Centenário de Zé Trindade e 25 anos de sua ausência

por Mara L. Baraúna
Milton da Silva Bittencourt (Salvador, 18 de abril de 1915 — Rio de Janeiro, 2 de maio de 1990)
Zé Trindade, pseudônimo do baiano Milton da Silva Bittencourt foi um ator, músico e compositor  brasileiro, grande comediante de rádio, teatro, cinema e TV.
Zé Trindade nasceu em meio a um drama familiar e a sua infância, até os onze anos, foi muito sofrida. Seu pai, Heitor de Souza Bittencourt, era herdeiro de uma rica e tradicional família baiana que o deserdou ao vê-lo casado com Esther da Silva, uma moça de apenas treze anos e muito pobre. Inconformado com a desaprovação da família, começa a beber até a morte. 
Desde menino, Zé Trindade já mostrava seus talentos artísticos ao publicar um poema no Jornal da Tarde, na Bahia. 


Aos 11 anos, se emprega como officeboy e ascensorista no Hotel Meridional e lá faz amizade com Jorge Amado e Dorival Caymmi que, como os outros hóspedes, se divertem com suas piadas, ou se encantam com seus versos, poemas ou letras de músicas.
Em 1935, entrou para a Rádio Sociedade da Bahia, vivendo um bêbado no programa Teatro nos ares, que era praticamente uma cópia de  Teatro pelos ares, lançado em 15 de abril de 1937, no Rio de Janeiro pela Rádio Mayrink Veiga. A peça chamava-se A bebedeira, e obviamente o protagonista era um bêbado, interpretação que Trindade sempre recordou com uma de suas melhores e a mais importante para o deslanchamento de sua carreira artística ainda em Salvador. Ali iniciou a carreira artística quase por acaso, quando substituiu um ator cômico que não compareceu e, quando se tornou popular, para não chocar seus parentes ricos, mudou seu nome para Zé Trindade, retirado de um livreto de cordel.
O maior sucesso de público de Trindade no rádio vem com a criação, a partir de 1938, da dupla Zé Trindade-Chico Fulô, que protagonizava o programa diário Você precisa?. Tamanho sucesso do programa Você precisa? fez com que seus protagonistas formassem um duo caipira, A dupla da gargalhada, com apresentações em teatros, cinemas e clubes de Salvador e do interior. 
Também produzia e apresentava o programa Antigamente era assim,  um novo programa de modinhas da Bahia antiga, irradiado aos domingos à noite.
Com a popularidade garantida, Trindade lança, no início de 1942, o seu primeiro livro: Buraco de fechadura, uma reunião de anedotas e pequenos contos humorísticos,  esgotado em apenas um mês. A boa recepção ao livro fez com que Trindade lançasse, ainda em 1942, outra publicação: Black-out.
Na primeira semana de outubro de 1945, segue para o Rio de Janeiro, ingressando na Rádio Clube do Brasil e, no ano seguinte,  integrando o elenco de humoristas da Mayrink Veiga. Nos quinze anos seguintes seria o melhor cômico do rádio. Brilhou nos programas humorísticos Vai da valsa, A Cidade se diverte, Este norte é de morte e Alegria de rua, entre outros, com textos de Chico Anísio, Haroldo de Andrade e Antônio Maria. Nos anos 80 ele gravou para o programa A Impecável Maré Mansa, com que a Rádio Tupi carioca atendia a sua assídua plateia de nordestinos.Trindade criou bordões como “Com licença da má palavra”, “É lamentável”, “O negócio é experimentar” que eram repetidos nas ruas. Ele inventava expressões que logo passavam a fazer parte do vocabulário nacional. Uma delas virou título de um de seus filmes: Mulheres, Cheguei.
Zé Trindade fez uma brilhante carreira cinematográfica. Foi um dos principais nomes da chanchada carioca, protagonizando vários sucessos. Destacou-se com a figura do anti-herói cômico, enredado nos conflitos entre mocinhos e bandidos. Encarnou como ninguém o antigalã conquistador. Baixinho, gordinho, o bigode fininho marcando um rosto safado, cria as frases “Meu negócio é mulher” e “Mulheres, cheguei”. Ninguém melhor do que ele fez o tipo do malandro.
Sua estreia no cinema foi em 1947 no filme O malandro e a granfina. Depois vieram: O cavalo 13, Fogo na canjica, Anjo do lodo, Tocaia, O rei do samba, O primo do cangaceiro, Tira a mão daí, Genival é de morte, Treze cadeiras, Rico ria à toa, Maluco por mulher, Garotas e samba, Na corda bamba, O batedor de carteiras, Espírito de porco, Mulheres à vista, Viúvo alegre, Os três cangaceiros, Mulheres, cheguei!, Bom mesmo é carnaval, Assim era a Atlântida.  Aos 72 anos fez sua última atuação, uma pontinha como ascensorista em Um trem para as estrelas, filme de 1987, do diretor Carlos Diegues, concorrente à Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Em 1965, o humorista recupera a veia poética de sua juventude e lança o livro O Poeta Zé Trindade, com capa do artista plástico Carybé  e prefácio de Jorge Amado.
Trindade foi um nome de destaque nos programas humorísticos das rádios Mayrink Veiga, Clube do Brasil e Nacional, todas do Rio de Janeiro. Nos anos 70, participou dos programas humorísticos Balança mas não cai e Chico Anysio Show. Em 1986, fez uma participação na minissérie Memórias de um Gigolô, baseada no romance de Marcos Rey, sob a direção de Walter Avancini, onde Zé Trindade interpretou o personagem de Buster Keaton.
De 1954 a 1963, gravou 25 discos de músicas nordestinas, com trovas e pensamentos. Ele gostava de letras temáticas: marchinhas, músicas de carnaval, natal e São João.
Em 1963, seu LP É um Estouro recebeu o troféu “Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”, do Ministério da Educação e Cultura, na categoria de melhor intérprete de música regional em disco.
Era casado com Dona Cleusa e tiveram quatro filhos: Anayra, Regina, Ricardo e Christina.
Faleceu de câncer no pulmão, em 2 de maio de 1990, no Rio de Janeiro, aos 75 anos.
Em 2013, foi homenageado no musical Zé Trindade: A última chanchada, de Arthur Xexéo, direção de João Fonseca.