A inédita passagem de executivos das maiores empreiteiras do país pela carceragem da Polícia Federal está prestes a produzir uma revolução nos costumes político-empresariais do país. Gigante do setor da construção pesada, a Camargo Corrêa negocia com o Ministério Público Federal os termos de um acordo de leniência, como são chamadas as delações premiadas de empresas. Significa dizer que o bloco das grandes empreiteiras, antes monolítico, pode trincar.
Deve-se a informação aos repórteres Bela Megale e Alexandre Hisayasu. O que se discute é a troca de benefícios judiciais por confissões. A Camargo teria de admitir as suas culpas e dedurar as culpas alheias, expondo um pouco mais as entranhas do cartel que fraudou licitações bilionárias e abastecia o propinoduto instalado na Petrobras e em outros glichês do Estado brasileiro.
Até aqui, apenas a Toyo Setal, uma empresa secundária do setor, topara colaborar com os investigadores. O novo acordo, se confirmado, colocará o curto-circuito noutra voltagem, bem mais próxima de uma explosão do tipo salve-se quem puder. Dois advogados da Camargo confirmaram aos repórteres a abertura da negoviação com os procuradores que tocam no Paraná a Operação Lava Jato. As conversas serão retomadas após os festejos do Ano-Novo.
A Lava Jato engolfou 16 empreiteiras. Duas dezenas de executivos foram presos em novembro. Onze continuam na cadeia. Entre eles três da Camargo Corrêa: Dalton Avancini, diretor-presidente; João Ricardo Auler, presidente do Conselho de Administração; e Eduardo Leite, vice-presidente. A empreiteira já teria topado admitir sua culpa nas fraudes. Básico nesse tipo de acordo, um compromisso da Camargo com a verdade não seria pouca coisa.
Basta recordar que Marcelo Odebrecht, mandachuva da co-irmã Norberto Odebrecht, havia se referido às revelações do delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, como uma "denúncia vazia de um criminoso confesso''. De uma investigação que já conta com uma dúzia de delatores, incluindo um petrogerente com US$ 97 milhões entesourados na Suíça, pode-se dizer muita coisa, menos que é vazia. A colaboração da Toyo Setal tornou o caso mais denso. Um acordo com a Camargo ajudaria expor o oco das palavras do doutor Odebrecht.
Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos procuradores que atuam na Lava Jato, disse que o Ministério Público não cogita abrir uma fila para empreiteiras arrependidas. "Apenas as que forem mais rápidas serão beneficiadas" com acordos de leniência, disse. Ele explica a seletividade de forma singela: as construtoras que decidirem colaborar por último talvez já não tenham muito a acrescentar.
Quando explodiu a Lava Jato, as empreiteiras imaginavam que seria possível ligar o forno, como sempre sucedeu.
Quando a cana do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor Paulo Roberto tornou-se longeva, a receita da pizza passou incluir uma administração da grelha.
Quando o 'efeito Papuda' levou o amigo Paulinho a dar com a língua nos dentes, as empreiteiras declararam-se inocentes.
Quando Youssef aderiu à delação, colocando o dedo para suar em sintonia com o indicador de Paulo Roberto, o cartel levou à mesa a teoria da extorsão.
Quando o juiz Sérgio Moro mandou prender os magnatas do cimento, entrou em cena o mais bem remunerado time de advogados do país. O relaxamento das prisões parecia, então, uma questão de dias.
Quando o trabalho da PF, da Procuradoria e do doutor Moro revelou-se, por assim dizer, impermeável à enxurrada de recursos judiciais, os advogados da grande empreita foram à presença do procurador-geral Rodrigo Janot. Que batizou a caravana de "cartel da leniência". A Toyo Setal foi ao trombone.
Quando ficou claro que a cana dos corruptores atravessaria o Natal e o Ano-Novo, podendo ser esticada até o anúncio da sentença, a Camargo Corrêa esboça um risco na areia. Se o acordo sair, quem estiver do lado errado talvez tenha de deixar o ramo das obras públicas para criar um movimento pela melhoria das condições carcerárias no país.
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