Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Centro da agitação eleitoral do PSDB, o Instituto Teotônio Vilela divulgou uma análise sobre a derrota de 7 a 1 com linhas inacreditáveis. Leia alguns trechos.
Num parágrafo, procura-se comparar traços culturais de alemães e brasileiros para dizer que...
" A histórica derrota sofrida pela seleção pode servir como lição para que o Brasil se torne um país melhor. A vitória alemã representa o triunfo da técnica, da disciplina, do método e do rigor sobre o improviso, o descompromisso e a fé em que, no fim, tudo vai dar certo, porque, afinal de contas, Deus é brasileiro e conosco ninguém pode."
Também se combate o otimismo de uma população, que jamais comungou do pessimismo de suas elites - o que era reconhecido por Tancredo Neves - para falar da " maior goleada da história do futebol mundial. Um vexame de proporções homéricas. Será que isso não nos diz algo sobre o que acontece quando abdicamos de fazer o que é certo apostando que, ainda assim, no fim nada vai dar errado?"
Numa exibição de quem pretende usar desgraças do futebol para ganhar pontos na política, mas não conhece uma coisa nem outra, afirma-se:
"O pior que pode acontecer agora é ignorar que o fiasco da seleção deve muito à forma com que os problemas são enfrentados no país. (...) Sem sacrifícios. É o cúmulo da cultura da esperteza, que só nos afunda, mas não está presente apenas no esporte. Pelo contrário."
É assim, sem sutileza, que se pretende transformar um jogo de futebol em metáfora da situação política. Tratando brasileiros como adeptos da " cultura da esperteza", que querem se dar bem "sem sacrifícios".
A ideia do brasileiro como formado na " cultura da esperteza" está no Zé Carioca, personagem colonial de Walt Disney, certo?
A ideia de que os brasileiros querem o sucesso "sem sacrifícios" é típica de quem acha que o salário mínimo está alto demais e precisamos de " medidas impopulares." É grotesco.
Cumpre lembrar que unir futebol e política é um exercício sempre perigoso. A gloriosa seleção do Tri de 1970, a melhor de todos os tempos, foi formada quando o país vivia sob o pior regime de todos os tempos. Era o auge da tortura, das execuções, da perseguição política. Era uma economia que crescia - mas concentrava renda e ampliava a desigualdade entre os brasileiros. O jogo de Pelé, Tostão, Gerson & os outros era um retrato do futebol Brasil da época. Sua melhor geração na historia.
Mas atuava em outra esfera, ou estratosfera.
Não serve como elogio a tortura - como tentava fazer a propaganda Ame-o ou Deixe-o.
A Seleção do Brasil de 2014 é um retrato de nosso futebol. Era um time que jogava aos trancos e barrancos, que contava com a sorte, caneladas e gols estranhos para avançar e chegar até onde fosse possível. Nunca prometeu mais do que isso - embora fosse possível, como já aconteceu em outras copas, imaginar um resultado melhor.
Comparar o 7 a 1 do Mineirão com o Brasil real é um exercício primário de marketing e ignorância política.
Até porque é preciso ter perdido todo contato com a realidade social e econômica do país para imaginar que a partir de 2003 o Brasil sofreu, como nação, qualquer coisa que possa ser comparada a uma goleada. A renda está melhor distribuída. O desemprego é um dos mais baixos do mundo. O ensino superior nunca cresceu tanto - nem de forma tão rápida. E as escolas técnicas? E a política de habitação popular?
Vamos olhar para o que é importante. Futebol é símbolo, ensina a metáfora Pátria de Chuteiras, de Nelson Rodrigues. Aumenta nossa alegria, o afeto, a vontade de rir. Mas não pode encobrir a realidade cotidiana, nem para o bem, nem para o mal.
Mas o esforço para transferir o 7 a 1 para o cotidiano dos brasileiros está em outros lugares.
Lendo apenas as manchetes dos jornais de hoje, você encontra palavras humilhantes: "Vergonha, vexame, humilhação." Ou: " Um vexame para a eternidade." Ou: "a partir derrota da história." Ou ainda: "Humilhação em casa."
Vamos combinar. Há momentos em que é preciso separar a vida real da literatura - ou do futebol.
Foi Alberto O. Hirshman, intelectual social-democrata do pós-Guerra, muito citado nas obras da pré-história do PSDB, que criou o conceito de fracassomania.
Enfrentando a resistência a todos esforços políticos para criar leis e realizar reformas capazes de atender aos interesses da maioria, Hirshman explicava que o principal argumento conservador de nossa época não é discutir o que está certo, nem o que está errado – mas convencer a população de que as mudanças, mesmo bem intencionadas, estão pré-condenadas ao fracasso. Nunca darão certo, diz a teoria, porque cedo ou tarde os interesses maiores do sistema vigente serão capazes de retomar seus direitos e reverter aquilo que foi conseguido. O resultado, assim, é que toda tentativa de progresso está destinada a dar errado – e não passa de desperdício de tempo e energia. Pretende ajudar mas acaba atrapalhando quem pode resolver as coisas -- isto é, o mercado. O melhor fazer, conclui a fracassomania, é deixar tudo como sempre esteve ao longo dos anos e anos.
Essa é a ideia por trás das frases do dia. Querem nos convencer que o país estava ao passo da gloria – mas acabou derrotado porque ainda não se tornou suficientemente alemão, atitude que "representa o triunfo da técnica, da disciplina, do método e do rigor sobre o improviso, o descompromisso e a fé em que, no fim, tudo vai dar certo, porque, afinal de contas, Deus é brasileiro e conosco ninguém pode."
Sabendo de nosso complexo de vira-lata, não surpreende que tenha uma gente que é louca para deixar de ser brasileiro. Traumatizados, querem virar alemães sem sequer pedir licença para a turma de Angela Merkel.
Não querem ganhar uma eleição mas pretendem mudar uma cultura. No fundo, não gostam de futebol. Seu desprezo é tamanho que num texto partidário, de quem está querendo votos, falam mal da entrada de Bernard em campo. Pode?
É uma gente que não entendeu nada, certo?
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