Sua roupa diz?

É possível se vestir bem sem estar na "moda"?

Vocês pediram, vocês terão! No penúltimo artigo, solicitei ideias para aprimorar nossa pequena — mas querida — coluna e eis que o pedido mais citado foi a ampliação do número de pessoas por artigo. Assim, é possível avaliar um mesmo estilo em três casos diferentes.
Antes, a análise era feita com mais de uma composição de uma única pessoa e, agora, vamos falar apenas de uma vestimenta, mas de mais pessoas. Esta alteração visa atender os pedidos dos leitores, mas, como já dizia o melhor amigo da vizinhança, “com grande poderes vêm grandes responsabilidades”.
Só será possível manter a coluna neste modelo se tivermos um número proporcional de fotos enviadas.
Choro derramado, é hora de analisarmos o que os selecionados de hoje têm em comum. Aliás, esta é uma dúvida que ouço com freqüência:
“Tenho um estilo discreto e quero me vestir melhor. É possível fazer isso sem que tenha que seguir a moda?”
Primeiro, vamos à explicação do nosso juízo de valor. Se vestir bem nada tem a ver com estar na moda. Os que me acompanham por aqui sabem que é raríssimo eu utilizar críticas a este ou aquele para fundamentar minhas opiniões, mas aqui estamos, em uma exceção.
A confusão acontece com a maioria das pessoas, pois o termo “moda” é muito usado (principalmente na comunicação) como sinônimo de qualidade, quando deveria ser apenas uma característica temporal. Existe uma distância abissal no caráter reflexivo das sentenças quando usamos a palavra moda como sinônimo de vestir-se bem.
Anteriormente, tudo que era bacana de ser feito em determinado período era chamado de moda: ”a moda agora é ser saudável! Búzios está na moda! A moda é doar!”.
Então, em reação ao caráter impositivo e de exclusão gerado pela palavra, recentemente passamos a um novo estágio de colocação em que ela é usada como percepção de algo ruim e que não terá qualidade o suficiente para perdurar: “a moda agora é ser gourmet! Os coxinhas estão na moda. A moda agora é beber vodka pela bunda!”.
Voltando à dúvida inicial, é absolutamente incrível como a deturpação de uma única palavra possa ter criado um problema tão grande para tantas pessoas. Ainda carregamos em nosso subconsciente que “estar na moda” é ser bem visto, porém, agora conflitamos esta visão com a de que “estar na moda” é um reação social que tende a ser excludente e fútil (devido sua condição passageira).
Então a pergunta que fica é: o que é estar na moda?
Independentemente do segmento, estar na moda é convergir com os pensamentos e ações que contrapõem a situação vigente das massas, podendo ser uma resposta às necessidades que a condição atual não conseguiu suprir. Sua existência está condicionada ao lugar que ocupa cronologicamente na sociedade, necessitando estar sempre próximo ao presente, mas a frente dele.
E aí? Bem vestido, na moda ou os dois?
E aí? Bem vestido, na moda ou os dois?
Ufa!
Suamos o globo, mas chegamos lá! Agora que temos um conceito geral, podemos ver que se vestir bem não é o oposto nem o sinônimo de estar na moda. Dito isso, é hora de entender dois dos principais benefícios e malefícios que estar na moda pode te trazer:

A alegria

Percepção Cronológica: se vestir de acordo com a moda trará uma sensação de atualidade na sua imagem e sabemos que estar em dia (ou a frente) com o que de mais novo acontece no mundo é algo desejado na era da informação.
Expressão coerente com a época: no vestuário, a moda não costuma se manifestar de maneira aleatória. Normalmente ela é regida pelas reflexões e anseios sócio-econômicos percebidos na sociedade. Cores sóbrias em tempos escassos, saias curtas na ampliação do poder feminino em determinado momento, diminuição da diferença de gêneros em outro, enfim, mesmo que não tenhamos total consciência do porque de nossas escolhas, a maioria delas se trata de uma resposta social a determinada situação e tempo vivido.

A tristeza

Vulnerabilidade de convicção: dada a pluralidade dos tempos atuais, seguir sucessões de tendências não quer dizer, necessariamente, que estará mantendo a mesma linha de evolução em seu discurso. Devido a questões comerciais, a tendência seguinte pode ter sido criada para outro público, o que fará com que você pareça sem personalidade ao reproduzi-la.
Volatilidade de discurso: mesmo que fique atento e não reproduza tendências que não tem a ver com você, a alternância constante de engajamento tornará seu discurso mais fraco. Você pode correr o risco de se tornar apenas um reflexo da sociedade e não um agente ativo dela.
Agora você conhece boa parte das cartas e tem condição de julgar por si próprio se quer ou não utilizá-las.
Este é ponto principal para lidarmos de maneira saudável com a nossa imagem, estarmos cientes das forças que regem este veículo de expressão. É mais ou menos como escrever, não existem palavras boas ou ruins, o que existe são palavras bem ou mal empregadas. Eu mesmo utilizo a moda constantemente para me vestir melhor, mas não hesito em desdenhá-la quando noto que ela pode prejudicar a percepção que as pessoas tem da personalidade que eu desejo transmitir.
E, por favor, não seja ingênuo. Não utilizar esta ferramenta não fará você uma pessoa mais ou menos autêntica, apenas fará de você uma pessoa com menos recursos para se comunicar.
Os dois analisados abaixo serão esmiuçados sem levarmos em conta nenhuma questão relativa à moda, pois foi desta maneira que ansiaram em suas descrições. Quem sabe, após ler tudo aquilo que conversamos acima, eles se sintam a vontade de, vez por outra, explorar a tão polêmica moda. Aliás, eu ficaria particularmente contente se recebêssemos aqui nos comentários sugestões que aprimorassem o estilo dos dois e fossem relacionadas com moda.
Será um ótimo exercício indolor aos que se aventurarem (responderei a todas).
E borá lá pras análises

Cristiano

“Tenho 28 anos, estou noivo e ainda não tenho filhos. Trabalho em uma confecção no Rio de Janeiro como cortador. Quando saio, curto bares ou reuniões na casa de amigos. Sobre minha personalidade, em geral não sigo moda e, apesar de gostar de originalidade, sempre busco ser/parecer discreto.”
01
Comecemos pela condição climática. Uma camisa de tecido mais encorpado, acompanhada de um gorro. O que isso te diz? Que está frio. E uma bermuda folgada, junto com um tênis de meia invisível? Que está calor.
E daí?
Grande parte da nossa percepção de beleza vem da harmonia e quanto mais incoerências nossas vestes apresentam, menos esta sensação será despertada.
Por outro lado, é possível notar que o Cristiano acertou em cheio no arranjo temático de suas peças: bermudão largo e comprido acompanha o tênis de pegada bem urbana, junto com uma camisa casual xadrez com contraste de valores (claro/escuro) e dois bolsos no peito. Para arrematar, o gorro, acessório prioritariamente de ambiente externo, somado ao relógio, que sinaliza alguém sempre em trânsito.
Aposto que, quando olha esta combinação do Cristiano, você pensa em uma só coisa: rua.
E, goste ou não, o estilo do nosso amigo esta tão grifado e coeso que nos faz enxergá-lo como alguém bem vestido.
A coisa toda segue bem também nas cores. Ele opta por uma matiz semelhante à areia, é quase cinza, mas se trata de um amarelo extremamente claro e com saturação baixíssima, o que casa perfeitamente com o verde escuro da camisa, também quase sem saturação alguma e ótimo para não lhe deixar com um aspecto pálido (pois o vermelho da pele ao reagir com o verde da camisa, tende a saturar, ou seja, ele ganha um aspecto mais sadio).
Toda esta sobriedade nas cores torna possível o uso de acessórios mais imponentes sem que eles se tornem chamativos. É o caso do relógio e do anel, que em outras situações poderiam soar um tanto quanto ostensivos.
Voltando ao problema da condição climática, ele poderia ser resolvido de maneira bastante simples. Bastaria que optasse por uma calça jeans, sem lavagem e de corte reto.
Agora vamos falar do que pode ser aprimorado nas entrelinhas. Você já percebeu que nosso amigo simpatiza em ser um cara mal encarado, né?

Bigodinho Mano Brown (respeito), gorro cobrindo a maior parte das orelhas (que faz com que o pescoço pareça mais grosso), anel estilo “pimp” e tatuagem de caveira em evidência, fazem dele um cara de personalidade forte e, de certo modo, agressiva.

Do ponto de vista estético, agressividade não é uma característica ruim, mas existem 2 pequenas falhas de lógica nesta construção: tenho a impressão que a bermuda só foi usada nesta composição para mostrar a tatuagem e este é um equívoco clássico dos tatuados, sacrificam constantemente a sutileza e a sincronia com o clima em detrimento da exposição dos seus desenhos corporais.
Outro ponto a ser observado é o anel. Pessoalmente, o vejo como um reforço de personalidade típico do cara durão. Nunca entendi muito bem porque caras durões tem anéis. Ok, gangues de motoqueiros tem anéis, esportistas campeões também, talvez a influência de ambos tenha se espalhado e perpetrado esta mensagem. O fato é que, se o anel não tem um significado simbólico real, ele tem grandes chances de tornar a combinação algo montado e artificial.
Anéis são um tipo de peça difícil, como símbolo/marco/conquista eles são muito potentes, mas se usados somente como acessório, acabam se tornando parte de uma fantasia. Por isso, sugiro que anéis de caveira, dragão, demônio e piratas sejam deixados de lado depois que você fizer 18 anos (a menos que você tenha uma gangue de motoqueiros).
E chegamos ao fim da primeira análise com o saldo bastante positivo para o Cristiano, isso sem nem levar em conta sua cara de mal (eu gostaria de ter cara de mal, mas deus me privou de sobrancelhas poderosas — elas são a verdadeira maldade no olhar — e ainda me deu olhos bem grandes para que tudo que eu dissesse soasse sempre como um pedido pro Papai Noel).
Vamos ao nosso segundo esmiuçado.

Ismael:

“Um cara calmo e discreto, que prefere sempre ouvir a falar. Tenho mais amigas que amigos. Na escola me perguntaram o que eu queria ser quando crescesse e eu respondi, sem pestanejar: “pai”. Hoje tenho duas meninas que me dão este adjetivo e me sinto completo quando as ouço me chamarem assim.
Nunca fui muito ligado nas questões de estilo, acho que vou mais pro lado do básico, sem estampas, e buscando opções confortáveis.”
Antes de tudo, Ismael, quer ser meu segundo pai? Se o mesmo sexo me atraísse, eu já estaria derretido pelos argumentos sinceros, simples e, ao mesmo tempo, profundos do nosso camarada! Considero completude o melhor sentimento que podemos ter.
Feita a declaração de amor, me dê imagens, comandante:
02
Fico feliz de estarmos diante de outro leitor assíduo da coluna e posso dizer isso ao ver como ele tem uma ótima noção ao escolher numeração e modelagem de suas peças. Também posso dizer isso ao notar que ele opta por mostrar sua discrição utilizando-se da harmonia cromática por aproximação (matiz, saturação e valores próximos).
E por fim, posso dizer isso porque foi o que ele escreveu no e-mail e eu nunca fui vidente. Não se engane, é muito fácil impressionar pessoas na internet!
Após o caminhão de elogios, o que podemos aprimorar na imagem  do Ismael?
Ele nos contou que é um cara com personalidade silenciosa e discreta, pois então é bom ficar atento para que sua imagem não o torne invisível.

Após um sem número de artigos escritos, julgo que os que acompanham esta coluna já têm maturidade para aumentar o nível de profundidade da informação.

Eu sempre disse aqui que nossa imagem é uma extensão de nossa personalidade e é também um dos veículos das mensagens que gostaríamos de expressar ao mundo. Quando estes ensinamentos já estão em prática de maneira natural, podemos dar sequência e aprender a usar nossa imagem como um contraponto de nosso próprio ser, ao invés de utilizá-la para potencializar, vamos amenizar a percepção que o mundo tem de nós.
No caso do Ismael, seu comportamento pacato aliado ao seu jeito de vestir para não chamar atenção podem fazer com que suas opiniões não sejam tão ouvidas em ambientes competitivos, onde as vezes é necessário se fazer impor. Não a toa, pessoas com vozes graves ou consideravelmente altas recebem atenção extra na hora de falar.
Caso nosso amigo tenha um incrível poder de oratória e gestual, minha sugestão se torna desnecessária. Portanto, lembre-se, ela está sendo sugerida com base na suposição de que ele tenha estas qualidades apenas em níveis comuns.
Afinal, o que fazemos?
Vamos tratar de equilibrar a percepção que o mundo tem dele, por meio de sua imagem. Desta maneira, ele poderá continuar despreocupado, pois seu jeito de ser não irá afetá-lo de maneira prejudicial em ambientes agressivos.
Para não criarmos simplesmente uma fantasia, ficaremos atentos em indicar um contraste que seja condizente com quem ele é.
A sugestão prática é:
  • Abotoar mais um botão da pólo, para que fique mais formal e parrudo;
  • Acrescentar um relógio prata que, embora se mantenha discreto, adicionará um senso de urgência a composição;
  • Deixar a barba crescer para aumentar o volume da mandíbula;
  • Deixar a lateral da cabeça com cabelos mais curtos do que no topo, também para aumentar o volume da mandíbula. (sim senhor, um queixo de respeito é um dos itens mais poderosos e viris da imagem de um homem);
  • Usar uma pólo com listras que se concentrem somente nos ombros e tórax, a fim de aumentar estas regiões.
Com estas pequenas alterações, Ismael poderá acrescentar mais vigor a sua imagem e, ao mesmo tempo, manter seu estilo e personalidade.
E assim acabamos mais um Minha roupa diz. Como sempre, espero que tenha sido útil ou, ao menos, divertido!
* * *
Observação: dotado de uma sinceridade sem tamanho, cá estou para um jabá honestíssimo e recomendando a todos a passada no site da minha marca, a Conto Figueira. Falo isso porque muitos dos leitores me pedem há tempos pela ampliação da cartela de produtos e, finalmente, consegui criar minha primeira linha de pólos!
O objetivo era criar uma peça simples e sem excessos, que fugisse das assombrosas “pólo rugby” e que resgatasse o lado mais bacana deste produto que é o estilo classudo sem deixar de ser casual. Colarinho preso por botões, vista mais estreita e longa, modelagem infalível e nosso querido lobinho bordado sai do peito e vai discreto e contente parar nas costas da pala externa.
pólo-branco-com-ribana-marinho
pólo-cinza-claro-com-gola-ocre
pólo-marinho-com-ribana-marrom
Propaganda feita, espero de coração que fiquem contentes com o resultado, deu um trabalhão pra chegar lá!
Bruno Passos

Estilista e dono da Conto Figueira. Ama livros, filmes, sol e bacon. Planeja virar um grande pintor assim que tiver um quintal.




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