por Luiz Carlos Mendonça de Barros
Apesar da insegurança e volatilidade criadas pelo desarranjo das contas fiscais do governo federal para o próximo ano, podemos visualizar alguns sinais claros de correções positivas que vêm ocorrendo na economia brasileira. Os mais evidentes estão concentrados em nossas relações comerciais com outros países em função do violento ajuste da taxa de câmbio.
Dois vetores principais estão respondendo a um real mais fraco, fruto, principalmente, do fim do superciclo das commodities que ocorreu na primeira década do século. A recessão por que passa o Brasil e a normalização dos juros nos Estados Unidos reforçam este movimento de desvalorização estrutural da taxa de câmbio.
O primeiro vetor é o chamado coeficiente de importação, que mede a relação entre o total de gastos na economia e a produção interna, especialmente de bens industriais. Nos anos do real forte - principalmente entre 2006 e 2012 - empresas e consumidores voltaramse para as importações em função dos custos bem mais baixos dos bens produzidos em outros países. Foi o período do boom das importações de produtos industriais chineses em função de seus preços mais baixos em dólares e da moeda desvalorizada artificialmente pela ação do governo de Pequim.
O segundo vetor a explicar a queda de nossas exportações industriais foi a escalada dos custos em dólares da produção interna em função, principalmente, do aumento expressivo dos salários. Perdemos competitividade inclusive em mercados tradicionais, como na América Latina e em países africanos. Mais uma vez foram as exportações chinesas as grandes vilãs deste processo.
Mas o boom de commodities é hoje coisa do passado e a queda de mais de 30% nos termos de troca do Brasil, nos três últimos anos, revelou a fragilidade de nossa moeda em função da baixa produtividade do setor industrial. Além disto, a crise da economia e mais recentemente da política que nos atingiu este ano adicionou uma dose maior de fragilidade ao real, o que lhe rendeu a medalha, de prata ou bronze, entre as moedas emergentes que mais perderam valor em relação ao dólar. Um movimento oposto ao que ocorreu nos mandatos do presidente Lula e nos primeiros anos da presidente Dilma.
Paralelamente, a mudança na condução da política cambial da China, na direção de tornar o renminbi uma moeda reserva, provocou uma desvalorização intensa do real também em relação a ele. Em 2015 o real perdeu 45% de seu valor em relação ao dólar e 42% em relação à moeda chinesa. Este movimento violento na taxa de câmbio criou, em um primeiro momento, um choque inflacionário intenso e que ainda não se dissipou -, mas trouxe no seu ventre uma correção importante na competitividade da indústria.
Outras moedas no mundo emergente seguiram este movimento do real, principalmente na América Latina, encarecendo as importações chinesas e abrindo um novo espaço para nossas exportações de bens industriais. É a chamada volta do pêndulo, que nos mercados de moeda são sempre intensos. Os efeitos deste novo equilíbrio nos mercados de câmbio já começam a aparecer e devem se intensificar ao longo de 2016. O saldo comercial de agosto foi o maior dos últimos anos e o ano, como um todo, deve apresentar um número acima dos US$ 12 bilhões.
A maioria dos analistas desqualifica este resultado com o argumento de que foi a queda das importações o principal fator por trás desta melhora, o que é absoluta verdade numérica. Mas erram ao associar esta redução de nossas compras externas principalmente à intensidade da recessão econômica em curso. Existe já uma primeira fase de ajuste ao novo equilíbrio de preços relativos entre produção interna e importações, que se estiver certo em minha análise, deve se intensificar na medida em que o mercado se ajustar a ele.
Depois de um longo período de queda de nossa produção industrial as empresas brasileiras terão que se adaptar ao novo perfil de demanda e ocupar o espaço das mercadorias importadas, sejam elas bens finais ou componentes intermediários. E nossa história mostra que o setor industrial brasileiro faz isto com rapidez e eficiência.
Trago ao leitor do Valor alguns números reais que acompanho por conta de minha parceria no Brasil com o gigante chinês do setor de caminhões, a Foton Beiqi. Tomando como referência o veículo de 10 toneladas que será produzido no Rio Grande do Sul - e para o qual já temos mapeados os custos de produção - podemos visualizar este movimento de ajuste de custos ao qual me referi.
O caminhão chinês tem hoje como preço de exportação nos portos da China para os mercados da América Latina um valor 5% menor do que o preço do produto nacional equivalente a ser produzido no Brasil, excluído os impostos cobrados no mercado interno. Números muito próximos e que, se forem corrigidos pelos encargos de logística das exportações chinesas, colocam o produto brasileiro em condição de competir em países como Colômbia, Chile e Argentina. Evidente que esta mesma situação se apresenta a outros produtores de caminhões no Brasil e, certamente, para outras indústrias de bens de capital e consumo.
O outro lado desta mesma moeda é que podemos dar como terminada a fase da onda chinesa de exportações de produtos industriais para os países do mundo emergente, como o Brasil, pois a nova postura da moeda chinesa nos mercados de câmbio leva naturalmente à perda de competitividade da indústria daquele país. É mais um custo da decisão do governo de Pequim de tornar o país um gigante geopolítico.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
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