leia, mas que seja lido. "A ideia é trabalhar a função social da escrita. É diferente para o estudante escrever um texto que vai virar um livro, que os colegas vão ler e será compartilhado nas redes do que escrever algo só para o professor corrigir. Sabendo que suas produções serão valorizadas, os alunos ficam engajados em colaborar com o livro dos outros e receber contribuições", diz. Assim, o professor pode utilizar-se da ferramenta para trabalhar a produção colaborativa em um projeto socialmente relevante na medida em que passa a fazer parte de uma pequena biblioteca virtual. "O livro, impresso ou digital, é um objeto que tem reconhecimento social. Os alunos estudam nele, frequentam bibliotecas, livrarias. É importante que eles percebam que não precisam só consumi-los, mas que também podem escrevê-los."
Nenhum comentário:
Postar um comentário