No Diário do Centro do Mundo, Paulo Nogueira põe o dedo na ferida ao analisar a matéria de ontem, na Folha, relatando as condições dos executivos de empreiteira presos na “Lava-Jato”.
É o método: “ah, eu faço jornalismo porque publiquei isso”. Um registro, mais nada.
Não foi assim no caso da sonegação da Globo? Uma matéria, uma apenas, mais nada.
Não é jornalismo, é álibi.
Tal como em outros assuntos, políticos ou não, jornalistas não admitem, mas fazem “campanhas”.
Os assuntos “rendem”: buscam-se repercussões, detalhes escandalosos, paralelos com outras situações e, sobretudo, julgamentos morais.
Nogueira, aliás, faz o que a Folha não faz, creditar a Paulo Henrique Amorim, em seu Conversa Afiada, o fato de terem sido expostas as vísceras deste processo prisional conduzido por Sérgio Moro.
Mas há algo que ele não afirma diretamente, e que sinto a necessidade de expressar.
O problema das condições humilhantes daquela prisão, porém, não é apenas – embora seja, sim – o da questão dos deveres de humanidade que devam ter nossas prisões, e que não têm, aqui.
Porque sempre se pode argumentar, com toda a razão, que essas, ou piores, são as condições de encarceramento de milhares, dezenas de milhares, centenas, talvez, de outros brasileiros.
São, sim, por desimportantes, pobres, desprezíveis para uma cultura que se importa em prender para castigar, punir e que, sadicamente, quer punições cada vez mais cruéis, como ferramenta de vingança, não de solução dos conflitos do convívio humano.
O problema na prisão do Dr. Moro não é o de que, na forma indigna, é assim.
É o porquê de ser assim, a mesma razão de estar sendo prorrogada além, muito além, do que seria necessário para garantir a investigação.
É que é, já agora indisfarçadamente, um instrumento de coação, destinado a obter ao confissão do que se quer, pouco importa se real ou não.
É mais perverso do que seria um tapa ou um chicote de um bruto, de um meganha medieval, porque é brandido por homens de fino trato, acostumados a linhos e ágapes, não a comer com as mãos ou a defecar com platéia.
Um retrato da diferença entre brutalidade, própria dos brutos, e tortura, um ato deliberado em que o prazer sádico consiste faze-lo para obter o que se quer de alguém.
E em nome do Estado: portanto, em meu e em seu nome.
Como os homens que estão lá, obrigados a fazerem suas necessidades em público, também é em público que a Justiça brasileira pratica as suas necessidades políticas, com alguns latinismos e muitas folhas de jornal a fazerem às vezes de cortina para a imundície.
O que Moro tem a dizer sobre as condiçõesem que vivem os presos da Lava Jato?
Paulo Nogueira
A Folha confirmou, sem citá-lo, algo que presumo não fazer parte de seu manual de jornalismo, Paulo Henrique Amorim.
Poucos dias atrás, PHA gravou um vídeo em que relatou as condições abjetas em que vivem na cadeia, em Curitiba, os presos do juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato.
A Folha foi atrás da pauta, com uma de suas jornalistas mais prestigiadas, Mônica Bergamo, e encontrou exatamente o quadro descrito no vídeo de PHA. (Vejo agora, ao fazer uma breve pesquisa, que o Globo também seguiu a PHA. Imagino o quanto ele tenha rido com isso tudo.)
Não é algo que honre muito Moro a vida que levam os detidos.
Os presos da Lava Jato têm, em cada cela, um arremedo de banheiro que utilizam, seja para que for, à vista de todos.
Nas refeições, uma faca de plástico incapaz de cortar carne os obriga a comer com a mão.
No capítulo das misérias, foi-lhes proibido o uso de relógio na prisão, o que significa ficar o dia inteiro sem saber as horas. É algo particularmente torturante para quem está preso e não tem nada a fazer. Também não podiam ler.
Há uma clara situação de direitos humanos violados, sob o comando de Moro, e é um horror que a mídia tenha ficado inerte até que PHA se movimentasse.
Inerte, não. Com sua habitual canalhice, a Veja, em dezembro, teve acesso ao dia-a-dia dos presos. O texto sugeria que eles tinham regalias dignas de um hotel. A revista disse ter ouvido uma familiar, que teria afirmado o seguinte: “Não há do que reclamar do ponto de vista humanitário.” Quem acredita que essa familiar exista, e que a frase seja genuína, acredita em tudo, como disse Wellington.
Nunca nenhuma grande empresa jornalística fez uma campanha pela melhora das prisões brasileiras.
Tanto dinheiro público jorrando nelas – anúncios, compras de livros e assinaturas, financiamentos camaradas em bancos oficiais – e mesmo assim nenhum jornal ou revista separou, em qualquer instante, os recursos necessários para lutar por uma causa social tão relevante.
Você conhece um país por suas cadeias, e as brasileiras são degradantes. Na Noruega, numa missão jornalística, visitei o presídio de Bastoy, próximo de Oslo. Os prisioneiros vivem em chalés, dispõem de cavalos e campos de futebol para se entreter e, nos finais de semana, podem receber parentes e amigos para um churrasco.
Naturalmente, podem usar relógios à vontade.
A isso se dá o nome de civilização.
“Nosso objetivo é recuperar os presos, e isso não se consegue submetendo-os a castigos e humilhações sem sentido”, me disse o diretor da cadeia de Bastoy, uma referência mundial.
Quando a imprensa vai criar vergonha e pressionar por condições humanas para os presos?
Tenho a resposta. Apenas quando o dono de alguma grande empresa jornalística for preso.
Sonegação, em sociedades avançadas, dá cadeia. O antigo presidente do Bayern, que era tido como cidadão modelo na Alemanha até que se descobrisse uma conta secreta na Suíça, cumpre sentença hoje de cinco anos numa prisão alemã.
Arrependido, ele decidiu não recorrer da decisão da Justiça, por entender que dera um péssimo exemplo para os alemães e tinha que mitigar os danos à sociedade de alguma forma simbólica.
Só assim a imprensa se mobilizará: no dia em que um dos barões enfrentar uma situação parecida com a dos detidos da Lava Jato.
Tão entretida em bajular Moro por motivos ideológicos e partidários, os donos da mídia fecharam os olhos para seu lado b, assim como já tinham feito com Joaquim Barbosa.
Nosso garoto-pobre-que-mudou-o-Brasil, aspas e gargalhada, inventou uma empresa em Miami para driblar o fisco americano na compra de um imóvel. Mesmo assim, por ter sido poupado pela mídia amiga, ainda se julga em condições de dar lição de moral aos brasileiros.
A revista Época, da Globo, disse há pouco que Moro é um dos homens que “estão mudando” o Brasil.
É muita gente “mudando” o Brasil para que tudo – vantagens, privilégios de um pequeno grupo – permaneça exatamente como está desde sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário