O ocaso da sociedade dos sabidões, por José Muladeiro

Recentemente li a notícia de que Umberto Eco, durante evento no qual recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Turim, Itália, afirmou que as redes sociais dão o direito à palavra a uma “legião de imbecis”. “Normalmente, eles (os imbecis) eram imediatamente calados, mas agora eles tem o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel” disse o intelectual. Segundo a notícia que li, o escritor ainda aconselhou os jornais a filtrarem com uma “equipe de especialistas” as informações da web porque ninguém é capaz de saber se um site é “confiável ou não”.
Li também outra notícia, relacionada ao assunto. Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, por ocasião da abertura da conferência “Novos desafios da democracia”, afirmou que a “questão da democracia se tornou ainda mais complicada hoje”, especialmente pela existência das redes sociais “onde existem tantas opiniões, mas tão superficiais”. Disse ainda Okamotto, “A democracia é o exercício solitário de pensar no que é melhor para a maioria das pessoas”.
Guardadas as respectivas distâncias, ambos são intelectuais com sólida base nos quadros acadêmicos da sociedade contemporânea. Suas palavras mostram, como as redes sociais estão a incomodar os ditos intelectuais, independente das ideias que defendem.

Para o primeiro, Umberto Eco, faz-se necessário que uma equipe de censores especialistas venha a ditar o que é e o que não é confiável. Para o segundo, Okamotto, o pensar solitário é o que indica o que é bom para a maioria. Ambos estão na empreitada de defender os paradigmas de um mundo que está se extinguindo.

Pouco se preocupam nossos intelectuais de se perguntarem como a Internete, e sua parte mais visível, as redes sociais, estão a mudar a forma como pensamos e agimos sobre a realidade.
Até recentemente, o mundo acadêmico detinha o monopólio da informação intelectual, tanto científica como filosófica, e com o monopólio da informação detinha o monopólio de indicar à massa o que era e o que não era verdade, o que podia ou não podia ser aceito.
Acontece que com a Internete eles perderam o monopólio da informação. Hoje, as informações, cuja posse eles tanto zelavam, está ao alcance da grande maioria da população capaz de ler em mais de um idioma e principalmente em Inglês.
A parte mais visível desta derrocada se encontra em nossas universidades. O que definia um mestre era o deter uma grande quantidade de informações sobre um determinado ramo do saber. A ele, o mestre, cabia “passar” esta informação a seus alunos. Não poucas vezes esta informação tomava a forma de uma apostila, escrita ao longo de muitos anos de docência.
Hoje, tudo isto virou poeira. Basta saber ler em Inglês e temos à nossa disposição, quase sempre de graça, uma imensa quantidade de informações capaz de dispensar qualquer antigo professor. O paradigma mudou de “deter a informação” para “o que fazer com a informação”. Hoje podemos dizer que ser um mestre significa ensinar aos alunos como trabalhar as informações disponíveis. Como usar várias informações para produzir nova informação.
Como é possível que o senhor Okamotto venha a falar sobre exercício solitário de pensar? Será que ele não está a par de que nos idos de 1970 e inicio dos anos 1980, um operário iletrado se apoderou de uma ideia nascida no meio da esquerda sobre criar no Brasil um partido que pudesse representar seus trabalhadores? Será que Okamotto não está a par que naquele tempo este operário foi combatido pelos “doutores” acadêmicos que viam nesta ideia de partido uma “divisão” das forças progressistas então representadas pelo MDB? Que, igualmente, outro operário famoso da Polônia, tentou dissuadir nosso operário brasileiro de fundar um novo partido?
Mas Lula, não em sua solidão, mas participando intensamente da vida política do país, ouvindo os doutores, mas também seus amigos peões, foi capaz de liderar o que seria uma grande conquista democrática: a formação de um Partido da classe trabalhadora.
Enfim, a revolução proporcionada pela Internete está a fundir as mais brilhantes mentes, colocando-as ao mesmo nível de reles censores de novas ideias.



Cada vez mais temos que aprender a lidar com esta novidade: hoje as informações por si só não valem mais nada se não soubermos como lidar com elas. Só nosso discernimento e honestidade intelectual poderá nos guiar nesta difícil empreitada. E não será através do pensar solitário que faremos isto, mas ouvindo e ponderando muitas e divergentes opiniões, tendo a capacidade de assumir nossos erros e mudar a cada momento nossas próprias ideias. De sábio detentor de “opinião formada sobre tudo” em pensador dotado de grande capacidade de mudança, verdadeira “metamorfose ambulante”. Eis aí o espírito do artista a antecipar o futuro da sociedade.

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