Papinho gourmet, por Márcio Alemão

–E foi-se o foie gras!

– Uma maldade a menos, um animalzinho a menos a sofrer a tortura humana.

– Mas, talvez agora, vai saber, o pobre não tenha nem mais o que comer.

– Não havia pensado nisso. Bom momento para abrirmos uma ONG que arrecade fundos para alimentar gansos cujos proprietários foram à ruina.

– E quanto aos proprietários?

– Que paguem pelas maldades!

– Confesso ao amigo que esse fato me encheu de esperança. Mandei ao Lacerda, meu primo vereador, proposta para que o prefeito dê igual fim aos escargots.

– Ah! Que tortura medieval é a tal limpeza dos intestinos dos pobres bichinhos para que fiquem prontos para o consumo.

– Ficam ali, abandonados, sem comida, sem sequer um jornal para ler enquanto se esvaem em... sabemos no quê.

– Já falei sobre mais um alvo certo?

– Conte.

– O galeto.

– Para! Olha bem nos meus olhos. Está vendo a furtiva que escapa das mais profundas fossas lacrimais à procura de justiça para com os assassinos dos pequenos e delicados pintos de 30 dias?

– É tarde, mas quero crer que ainda não muito para criar uma nova lei que permita que o pinto cresça e possa erguer sua cabeça e conhecer sua mãe, ainda que seja uma galinha.

– Precisamos aumentar a maioridade execucional do galeto. Um ano pelo menos.

– Sobre a vitela?

– A minha proposta nesse caso é mais radical. Abater um bezerrinho, uma novilha com quatro meses, cheirando a leite, deve ser considerado crime hediondo.

– Da mesma forma que um baby leitão. Já ouviu um deles sendo abatido na roça? Grita tanto que nem passarinho se atreve a cantar, em respeito à dor do coleguinha.

E nesse momento, juro, o que deveria ser uma brincadeira, um texto divertido, deixa de ser. Perdi o humor. Fui lembrar de um dia que arranquei 20 cabeças de coelho, limpando-os para uma coelhada. Nunca aquilo fez sentido para mim. É fato: ainda precisamos de muita proteína para alimentar muita gente. Mas não as gentes que podem pagar foie gras, vitela, babies, sejam lá o que forem. Adoro um leitãozinho. Mas, se tiver alternativa, quem sabe eu esteja preferindo deixá-lo virar um belo cachaço. Quem sabe? Quem pode garantir a sanidade de alguém que sangra centenas de bois todos os dias? Vou me informar.

na CartaCapital

Nenhum comentário:

Postar um comentário