Conhece Alan Turing ?

Talvez você não saiba o tamanho de sua dívida com o sábio britânico Alan Turing, um gênio essencial que você precisa conhecer. Mas não se sinta sozinho. Se usarmos o Google como medidor de popularidade, vamos ver que a pesquisa de nomes importantes da Ciência, como Stephen Hawking e Richard Dawkins, têm cerca de quatro vezes mais resultados que Turing. E eu quero mostrar para você que ele merecia muito mais reconhecimento do que tem.

Eu vou apontar três razões para o tributo que devemos pagar a Alan Turing. Se você precisa de apenas uma, fique com esta: ele criou o computador moderno. Foi num artigo de 1936, quando ele tinha 24 anos. Seu objetivo não era fazer um projeto de fabricação da máquina, pois na época nem existiam os recursos tecnológicos necessários — o que, aliás, torna sua precocidade ainda mais marcante. O que ele queria em seu artigo era analisar a questão dos "números indecidíveis", um problema levantado pelo matemático Kurt Gödel, que tinha implicações de natureza mais abstrata.

Para lidar com a complexidade desse problema tão árduo, Turing foi engenhoso: ele imaginou máquinas simples, cada uma responsável por uma pequena operação matemática, e em seguida "postulou" a existência, a partir delas, de uma máquina complexa que pudesse ser programada para funcionar como qualquer outra máquina. Ela foi chamada de "máquina universal de Turing", e constitui um sólido fundamento teórico para todo o desenvolvimento tecnológico que aconteceu depois, e que fez Turing ser considerado o Pai da Computação.

Alan Turing também é um nome central nas pesquisas sobre Inteligência Artificial. Em 1950, mesmo ano em que Isaac Asimov lançou a obra ficcional "Eu, robô", Turing publicou um artigo que se iniciava com uma simples questão: "Podem as máquinas pensar?". Neste texto ele define o que poderia ser considerado "pensar" para uma máquina, e despertou uma discussão filosófica que ainda não se encerrou e que tem profundas implicações sobre o sentido de nossa consciência e humanidade. Ele também descreve como seria um "teste" para verificar se uma máquina pensa ou não.

O teste consiste de um ser humano que, fechado em uma sala com acesso apenas a um terminal com teclado, "conversa", como num chat de internet, ao mesmo tempo, com um ser humano (que está em outra sala igual à dele) e com um computador que tenta ir montando frases coerentes com a conversa. Se no final o aplicador do teste não conseguir distinguir, dentre os dois "indivíduos", qual era o computador e qual era o ser humano, o computador terá então sido convincente em sua tentativa de parecer um ser humano e terá passado no teste de Turing.

Até hoje desenvolvedores de aplicativos tentam construir um programa de inteligência artificial que vença o teste de Turing, mas esse teste é menos importante em seu aspecto prático do que pelo que representa filosoficamente, pelo desafio que levanta à nossa condição humana.

Afinal, se chegarmos à conclusão de que um computador consegue pensar, não nos veríamos então reduzidos ao estado de simples máquinas?

O impacto da genialidade de Turing também deve assombrar os mais pragmáticos. Ele foi um herói da Segunda Guerra Mundial, quando trabalhou como decifrador de mensagens nazistas, fundamental para as decisões de guerra dos Aliados. Turing se destacou desde 1939 na equipe de quebradores de códigos que se reunia secretamente em Bletchley Park, local próximo a Londres. Durante o conflito, os alemães usaram intensamente uma máquina de codificação de mensagens chamada Enigma.

A máquina Enigma havia sido criada logo depois do fim da Primeira Guerra, e foi evoluindo continuamente para fazer com que os códigos que ela produzia se tornassem cada vez mais difíceis de decifrar. Quando a guerra começou, os cuidadosos alemães passaram a trocar as chaves a cada 24 horas. Com isso, a monitoria das comunicações inimigas era praticamente um trabalho de Sísifo: toda meia-noite, tudo o que havia sido descoberto durante o dia se tornava imediatamente inútil. Embora já existissem algumas estratégias de ataque aos códigos da Enigma, Turing manifestou o receio de que em algum momento os alemães iriam implementar uma correção no uso da ferramenta e eliminar determinadas falhas que permitiam que os aliados decifrassem as mensagens.

Por isso ele se antecipou, elaborando e mandando construir uma super-máquina para a época, que seria capaz de atacar consistemente os códigos. Turing estava certo, os inimigos agiram e Bletchley Park chegou a ficar às cegas durante alguns meses de 1940, enquanto sua máquina era aperfeiçoada. Enfim ela ficou pronta e foi batizada de Agnus Dei, sendo essencial para o trabalho dos decifradores, e fazendo com que eles passassem a desfrutar de um enorme prestígio com Churchill.

O especialista Simon Singh, autor de "O livro dos códigos", considera que o trabalho em Bletchley Park pode ter sido decisivo para a vitória dos aliados ou que, no mínimo, encurtou a guerra significativamente. Um dos colegas de Turing em Bletchley exaltou sua importância com uma afirmação muito curiosa. Ele disse: "Felizmente as autoridades não sabiam que Turing era homossexual. De outro modo, podíamos ter perdido a guerra".

O trabalho dos criptoanalistas era altamente confidencial, e precisou se manter secreto, por razões de segurança, durante quase trinta anos. Alan Turing não pôde desfrutar do status de herói. Pelo contrário: em 1952, ele foi preso e processado por ser homossexual gênio essencial que você precisa conhecer. Proibiram suas pesquisas e o forçaram a iniciar um tratamento com hormônios, que o deixou obeso, doente e deprimido.

Um pouco mais tarde, infeliz e afastado de seus projetos, Alan Turing envenenou uma maçã com cianeto e em seguida a comeu, aos 42 anos de idade.

Autor: Paulo Santoro - Escritor paulista de 41 anos. www.paulosantoro.com.

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