Mais realista que o rei?

Uma guinada à esquerda do governo Dilma Rousseff beira o impossível. Além da crise política, os agentes do mercado insistem no mito da retomada do crescimento pelo bom comportamento e ignoram o fracasso da gestão Levy, em que os investimentos públicos caíram 38%; a confiança dos agentes privados despencou, e as projeções de crescimento e de arrecadação tributária tiveram de ser revistas inúmeras vezes.

Um dos temas do debate público promovido na City University of New York, em 7 de dezembro, com o vencedor do Prêmio Nobel Paul Krugman e o ex-economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional) Olivier Blanchard, foi justamente a mudança da visão do Fundo acerca dos efeitos da austeridade fiscal.

Blanchard destacou duas etapas nesse processo. Na primeira, logo após a crise de 2008 e diante do colapso da demanda privada nos países ricos, concluiu-se que a política monetária não seria suficiente para estimular essas economias, e o FMI passou a defender um deficit fiscal de 2% do PIB. Essa recomendação, que Blanchard classifica como revolucionária, só foi aceita pelos governos, segundo ele, porque estes estavam perdidos e, assim, dispostos a aceitar remédios mágicos. Por sorte, diz, aceitaram o remédio certo.

Na segunda etapa, já em 2010, algumas economias avançadas esboçavam uma recuperação, mas tinham níveis muito altos de endividamento público. Na Europa, segundo Blanchard, os alemães conseguiram emplacar a ideia de que bastaria agir de forma bem comportada para que as economias melhorassem.

Krugman lembra que a doutrina de que cortar gastos públicos poderia ser expansionista, por resgatar a confiança dos agentes privados e, assim, os investimentos, era sustentada por pesquisas que quantificavam estatisticamente reduções no deficit fiscal que não eram oriundas de variações no ciclo econômico e encontravam impacto positivo sobre o crescimento.

No entanto, o método utilizado não identificava episódios muito conhecidos de ajuste fiscal nos países, além de outras falhas. Um estudo econométrico de grande porte realizado por pesquisadores do FMI em 2011 identificou tais episódios e encontrou o resultado nada surpreendente de que contrações fiscais são, pasmem, contracionistas.

Nesse contexto, e a partir da evidência de que as economias europeias foram muito pior do que o previsto em 2010 e 2011, Blanchard teria se dedicado a descobrir a origem dos erros de projeção do Fundo. Seriam fruto de coisas imprevisíveis ou de fatos conhecidos que não haviam sido considerados corretamente?

Um estagiário teria então apresentado em uma reunião um gráfico em que mostrou forte correlação entre a magnitude da consolidação fiscal implementada nos países e o tamanho dos erros de projeção. Em períodos de recessão, a consolidação fiscal traria, portanto, efeitos muito piores sobre o produto do que o previsto nos modelos. Uma versão mais elaborada do gráfico apareceu no World Economic Outlook de outubro de 2012, sinalizando de uma vez por todas a mudança na visão do Fundo. Quem sabe, com alguma sorte e bons estagiários, o governo brasileiro não acabe escolhendo o remédio certo dessa vez, fazendo uma guinada de uns 13 graus em direção ao crescimento.

por Laura Carvalho na Folha de São Paulo

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