Aposto na vitória da Democracia
Fernando Brito - Tijolaco
Depois de Merval Pereira confirmar furo do Cafezinho, de que Eduardo Cunha esteve na sede do Globo, na última segunda-feira, em reunião a portas fechadas com editores do jornal, tivemos uma semana difícil (para dizer o mínimo) para o Partido dos Trabalhadores.
O delator Milton Pascowitch, lobista de empreiteiras, fez inúmeras denúncias contra José Dirceu e enlameou o PT. Muitas das histórias relatadas por Pascowitch são velhas, mas a Globo aproveitou o clima de crise política produzido pela reprisão de Dirceu para requentar tudo.
É o mês de agosto em sua máxima plenitude!
E aí, quando governo e PT se encontravam nas cordas, com sites de mercado financeiro divulgando rumores sobre a renúncia de Dilma Rousseff, e o New York Times sugerindo entregar a coroa à Michel Temer, o Globo publica um editorial criticando Eduardo Cunha e conclamando políticos responsáveis de todos os partidos a dar "governabilidade ao Planalto".
Um editorial claramente contra o golpe. Exatamente na linha contrária ao que vem pregando diuturnamente Merval Pereira, por exemplo, que já fez críticas pesadas ao PSDB justamente por alguns de seus membros ainda se preocuparem com coisas singelas como estabilidade econômica e governabilidade.
Mas a recepção ao artigo por setores do PT pode ser descrita pela frase: "me engana que eu gosto".
O poder da Globo, de produzir crise e amansá-las em seguida, nunca foi tão grande.
Foi assim que a família Marinho conseguiu se tornar a mais rica do país.
O que podemos pensar numa situação dessas? Não é difícil fazer algumas especulações:
1) A Globo traçou uma estratégia para se blindar de acusações de golpismo. Ou seja, ela promove o golpismo até o limite, está por trás de todo o jogo de delações e notícias manipuladas e vazadas criteriosamente, mas não quer forçar um golpe antes do dia 16. Na verdade, não é muito diferente da estratégia de 64. Os golpistas sabiam que tinham que oferecer demonstrações de apoio popular, e por isso organizaram as marchas contra o governo que antecederam o golpe de 64.
2) A Globo está satisfeita com a atual conjuntura. José Dirceu destruído, Lula debilitado, movimentos fascistas em ascensão. A emissora nunca teve tanto poder político. Para ela, melhor continuar assim. Um processo de impeachment, uma desestabilização além da conta, deflagraria forças incontroláveis. A pressão dos grandes grupos industriais, que seriam os primeiros a serem varridos numa conjuntura de caos econômico e político, pode ter convencido a Globo a não ir adiante em sua pregação golpista.

Charge na capa do jornal O Globo, desta semana. Alguma dúvida sobre as intenções dos Marinho?
3) A Globo está convencida que agora tem elementos para destruir Lula politicamente, e assim eliminar qualquer risco de manutenção do PT no poder. Além disso, a hegemonia conservadora no Ministério Público, na Polícia Federal e no Judiciário lhe parece bastante consolidada, o que também dá segurança à Globo para manter a estratégia do cerco permanente.
4) A adesão de Renato Duque e mais alguns outros réus, possivelmente até Marcelo Odebrecht, à delação premiada, mais a descarada confissão do próprio irmão de Dirceu, de que recebeu mesada de R$ 30 mil do lobista Milton Pascowitch, dão munição à Globo para criar uma atmosfera propícia ao impeachment sem que seja necessário o seu engajamento editorial na empreitada. O impeachment poderá ser feito à "contragosto" da Globo, e assim ela se blinda de acusações desagradáveis de golpista.
5) A Lava Jato conseguiu ainda uma outra proeza, que beneficia muito a Globo. O lobista e delator Milton Pascowitch disse que um dos acertos com o PT era repassar R$ 120 mil à Leonardo Attuch, da editora 247, responsável pelo site Brasil 247. Attuch admite ter recebido o dinheiro, explica que foram serviços prestados. Em se tratando de imagem, porém, o site saiu arranhado, e a Globo está repetindo a informação com bastante ênfase. De fato, o site Brasil 247 tem sido importante para a defesa do governo, de maneira que o seu desprestígio debilita ainda mais o governo, o PT e confere ainda mais poder à Globo.
6) A última hipótese é que a Globo realmente tenha sido convencida, pelo grande capital, e pelos governadores, que um golpe não seria vantajoso. O país perderia a estabilidade econômica, política e social por muito tempo. Um golpe via TCU ou TSE criaria uma jurisprudência perigosa. Nenhum governador ou prefeito teria segurança de terminar seu mandato, porque praticam "pedaladas fiscais" infinitamente piores do que as de Dilma, e recebem doações de empresários muito mais suspeitos e corruptos.
Neste sombrio mês de agosto, a meu ver, a postura menos oportuna, menos prudente, é ficar "otimista".
O recuo da Globo pode ser o recuo das águas do mar nos momentos que antecedem um tsunami.
Dilma, enquanto isso, participa da inauguração de 700 casas em Roraima.
Aliás, as falas da Dilma deixam entrever como pensa a presidenta, e explicam o seu comportamento.
Depois de defender o valor do voto, numa referência explícita às tratativas da oposição de chegar ao poder sem ganhar eleições, ela acrescentou: "Ao longo da vida eu passei muitos momentos difíceis. Sou uma pessoa que aguenta pressão. Sou uma pessoa que aguenta ameaça. Aliás, eu sobrevivi a grandes ameaças à minha própria vida"
Bingo!
Dilma transformou o Planalto numa espécie de aparelho, onde fica escondida, resistindo à "pressão", aguentando "ameaça". No meio da crise, sua cabeça voltou a pensar como uma guerrilheira dos anos 60, e não como uma figura pública, representante política máxima de todos os brasileiros, que precisa enfrentar a crise fazendo política, através de uma grande ofensiva na comunicação.
Ou pior: Dilma age como se estivesse presa, sob tortura, sob "ameaça", e que a postura mais corajosa possível seja manter o silêncio. Não é, Dilma. No momento, você tem a caneta sagrada do poder da república em suas mãos. A atitude mais heroica é usá-la!
Não há outra solução. Dilma precisa juntar seus ministros mais fieis, o núcleo duro de sua bancada parlamentar, unir os movimentos sociais organizados, e construir uma agenda política em comum. E anunciar essa agenda antes do dia 16, data marcada para o início do golpe.
Dilma precisa lutar contra o dia 16, quando novamente os meios de comunicação tentarão jogar milhões nas ruas a pedir não apenas sua cabeça, mas a cabeça de todos os progressistas e de toda a esquerda, visto que são marchas eminentemente fascistas.
Para isso, precisa construir sua agenda, como já disse, e ajudar a fortalecer o dia 20 de agosto, quando os movimentos sociais sairão em sua defesa.

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Comentários(8 Responses)
ricardo almeida disse:
08/08/2015 às 11:16 am
A dilma e o PT regendo a orquestra do titanic, e nos tomando porrada aqui fora eta mundaooooo….
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Edimilson disse:
08/08/2015 às 11:35 am
Confio no diabo, mais não confio na GLOBO!
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André disse:
08/08/2015 às 12:40 pm
Também…Por onde anda o tal Zé mané? Dilma ficou numa situação complicada para recusar o Janot neste momento, a situação dela pioraria muito. Ela teve a oportunidade quando o outro gordo saiu da procuradoria, ali ela deveria ter colocado alguém de confiança, dentro da lista e não o mais votado. Teve também a oportunidade de afastar os delegados Aceistas e retirar o delegado chefe da polícia federal quando assumiu seu segundo mandado, mas preferiu pagar para ver. Eduardo Cunha é ruim mas ele tem uma coisa "boa" faz o que tem que fazer para defender sua ideologia mesmo que seja para o mal, isso falta a Dilma e ao PT.
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Carlos disse:
08/08/2015 às 11:37 am
O início da solução da crise é enquadrar os conspiradores, este bando de gente derrotada nas eleições que decidiu ganhar no grito, como qualquer valentão boçal de botequim, inclusive a globo (especialmente ela). Se os bandidos levarem a melhor, o melhor será extinguir as eleições e deixar ao cargo dos fascistas a escolha dos seus representantes no comando do país, exatamente como faziam os generais na ditadura. Pena que no Brasil não tivemos um Hugo Chavez, Tivéssemos tido, a esta altura uma meia dúzia de bandidos golpistas que ameaçam a democracia já estaria em cana.
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José Maia disse:
08/08/2015 às 12:07 pm
A grande maioria dos movimentos sociais e partidos ditos de esquerda abandonaram Dilma na eleição. Veja o caso de Luciana Genro e Erondina com os movimentos sociais de SP. Dilma sabe que não pode contar com a esquerda. Agora essa esquerda quer dizer que foi ela que elegeu Dilma. Uma mentira. Foram os brasileiros pobres, boa parte votando contra a vontade de boa parte da esquerda. Por isso ela procura se segurar aonde pode. Há sim um golpe em andamento e não seria a esquerda quem evitaria. Não levantaria uma pena para salvá-la. Alguns movimentos sociais sim, como o MST.
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Anelise disse:
08/08/2015 às 12:48 pm
As vezes fico me perguntando se os "blogs sujos" não entregam o ouro pros bandidos(PIG e outros), que certamente lêem o que se escreve aqui e acolá!
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Mauro disse:
08/08/2015 às 12:58 pm
https://www.facebook.com/wilson.gomes.1614460/posts/1618176315129091?fref=nf
Wilson Gomes
18 h ·
SEIS TESES SOBRE POR QUE CONSIDERO IMPROVÁVEL QUE O MANDATO DE DILMA SEJA INTERROMPIDO
(só para os fortes)
Há tanta gente falando ao mesmo tempo que Dilma Rousseff está quase caindo, por impeachment ou renúncia, e dessa vez com tanta angústia e verdade, que comecei a desconfiar de que sou o último tolo da tribo, vez que tudo isso me parece muito pouco provável. Depois que o PT apresentou um programa para dar recibo de que a queda da presidente está na pauta (ao menos na pauta dos "malvados"), a desconfiança de que estou me tornando o último dos céticos cresceu consideravelmente. O programa de ontem fez ainda mais: deu um nome ao mal-estar generalizado na política nacional desses dias, "crise política", de modo que se o monstro agora tem nome, tem também direito a cidadania. Existe.
Depois, veio um dia de consumo de posts e links de redes sociais, e até de mensagens de respeitáveis colegas, expressando temor, uns, desejo, outros, de que o mandato de Dilma termine.
Bem, meus amigos, é importante deixar claro que os dois argumentos sobre a iminente queda de Dilma Rousseff, antes que previsões políticas consistentes, são instrumentos a ser usados no jogo político. Os argumentos (1) "a renúncia da presidente é o único meio para que o país supere a crise política" e (2) "por menos que isso, Collor sofreu impeachment" estão no mercado de ideias e de sensações públicas como recurso para produzir, reforçar e aguçar o sentimento de que o governo do PT está esgotado, perdeu a condição moral para a sua continuidade, de que o país precisa que a presidente se retire. É claro quem ganha e quem perde quando estes argumentos prosperam, não? Se isso preocupa a todos e concentra um montante tão significativo de atenção pública, então o recurso foi usado com eficiência. Talvez você não saiba, mas se você se preocupa com isso, então o argumento lhe tem justamente onde ele desejou. Você, então, passa a decifrar, em toda parte, indícios de que isso é a mais pura verdade – da sonora de Temer à frase enigmática da Folha de S. Paulo, tudo demonstra que Dilma, como muitos antes dela, poderá não sobreviver ao temível mês de agosto.
Diante disso, compartilho aqui alguns elementos que me fazem, teimosamente, apostar contra a corrente.
1) A analogia com a situação de Collor não se sustenta, por várias razões políticas. Quando a Câmara decidiu aceitar a abertura do processo de impeachment contra ele, em 1992, Collor já era um cachorro morto, defendido apenas, e às cotoveladas, pelo seu pelotão de choque (Claudio Humberto e Renan Calheiros), desprezado por tudo e por todos. Dilma tem um partido com uma bancada consistente, nas duas Casas, que certamente não vai entregar sua cabeça, numa bandeja, nas mãos de Cunha, Aécio e Caiado. Collor era um sem partido. Já o PT, além de ser um partido orgânico, e não uma legenda montada para disputar eleições, não sobrevive se Dilma cair, não pode entregar a cabeça para salvar o corpo. Para o partido, sacrificar Dilma seria imolar-se no altar dos seus inimigos. Não faz sentido.
2) Já está mais que provado que a "base de Cunha" é maior, mais esperta e mais eficaz do que a base do governo, embora Eduardo Cunha se tenha feito deputado pela vontade de apenas 233 mil brasileiros, contra os 54,5 milhões de votos de Dilma Rousseff. Mas já é claro também que a agenda de Cunha tem apenas uma "pars destruens", um projeto de ataque. Cunha e os cunhistas não distinguem Estado e governo, não lhes incomoda ferir gravemente o Estado desde que o governo também sangre. Quem diz isso não sou eu, é The Economist. Literalmente, acho que é claro para todo mundo que Cunha está atirando nos joelhos do país, na esperança de ver o governo cair. Ora, por esta razão a elite brasileira não pode ser cunhista: Cunha é péssimo para os negócios, Cunha desrespeita e viola instituições, Cunha é bruto. O cunhismo não é uma alternativa que se possa abraçar. Nem menciono Aécio pois, ao contrário do que ele parece acreditar, não há hipótese de que ele seja beneficiário de uma eventual interrupção do mandato de Dilma. A não ser que Temer fosse um parvo e Cunha, um cordeirinho.
3) O mandato de Dilma Rousseff (não ela, o mandato) será defendido energicamente até pelos que não são petistas ou não simpatizam com a atual administração. O fato de os antipetistas estarem gritando mais alto, não quer dizer que os que estão em silêncio gostem deles ou os apoiem em todas suas aspirações. A hipótese do impeachment só poderá ser apresentada, sem provocar convulsão social, se houver provas claras, irrefutáveis, de crime cometido pela mandatária. Claro, Dilma poderia renunciar, mas para ela cometer suicídio político (além de sacrificar o seu próprio partido) seria preciso haver uma unanimidade política, intelectual, moral e de opinião pública a respeito da sua incapacidade de governar que está muito longe de ser obtido. Mais importante que os petistas para defender o mandato de Dilma, neste momento, são os "constitucionalistas", os que defenderão até o fim as instituições da democracia liberal.
4) Não havendo um consistente consenso social (repito: político, intelectual, moral) sobre o fato de que Dilma Rousseff deve ir embora, retirá-la do poder, mesmo que fosse por um impeachment paraguaio (inteiramente político), seria provocar um inevitável estado de convulsão social. Petistas e constitucionalistas estariam unidos, num grande front moral, para defender a sacralidade do mandato popular, o estado democrático de direito tão arduamente conquistado, as instituições da democracia liberal. Os antipetistas aprenderam no ano passado a ocupar ruas, o sindicalismo, o petismo e os movimentos sociais têm anos de experiência. Estamos prontos para um estado de "guerra civil" no país? Quem é tão estúpido ao ponto de não querer evitar isso? Além disso, o Brasil é um país muito bem vertebrado institucionalmente e não um molusco político qualquer que pode ser movido para cá ou para lá por líderes carismáticos e suas multidões de seguidores. A desinstitucionalização do Estado, para satisfazer apetites e insatisfações políticas, mereceria o repúdio até dos mais conservadores membros do establishment estatal.
5) Mesmo que os antipetistas ocupem as ruas, e que, digamos, alcancem uma escala demográfica como a de 2013, isso não lhes dá o direito de governar. Ao que eu saiba, ainda não trocamos a democracia por uma plethocracia (governo de multidões)? Aliás, historicamente a democracia ateniense foi inventada para que as multidões parassem de derrubar e empossar déspotas e tiranos. Sei que esse argumento magoa muito os populistas de esquerda (e, a partir de agora, os populistas de direita), mas a democracia não é um sistema em que a vontade a ser considerada é a expressa no berro e no muque. Isso é adolescência, democracia é outra coisa.
6) Faltam apenas três anos para a próxima eleição. Só um milagre eleitoral para evitar que outra força política tome, legitimamente, a Presidência da República das mãos do PT. Por que, em sã consciência, alguém que pode ganhar e levar fácil uma eleição em três anos, iria se arriscar agora a criar tanto transtorno às instituições políticas do país só para impedir que uma presidente termine o seu mandato? Quem quer chegar à campanha eleitoral de 2018 como regicida (kingslayer?), golpista, tiranete? E, mais ainda, que quem quer viver o resto da sua existência política sentindo na nuca o bafo dos inimigos sorrateiramente derrotados, perenemente à espreita de uma oportunidade de retribuição do mal?
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