A peleja de Ariano contra o dono do céu, por Téta Barbosa

Poderia ser um romance, daria uma ótima minissérie, serviria até para o teatro: a história do homem que morreu e desmorreu duas vezes no mesmo dia.

Como isso aconteceu?

Não sei, só sei que foi assim.

É que Ariano Suassuna, que nunca foi apreciador da morte, aquela que chega sem ser chamada, morreu mesmo foi pelas mãos dos boatos da cidade-fofoca, que é coisa muito mais teatral e cênica do que morrer de morte morrida. Morreu e desmorreu, inclusive, na mesma hora. Pelo que tudo indica, o escritor engabelou a velha da capa preta e quando chegou à morada eterna deu meia volta porque ainda precisava acabar seu último e derradeiro poema: o romance criminal do disse-me-disse.

Teve quem jurasse que sim e marcasse até velório, teve quem dissesse que não, que muito pelo contrário, Ariano estava vivinho da Silva e só iria para o beleléu se Deus viesse, em pessoa, puxá-lo pelos cabelos da careca.

Que o Todo Poderoso estava precisando de escritores na mansão celeste, não há dúvidas, mas o mundo mítico do Sertão ainda não estava preparado para deixar seu mais célebre criador partir para o meio do oco da vida, assim, sem mais nem menos. Abraçamos-nos aos livros, respiramos as frases, agarramos as histórias pela raiz da saudade. Subimos, enfim, ao topo da pedra do reino para gritar #forçaAriano.

Era tarde demais, o segundo capítulo da narrativa já estava escrita e o genial escritor morreu, pela segunda vez, dessa vez de morte verdadeira, dessas que dá vontade de chorar um Capibaribe de lágrimas. O príncipe sertanejo da bandeira do divino subiu ao descanso eterno para encarar “aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho, porque tudo o que é vivo, morre.”

The grand finale, the end, my friend, que em francês quer dizer; vai em paz mestre.

Sobe som de Siba e a Fuloresta cantando, em nordestinês, sobre a morte:

“Bota a cara na janela

Entra sem ter permissão

Fazendo a subtração dos nomes da lista dela

Com risada amarela

È uma atriz enxerida, com presença garantida

No fim de toda novela”.

Sobem os créditos finais da novela cujo mocinho, um soldado do exército da cultura armorial popular, vestiu o paletó de madeira. Mas não sem antes lutar bravamente contra a americanização, a abestalhação global.

Só morreu, diga-se de passagem, porque Deus prometeu companhia a João Ubaldo e Rubem Alves.

- Ô promessa desgraçada, ô promessa sem jeito.

Assim acaba esse folheto; nosso padrinho embarcou na Nau Catarineta do eterno para navegar nas nuvens da memória do povo nordestino.

Boa viagem, professor. Obrigada por tudo.

Téta Barbosa - jornalista e publicitária.