O depoimento de um tucano nato que bateu asas e deixou seu ninho
Por Rafael Cardone, no Facebook, editado por PB
Como quase todo mundo da minha geração que cresceu em Alphaville, subúrbio nobre de São Paulo, eu sempre fui tucano. Na infância, tive uma vida mais que confortável e desde cedo soube, por meus pais, que era um privilegiado.
Em 2002, Lula foi eleito a contragosto meu e de todos à minha volta. Eu tinha 15 anos e ouvi o anúncio de catástrofes que nunca vieram.
Quando surgiu o escândalo do "mensalão", em 2005, torci por um impeachment, que, para a minha frustração, não veio. Na época, cheguei a sentir raiva do PSDB por não fazer a oposição que eu achava necessária.
Achava que os tucanos eram fracos por também terem o rabo preso, mas só queria criticar o partido adversário. Eu não tinha esquecido dos escândalos da era FHC, que, como aquele, não tinham sido comprovados.
Lembro-me das zoeiras semanais do Casseta & Planeta, que me faziam crer que a corrupção era um mal endêmico da política brasileira.
Na faculdade, lá por 2006, queixava-me do PT por não fazer "as mudanças estruturais necessárias" – fossem lá quais mudanças estruturais o editorialista do Estadão julgasse necessárias.
O bom desempenho econômico e social, eu repetia, era resultado do boom das commodities e da estabilização conquistada com o Plano Real.
Em 2007, entrei no mercado financeiro, onde o Lula era demonizado, e em 2008 veio a crise econômica mundial. Os que se lembravam das crises pregressas trombeteavam o caos – aquela era a maior desde 1929!
Mas, de fato, a tempestade não veio, e eu comecei a desconfiar que aquele governo estava fazendo algo bem feito e contrário ao que propunham a mídia e meus colegas de trabalho.
Hoje entendo que, com o ingresso de milhões de brasileiros no mercado consumidor, o país já tinha estofo para adotar uma política anticíclica e suportar a crise mundial. Na época, porém, parecia-me que era sorte ou mera coincidência.
Cercado pelo discurso antipetista, eu duvidava dos números e desqualificava os avanços sociais. Na minha vida, afinal, nada mudara.
Na verdade, com Lula ou FHC eu teria estudado em colégio particular, entrado em uma boa universidade, arrumado estágio no banco e emprego em uma multinacional, independentemente de qualquer grande esforço pessoal.
Claro que eu gostava da ideia de que os pobres pudessem estudar, arrumar emprego e ganhar mais. Mas não sabia isso estava acontecendo, pois as notícias que chegavam para mim eram somente as negativas.
Sim, ouvia falar dos milhões beneficiados pelo Bolsa Família, o Luz Para Todos, o ProUni, o Minha Casa Minha Vida.
Porém, só me dei conta da mudança quando notei, pela primeira vez, que o que o governo tinha feito impactara a minha vida.
De repente, meu pai não conseguia contratar outra empregada. Elas não queriam mais dormir em casa, exigiam carteira assinada e salário de pelo menos mil reais.
Então, mesmo sem que me mostrassem, eu entendi que o governo, longe de ser perfeito, era melhor do que diziam no banco ou do que eu lia no jornal.
Tenho certeza que vivo atualmente num país muito melhor do que vivia no passado. E não preciso de estatística para saber disso, porque basta olhar para o lado.
Meus amigos e eu estamos empregados, algo que, na minha adolescência, não era uma ideia assim tão certa, mesmo para os privilegiados.
Lembro-me de um país em que o pobre não faria faculdade nem seria meu colega de trabalho. Óbvio que ainda tenho as vantagens de ter nascido na família em que eu nasci, porém mais gente tem oportunidades parecidas com as minhas.
O curioso é que toda essa mudança aconteceu sem que piorasse a minha vida ou de gente como eu. É estarrecedor ver meus amigos dizerem que o Brasil vai virar Cuba como se as suas vantagens tivessem sido suprimidas.
Eles ainda viajam para Europa, têm casa em Angra e Campos do Jordão, inclusive com empregados. Anunciam o apocalipse, mas são incapazes de apontar o menor presságio do fim do mundo em suas vidas.
A diferença é que agora o país não é só de Alphaville, mas de muito mais gente. Impossível não achar que isso é egoísmo; o desespero por manter os privilégios, ainda que a perspectiva de perdê-los sequer esteja no horizonte.
Ou isso ou falta de vontade de pensar por conta própria. Não, amigos, eu não estou louco. O país melhorou.
Se não deixou de ser corrupto, os escândalos são investigados e existe ao menos a perspectiva de políticos e banqueiros serem condenados – coisa que, nos anos 90, o Casseta me ensinou ser impossível.
Sim, ainda há muito a melhorar. Da minha parte, pelo menos, já sei o que quero. Quero um partido que não acene para a Bolsa, para Moody's ou para o FMI.
Quero um governo que não privatize o patrimônio público e enfraqueça os bancos estatais. Que, quando a economia entra em crise, não eleva os juros, não corta o gasto público e não espera a recessão.
Pois quem sempre chamou o Bolsa Família de compra de votos não sabe o que é assistência social. Quem sempre criticou as cotas não sabe o que é ação afirmativa.
E quem agora vem apresentar seu candidato como bom pai de família não sabe o que é respeitar as mulheres nem as minorias.
Sei que se o Aécio for eleito eu vou continuar tendo uma vida tão boa quanto a que tenho hoje. Mas eu não quero uma vida melhor para mim; quero uma vida melhor para todo mundo.
No fim das contas, acho que nesses 12 anos, enquanto eu cresci, aprendi duas coisas importantes: a não acreditar em tudo sai na Folha ou que diz o Estadão e a não esperar da Dilma ou do Aécio que governem para mim.
Faço um apelo para esses dias que antecedem a eleição. Olhe ao redor e veja se piorou a sua vida ou a das pessoas que você mais gosta; procure saber se melhorou a vida dos mais pobres, de quem mais precisa do Estado.
Então, decida seu voto com a cabeça e o coração – e, se possível, sem a ajuda do oligopólio de famílias que controlam a mídia e têm pavor de qualquer abalo na estrutura que as sustentam.
Amo minha família e meus amigos, mesmo os muitos que talvez para sempre vão votar no PSDB.
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