Diálogos com o Mestre IV, por Paulo Coelho

Continuo reproduzindo aqui os diálogos que o escritor teve com o seu mestre, entre os anos de 1982 a 1986.

A linguagem dos sinais 
- O que é a linguagem do sinais?
- Todo homem tem uma maneira pessoal de comunicar-se com Deus e com sua própria alma.
- Então, o homem não precisa da religião?
- As religiões são muito importantes, porque nos permitem adorar de forma coletiva, e compartilhar dos mesmos mistérios. Mas a busca espiritual é responsabilidade de cada um: se você afastar-se do seu caminho, nada vai adiantar ficar culpando o padre, o imã, o rabino, o pastor - a responsabilidade é sua. Por isso existe um alfabeto que sua alma entende, e que vai mostrando as melhores decisões em seu caminho.


- Como aprender esta linguagem?
- Como qualquer outra. Primeiro, com disciplina para educar-se a notar o sinal. Depois, com coragem para praticar a língua. Terceiro, nunca ter medo de errar enquanto pratica.
- O que faz com que a gente muitas vezes siga o sinal errado.
- Claro. Só assim aprendemos os sinais certos.
- Você podia me dar um exemplo de um sinal?
- Não. A linguagem é individual, como disse antes. Se começamos a generalizar os sinais, eles se transformam em superstição.
"Muitos mestres já cometeram o erro de usar os seus sinais para guiar seus discípulos. O que acontece é que, quando as pessoas começam sua busca espiritual, entram num mar desconhecido, e sentem-se inseguras. Então procuram agarrar-se à primeira mão que lhes é estendida - e ao fazer isso, estão deixando de lado a aventura, para tornar-se escravas da mão que as guia".
- Como posso ter certeza que estou diante de um sinal verdadeiro?
- Você nunca pode. Mas, em geral, se começar a enxergar este mundo além das convenções, verá que sua intuição começa a conduzi-lo em direção à melhor escolha - por mais absurda que pareça. Aos poucos, esta linguagem se incorpora a você e, embora continue errando de vez em quando, já está em paz com sua alma, e toma as decisões corretas.
Muitas vezes o sinal é mais prático do que imaginamos, e a propósito disso, vou lhe contar uma história.
Um homem sonhou certa vez com um anjo, que lhe dizia: "amanhã vai começar a chover, sua aldeia será inundada, mas você será salvo".
Efetivamente, no dia seguinte começou a chover. Uma equipe de socorro visitou casa por casa, evacuando os habitantes, já que havia risco de inundação. Todos saíram, menos aquele homem, que dizia à defesa civil: "Eu sonhei com um anjo, e ele disse que seria salvo".
Um dia depois, a água já cobria o primeiro andar das casas. Uma segunda equipe de socorro foi tentar resgatar o homem, que de novo se recusou a sair, alegando que tinha recebido o sinal de um anjo, e precisava mostrar sua fé ao mundo.
No terceiro dia, a situação já era crítica, e o homem estava sozinho, encarrapitado no telhado da casa - enquanto a água subia sem parar. Num esforço desesperado, uma equipe de resgate tentou mais uma vez retirá-lo dali, mas de novo ele se negou, chamando-os de demônios, gritando que queriam obrigá-lo a negar o sinal do anjo.
Pouco tempo depois, a água cobriu o telhado, e o homem morreu afogado. Como era um ótimo cristão, foi para o Céu, e encontrou São Pedro, que o convidou para entrar. O homem recusou-se, dizendo que Deus o havia enganado; tinha enviado um anjo dizendo que ele seria salvo, quando na verdade fora o único habitante da aldeia que havia morrido.
São Pedro disse que Deus não mentia, e prometeu voltar com explicações. Entrou no Paraíso e retornou meia hora depois, dizendo:
"Realmente Deus mandou um anjo para avisar-lhe que seria salvo. Mas disse que o senhor recusou, por três vezes, o socorro que Ele lhe enviou sob a forma de equipes de resgate!".
Continua na próxima semana



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