Cantareira - Arrogância tucana não garante abastecimento d'água

Sergio R. G. Reis

Hoje, 22 de Julho, é um dia importante para quem acompanha a crise hídrica em São Paulo e para a cidadania paulista de modo geral. Contrariando discursos otimistas – que beiraram a arrogância, dado o não reconhecimento da gravidade dos problemas –, nos deparamos com dois anúncios fundamentais sobre o futuro de curto prazo com relação ao abastecimento de água para quase metade da população do Estado:

1) a declaração do uso, já para Agosto, do volume morto da represa de Biritiba-Mirim, integrante do Sistema Alto Tietê (conforme notícia do G1: http://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2014/07/sabesp-preve-utilizar-volume-morto-do-sistema-alto-tiete-em-agosto.html);
2) a confirmação da solicitação da SABESP à ANA para a retirada de mais 100 bilhões de litros de água do volume morto das represas integrantes do Sistema Cantareira (conforme a notícia da Folha: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1489368-sabesp-pede-para-utilizar-mais-agua-do-volume-morto-do-cantareira.shtml).

O percurso sinuoso encontrado a partir da observação dos discursos de Alckmin constitui um indício sobre a forma com que a crise hídrica tem sido gerida. O que percebemos é que, necessariamente, Alckmin apenas se pronuncia para conceder as notícias "boas", "positivas", "alentadoras". Nunca o governador admitiu que a situação é dramática. Esses discursos preocupantes, quando são publicizados, provém apenas de alguns dos técnicos do governo. Caberia aqui, como um adendo, perguntar como é possível que as falas de Alckmin, conforme mostraremos abaixo, jamais tenham sido contestadas diante das realidades que vêm à tona posteriormente, que invariavelmente desmentem os seus pronunciamentos.

A complexidade e a profundidade da crise do Sistema Alto Tietê haviam sido apontadas neste artigo da semana passada (http://jornalggn.com.br/blog/sergiorgreis/um-diagnostico-sobre-a-dramatica-situacao-do-sistema-alto-tiete), no qual apresentava um diagnóstico a respeito da duração do abastecimento de água a partir desse conjunto de reservatórios e indicava as dificuldades acerca da exploração dos respectivos volumes mortos – uma necessidade inevitável.

Curiosamente, até o final de Junho Alckmin assegurava que o Alto Tietê não se encontrava em situação adversa. Por sinal, não só não havia problemas como, em nota de 13 de Junho, a Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos ainda atacou o jornal Estado de São Paulo, numa demonstração da extrema dificuldade do governo em lidar até mesmo com críticas moderadas. Diz o texto (contido em http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,para-governo-alto-tiete-n...):

"A Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos lamenta que, depois de reiteradas e infrutíferas tentativas de provar que a água do Cantareira vai acabar, o Estadão agora encampa a tese de que outro sistema - o Alto Tietê - vai 'secar' e 'entrar em colapso'"

A nota ainda dizia que "Não é razoável, como tem feito sistematicamente a reportagem do Estadão, traçar sempre o cenário mais desfavorável". À época, o governo assegurava, com bastante confiança, a continuidade do abastecimento de água por meio desse Sistema sem a necessidade de extração do volume morto até a chegada do período mais chuvoso.

Apenas no dia 11 de Julho é que a SABESP reconheceu a necessidade de realização de estudos para a eventual retirada da água abaixo nos níveis operacionais dos reservatórios (conforme notícia do Estadão: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,sabesp-quer-usar-mais-volume-morto-e-repetir-tatica-no-alto-tiete,1527381). Apesar disso, Alckmin garantia (conforme notícia do G1 de 13 de Julho – apenas há 9 dias, portanto):

"É sempre importante ter esta reserva técnica que possa ser utilizada, senão não tem sentido, mas nós não pretendemos utilizá-la. Todos os estudos que nós estamos fazendo mostram que nós chegaremos às próximas chuvas sem precisar utilizar a reserva técnica", garante Alckmin.

Tal qual comentado no último artigo que publiquei, a extração do volume morto, no caso do Alto Tietê, será um feito mais complexo. Há controvérsias entre a matéria publicada pelo G1 e pelo Estadão (http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,volume-morto-do-alto-tiete-sera-usado-em-agosto-imp-,1532149), já que enquanto dá a entender que serão retirados 25 bilhões de litros da represa Biritiba, o segundo (linkado no começo deste texto) aponta para a sucção de 15 hm³ dessa represa e mais 10 hm³ de Jundiaí. Mesmo na segunda hipótese, mais plausível, essa extração significará o esvaziamento praticamente completo das duas represas, conforme diagnóstico que apresentei.

Esses 25 bilhões de litros significarão mais 25 dias de sobrevida ao Alto Tietê. O problema é que, quando essa água acabar, é bem provável que isso signifique o seu fim. Isso porque a represa de Ponte Nova, situada anteriormente no fluxo de encaminhamento da água, envia o líquido via estação elevatória, e não por gravidade. Como Biritiba se encontra com apenas 6,4 hm³ e Jundiaí com 6,7 hm³, é extremamente possível que o esgotamento dessa represas ocorra em prazo ainda inferior ao que dispõe a SABESP para a extração da água. É bastante plausível supor, a essa altura, que o esvaziamento dessas duas represas esteja crítico ao ponto de inviabilizar o transporte da água via gravidade, tornando inevitável, já nesse momento, o uso das bombas. Trata-se, então, eventualmente, de uma situação ainda mais crítica do que a aventada no diagnóstico.

No que se refere ao Cantareira, a proposta de extração de mais 100 bilhões de litros já havia sido ventilada há algum tempo. De fato, o presidente da ANA, Vicente Andreu, já havia se manifestado publicamente contra a autorização dessa retirada em audiência pública de 3 de Junho (conforme esta notícia da Isto É: http://www.istoe.com.br/reportagens/366584_RESERVA+DO+CANTAREIRA+PODE+AC... ). Alckmin, pelo contrário, mais uma vez concedia declarações extremamente confiantes sobre a situação desse sistema. De acordo com matéria publicada pelo Estadão em 07 de Julho (http://www.diariodolitoral.com.br/conteudo/37667-sistema-cantareira-alckmin-fala-em-minima-da-minima), o governador de São Paulo assegurava que não pretendia retirar ainda mais água situada abaixo dos mínimos operacionais: "Ainda há uma reserva de 218 milhões de metros cúbicos que não pretendemos destacar".

Mais uma vez, após uma série de afirmações contundentes a respeito da não-gravidade da crise da água em São Paulo, verificamos práticas que vão de encontro a essas convicções. A cada vez em que isso ocorre (e já notamos esse imenso descompasso em outras ocasiões, como na negativa da existência de crise aguda do Cantareira – ainda em Janeiro –, e na rejeição sobre a necessidade de extração da primeira parcela do volume morto desse sistema – em Fevereiro), nos questionamos, diante da falta de transparência, se se trata de 1) incapacidade extrema de lidar com críticas, resultando nesses discursos agressivos e completamente descompassados; 2) falta de capacidade de diagnóstico; 3) concepção de que não é direito do cidadão entender o que ocorre; 4) a noção de que a crise é ainda muito mais grave do que pensávamos. Particularmente, creio que seja uma combinação explosiva das quatro hipóteses, o que em nada nos deixa tranquilos a respeito do futuro do Estado, cada vez mais próximo da insegurança hídrica completa.

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