Na última semana, a economia brasileira voltou a ser bombardeada por informações contraditórias. O pessimismo interno com relação ao crescimento de 2014 continuou aumentando, enquanto o mercado internacional respondia muito otimisticamente à emissão de 3,55 bilhões de dólares de papéis da República a juro muito conveniente (5%), o menor dos nossos parceiros da América Latina para prazo equivalente (vencimento em 2045). O mercado financeiro interno, por sua vez, sugeriu que o “Banco Central submisso” reduziria a Selic antes das eleições para beneficiar a imagem do governo. O fato foi energicamente desmentido na Ata da 184ª reunião (15/16 de julho), do Copom, onde reafirmou a sua verdadeira posição (parágrafo 31).
O mesmo ele já dissera, aliás, no último Relatório de Inflação (junho de 2014:70/71). A dúvida é que a taxa de inflação só voltará à meta num “horizonte” que parece ser de pelo menos nove trimestres. Isso exige um fantástico grau de credibilidade, principalmente porque a tradição do Banco Central tem sido a de subestimar a taxa de inflação futura. Mas como reagiu o “mercado”? Sua resposta na curva de juros foi instantânea: a taxa de curto prazo subiu 2,21% e a de longo, 4,66%. Nada mau para um Banco Central que alguns agentes classificam de “desmoralizado”...
É útil tentar entender como a confusão causada por essa avalanche de informações disparatadas chega, física e psicologicamente, à pessoa comum que é mais sensível à segurança do seu emprego, à capacidade de compra do seu salário real, isto é, corrigido pelo valor dos efeitos inflacionários, e à diminuição das desigualdades de rendas. Para medir essa sensação de “bem” ou “mal-estar”, é preciso imaginar um índice que combine o crescimento real da renda por pessoa (que inclua toda a sociedade) com um índice de relativo aumento da “igualdade” na distribuição da renda. Sugere-se uma aproximação com o índice de “bem-estar” imaginado pelo filósofo-economista Amartya Sen (Nobel de 1998): multiplicar o índice do PIB per capita por um índice de sua desconcentração relativa (subtraindo de 1 o índice de concentração da renda de Gini, que varia de 0 a 1), do qual já apresentamos outras versões nesta coluna.
O gráfico abaixo mostra a evolução desse índice, na forma de degraus, que o cidadão vem escalando desde a estabilização monetária bem-sucedida do Plano Real. Com todos os seus inegáveis sucessos e os formidáveis problemas que restaram, vemos que ele ficou praticamente “parado” no período 1995 a 2002. É verdade que a situação externa foi difícil, mas os problemas internos foram causados pela nossa política econômica e pela dispersão da política social.
De 2003 a 2010, o avanço foi muito rápido. Houve maior foco na política distributiva e uma contribuição não pequena do aumento da renda produzido pela enorme melhora das nossas relações de troca em resposta à entrada da China na OMC. É visível, por outro lado, a redução da altura dos degraus a partir de 2011, quando terminou o vento de cauda externo e foi preciso corrigir alguns excessos do período eleitoral. A estimativa de 2014 contempla um crescimento do PIB per capita nulo e a progressão da desigualdade no mesmo ritmo de 2011/2012.
O cidadão médio pouco sofisticado em matéria financeira, concentrado em ganhar a vida honestamente para si e sua família, “sente” apenas que continua subindo a escada do “bem-estar” com degraus de alturas diferentes, mas sempre subindo. Entende e se angustia com a eventualidade de uma descida, como ocorreu na crise de 2009, que foi importada e aumentou o apoio ao governo porque ele a enfrentou bastante bem.
É a expectativa da continuidade da subida do índice, ou da sua estabilidade, ou de seu crescimento insatisfatório, ou da ameaça de descida da escada, que parece determinar o resultado da eleição, no jogo repetido a cada quatro anos entre o “mercado” e a “urna”.
por Delfim Netto