Surreal! Estava agora há pouco com meus filhos numa sorveteria na Ataulfo de Paiva, no final do Leblon.
Quando estávamos já terminando os nossos sorvetes, apareceu um menino negro e pobre vendendo balas.
Depois de não conseguir vender sequer uma bala para nenhuma pessoa que lá estava – inclusive eu – ele voltou a mim e me pediu "o senhor compraria um sorvete pra mim". Eu, meus dois filhos e a babá já terminando os nossos deliciosos sorvetes e uma criança, trabalhando, negra, pobre e provavelmente moradora de favela me pedindo um mísero sorvete.
Claro que respondi que sim! Perguntei a ele o sabor e fomos até a caixa.
Logo após comprar o sorvete para aquela criança, uma senhora, de boa aparência, se vira pra mim e educadamente me pergunta: "o senhor é morador do Leblon?". Respondi que sim e fiquei tentando reconhecer quem seria aquela senhora, uma ex-vizinha, uma ex-professora, etc. Poderia esperar qualquer coisa menos a frase que veio logo a seguir: "porque com o senhor fazendo isso, aí é que esta gente não vai embora daqui mesmo". Isto na frente daquela pobre criança, que naturalmente não esboçou qualquer reação. Deve infelizmente estar acostumada a ser tratada como um ser humano inferior.
Estupefato, estampei um sorriso no rosto como forma de autocontrole e, educadamente, não resisti: "a senhora agora vai me mandar pra Cuba?". No que ela respondeu, ainda para piorar, apontando para a criança: "é este tipo de gente que estraga o nosso bairro". Não tive coragem de olhar para o rosto daquela criança. Sorri novamente e disse "quem estraga o nosso bairro é parte dos próprios moradores que infelizmente pensam como a senhora".
Hoje é dia 23 de dezembro e provavelmente esta senhora estará amanhã à noite em família "pregando o bem".
Nasci, cresci e sempre vivi no Leblon. Sei muito bem como parte dos moradores pensam, mas jamais havia presenciado cena desta natureza.
Independente de concepções, de opiniões políticas ideológicas, partidárias, etc, a crueldade da atitude daquela senhora foi explícita, pública, dita em alto e bom som, sem qualquer pudor, eivada de ódio daquela pobre criança.
Vivo criticando a esquerda por uma aparente vulgarização do termo "fascista", por inúmeros motivos que aqui não cabem. Mas é fato que nossa elite nestes últimos tempos de excesso de opiniões raivosas e superficiais em detrimento de um mínimo de conhecimento e reflexão, se aproxima cada vez mais de um caminho irracional e suicida.
Poucos, muito poucos, lucram com isso e certamente não é o(a) morador(a) do Leblon, que se ilude em viver num principado isolado do resto da cidade e do país. Enquanto isso vou lendo o livro da Marcia Tiburi (Como conversar com um fascista) por prazer e por necessidade (rs) e vou fazendo votos para que 2016 seja pelo menos um pouco diferente…
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