Os ingredientes da cerveja
Você já parou para pensar em quais são os ingredientes da cerveja que toma e a importância que cada um tem? Não são muitos, mas, geralmente, não sabemos responder com precisão.
Quando vamos a um restaurante, quase sempre abrimos o cardápio e começamos a escolher: entradas, massas, peixes, carnes, sobremesa. Com a cerveja deveria ser algo parecido.
Nosso paladar funciona mais ou menos da mesma forma tanto com comidas quanto com bebidas: há preferência por textura, dulçor, amargor, picante, sutil, temperatura e assim por diante.
Alguma vez você já leu um rótulo de cerveja? Quando vamos escolher um vinho, por exemplo, a leitura do rótulo é algo de extrema importância. Nele, informações como país, região, produtor, uva, maturação são a forma de entender seu terroir e história, o que agrega valor ao produto e à cultura que aquele pequeno pedaço de papel é responsável de nos passar.
Então, beber cerveja é fácil? Devemos acreditar que o garçom vai sempre trazer a cerveja certa, ou sempre a mesma cerveja? Este mundo vai ficar mais amplo.
Me acompanhe.
Os ingredientes da cerveja
A cerveja tem como ingredientes básicos a água, o malte, o lúpulo e a levedura. Se entendermos qual a função de cada um na receita, tomar cerveja deixa de ser algo cotidiano. Hoje, a imensa variedade de escolhas que os cervejeiros têm nos dá uma carta vasta. A cerveja pode ser algo tão personalizado que seu paladar vai acabar “mal acostumado”.
Ninguém precisa tornar-se um homebrew (cervejeiro caseiro), nem um sommelier, nem mestre cervejeiro para entender e desfrutar. Ler alguns blogs, revistas, sites e livros alguns minutos por dia já pode ser um bom hobby. Você nunca mais vai chegar ao bar e olhar a carta de cervejas pela coluna de preço logo de primeira.
Agora você vai poder beber as cervejas com estilos belgas, cheios de especiarias e de fermentação fantástica, ou as secas e adstringentes cervejas da escola inglesa. Com o tempo, vai apreciar ainda mais as extremas e amargas cervejas americanas e até mesmo se acostumar com aquele cheirinho de azeitona que têm as clássicas cervejas de trigo alemãs.
Seu pensamento vai longe se chegar até às escuras e maturadas cervejas que surgem após um longo tempo de espera em algum barril. Alcoólicas e potentes, algumas cervejas serão as preferidas em dias mais frios.
O que cada ingrediente faz
O malte são os grãos de cereais malteados. O nome vem de um processo pelo qual os grãos passam, a malteação: o grão é umedecido e começa a brotar (lembra-se do feijãozinho no algodão?). Neste momento, ele será seco para interromper a germinação e será torrado ou até defumado.
O amido que estava no grão torna-se açúcar fermentável, processo que pode ser feito com diferentes graus de torra. Assim como no café, quanto mais tempo, mais torrado, mais amargor será extraído. Nem todos os cereais utilizados nas cervejas são malteados. E nem sempre os grãos são de qualidade. Essa é uma grande discussão dentro do setor.
A cevada é a principal escolha dentro da cerveja artesanal e a mais cara também. Tirando a responsabilidade de outros cereais em algumas receitas (o trigo, a aveia, o centeio e até o arroz) que são formadas por este mix, a cevada é o de melhor qualidade para o que queremos como produto final.
Mas afinal, qual é o papel do malte?
Ele é o único responsável pela cor. Os açúcares que as leveduras comem e transformam em álcool e gás carbônico são de responsabilidade do malte também. O sabor e o aroma levados pelo malte para a receita dividem espaço com lúpulo e levedura, e, dependendo da receita, aparece mais ou menos. O dulçor que sentimos no paladar sempre vai ser responsabilidade do açúcar residual ou até mesmo o torrado, aquele amargor e notas de café e chocolate. Muito da sensação de boca, corpo da cerveja, também tem sua genética tirada do grão transformado.
Estrela da vez, o lúpulo é um lindo cone/flor da planta humulus lupulus. Não faz mais do que mil anos que o usamos para dar aroma, sabor e conservar a cerveja. Usado antigamente como condimento, hoje é um dos ingredientes que também pode transformar uma cerveja e arrepiar paladares mais sensíveis, trazendo uma careta após o primeiro gole. Existem diversas variedades e cada uma vem com uma personalidade e função.
Essas belezinhas deixam a cerveja mais balanceada, equilibrada, ajuda o dulçor do malte não ser sempre o sabor principal. Assim como no vinho, na cerveja também temos taninos. Cervejas lupuladas ajudam a limpar o paladar e por isso harmonizam tão bem com pratos bem condimentados. A produção de lúpulo, por enquanto, só acontece fora do Brasil — o clima para o plantio tem regras rigorosas.
Aos que “de doce basta a vida”, procurem cervejas que usem a técnica de dry hopping, um método usado em cervejas mais extremas, em que o lúpulo é jogado durante a maturação para ter uma presença mais marcante. Com o tempo, você vai ter preferência pelas diferentes variedades que existem, mais floral, mais cítrico, herbal. E por aí vai.
Sabe quem trabalha de verdade para sua cerveja lhe tirar os pés do chão? Se não fossem os fungos, ou levedura, a mágica não ia acontecer. Olhe ao seu redor, em todos os lugares ela está presente. Foi nessa mágica que surgiu a cerveja, descoberta por acaso.
Deixe uma panela de arroz com água alguns dias em cima do fogão sem lavar. Parece que algo acontece, não é mesmo? Ainda existem cervejas feitas com fermentação espontânea na Bélgica. Entretanto, atualmente, depois das descobertas de Louis Pasteur (estudou na escola!), domamos essas selvagens e as alimentamos corretamente para ter o resultado do trabalho delas perfeito.
Há dois tipos de leveduras usadas para trabalhar nossa cerveja: as do tipo Ale ou e as do tipo Lager, que você já deve ter ouvido falar. A levedura certa e bem escolhida é crucial para o cervejeiro. Elas são as responsáveis por comer os açucares que estão no líquido com os outros ingredientes. O que acontece depois que adicionamos as leveduras é a fermentação.
Neste momento, surge o álcool, aquilo que tanto buscamos. Junto às leveduras, também gera-se CO2, responsável pela carbonatação, aquelas bolhinhas que fogem do seu copo. É importante saber a diferença entre uma ale e uma lager, porque cada família tem seu estilo e essas informações são base para agradar ainda mais seu paladar.
Com o tempo, fica tão fácil que você nem vai lembrar que um dia não sabia essa diferença entre os estilos.
E temos a água. Aquela que mais é usada nas receitas e tem até noventa e poucos por centos de volume têm sua importância. Resolvi falar por último porque a lenda das águas de cidades é algo debatido demais, antigo demais. Hoje temos, sim, diferenças entre as águas, assim como temos tecnologia na água cervejeira.
Décadas, séculos, milênios atrás, o local de instalação de uma cervejaria era sempre escolhido de acordo com a qualidade de sua água. Muitos estilos de cervejas têm suas características com base nas propriedades, mas não vamos resolver lendas aqui, deixem que elas existam e poetizem a vida cervejeira mais antiga.
Poderia ter acabado por aqui se o mundo inteiro fosse obrigado a isso, como aconteceu na Alemanha, no ano de 1516, onde um duque chamado Guilherme V, da Baviera, proclamou a Lei de Pureza Alemã, conhecida como Reinheitsgebot (coloque no Translate e ouça a pronúncia!). Esta lei obrigava os cervejeiros a só utilizarem água, malte e lúpulo (inocentes, ainda não sabiam sobre como as leveduras trabalhavam).
Eles não poderiam utilizar outros temperos, nada mais que os três ingredientes. Até hoje, muitas cervejarias usam esse slogan, muito mais para mostrar uma característica de cultura alemã rigorosa (alguns por puro marketing mesmo) do que por uma obrigação (essa lei não vale mais na Alemanha também).
Finalmente, temos os chamados adjuntos!
Esses ingredientes vão surgindo de acordo com a vontade do “chef” da cozinha de brassagem, o cervejeiro! Frutas, flores, condimentos, xaropes, castanhas, café, mel, chocolate e até mesmo bacon são amostras de que, na cerveja. O limite ainda não foi descoberto, se é que existe.
A complexidade desses elementos faz com que a cerveja seja de infinitas possibilidades. Ou seja, vamos provar muito, porque opções não nos falta. Escolher qual ingrediente vai se juntar a receita é entender o que cada um desses elementos podem trazer para a cerveja. Adicionar café em uma receita de cerveja Porter, por exemplo, é dar ênfase nas características tostadas que o estilo já tem. Chocolate parece encantar ainda mais paladares que gostam de doce. Mel suaviza e dá um sabor mais de “primavera” e o citado bacon, em uma cerveja, carrega características de defumado.
Então esses ingredientes podem ao suavizar, potencializar e agregar novos sabores, texturas e aromas. Um prato cheio para os criativos.
E, então, bateu aquela vontade de tomar uma cerveja? Que tal aproveitar o texto e já fazer alguns testes com alguns rótulos diferentes, lembrando das características de cada ingrediente? Depois, me conte como foi essa experiência!
BIA AMORIM
Formada em Hotelaria e pós-graduada em Gastronomia, com especialização em Sommelier de Cervejas. Começou como todo mundo deve começar: do começo, estudando, servindo e aprendendo que na vida nada que não é feito com amor floresce.