Em nome da minha dignidade, tenho, por dever de ofício, de me por à margem do circo social e assumir a pecha que qualquer um queira me atribuir. Ajo, bem sei, como um membro de uma torcida organizada, que cansado de ser rotulado dessa ou daquela forma, aceita ser chamado de porco, peixeiro ou bambe... Tenho como inspiração o escritor Dias Gomes, que na peça O Santo Inquérito, colocou na boca da personagem Branca esse testigo: "Há um mínimo de dignidade que o homem não pode negociar".
Na direção contrária do polêmico e saudoso jurista Ruy Barbosa, que a muitos inspirou com a frase "vergonha de ser honesto", quero discorrer sobre o paradoxo da honestidade. Afinal, minha história em defesa do aprimoramento da Polícia Federal dentro da uma corregedoria, ora vigilante quanto às ações de seus servidores, ora vigilante ao resultado de seu trabalho, não me serve de referência pessoal. Meus contrapontos são vistos como defesa de corruptos e. consequentemente, sou corrupto.
Mas, deixem-me contar algo que aconteceu há duas semanas. Um jornaleiro, dono de uma banca da região central de São Paulo, foi preso. Saiu de lá algemado pela Polícia Civil, acusado de vender cigarro contrabandeado. Segundo consta, a polícia teria estado investigando o destino de cargas roubadas, até que finalmente chegou ao pobre coitado. Literalmente, segundo consta, ele é mesmo pobre e a essa altura, coitado.
O pobre jornaleiro exibe em sua banca uma edição do panfleto político conhecido como "revista Veja". Já desbotada pelo tempo de exposição, tem como título "O doleiro fala". Com o mesmo orgulho e renitência, ele ainda deixa expostos outros exemplares merecidamente encalhados, com títulos do gênero "Ele sabia", edição que revela um crime eleitoral impune, com endosso dos tribunais. Mais ao lado, outro exemplar com a chamada "O poder de Aécio". A capa da dita cuja traz político playboy abrindo a camisa no peito para exibir um escudo de super-herói.
Todos sabem que esse jornaleiro preso declara-se contra a corrupção. Faz coro com Eduardo Cunha, aquele que tem-não-tem contas lícitas-ilícitas na Suíça. Alinha-se ao deputado Paulinho da Força Sindical (Solidariedade/SP), que responde processo no Supremo Tribunal Federal, por suposto desvio de verbas do BNDES. Tem especial simpatia pelos ladrões de merenda das escolas paulistas e vai por aí afora.
Feito o registro, trago a brasa para a minha sardinha. Como sou ruim de memória, recorri a velhos arquivos e peguei o nome dos policiais corruptos que consegui que fossem demitidos por corrupção, nos meus tempos da Corregedoria da Polícia Federal. Descartadas as hipóteses de recuperação do ser humano, fiquei surpreso. Vi, com esses olhos que a terra há de comer, que aqueles policiais corruptos (ou ex-corruptos, sabe lá!) também estão contra a corrupção. É o que dizem nas redes sociais.
De outro giro, com um pouco mais de afoiteza, na mesma rede social, dei-me o trabalho de visitar as páginas de alguns envolvidos na Operação Anaconda – um rumoroso escândalo que envolvia venda de sentenças. Também aqui, riam ou fiquem perplexos, constatei que os envolvidos naquela operação policial também estão contra a corrupção, defendem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, sem que nenhum crime possa a ela ser imputado.
Resumindo, estão contra a corrupção, entre outros, o senhor Eduardo Cunha; os corruptos demitidos da Polícia Federal, enquanto Aécio Neves (Lista de Furnas) faz coro com os ladrões da Anaconda. De outro giro, a TV Globo (que nunca teria apresentado o cobrado DARF comprovando sua regularidade junto ao Fisco) anda de mãos dadas com a Veja (que nada noticia sobre o escândalo do metrô ou da Privataria Tucana). Engordam a lista a Folha de S. Paulo (que não cobre HSBC, embora tenha a exclusividade), o jornal O Estadão (que já confessou em editorial o seu antipetismo), sem contar os repicadores dessa "grande mídia".
Como a lista de supostos grandes veículos é gigante, incluindo emissoras de televisão, que segundo a lenda vive de dízimos (quem sou eu pra desmentir!), chegou a hora de desaguar direto no Primeiro Comando da Capital (PCC). Sobre esse grupo, confesso, não tenho nenhuma informação, pois ultimamente anda muito silente. Além disso, não há vazamentos sobre conversas telefônicas gravadas (com ou sem autorização judicial) nas quais afirmem estarem contra a corrupção. Noutras palavras, não sei dizer se o PCC sensibilizou-se com o apelo do juiz Sérgio Moro e do decadente Lobão para que todos fossem às ruas. Quem sabe o PCC possa ter organizado uma "saidinha bate-volta", só para engrossar a passeata contra a Presidenta Dilma Rousseff.
Dito isto, preciso explicar minha confissão. Na verdade, estamos caminhando para uma quase unanimidade, e alguém já disse, salvo engano, Nelson Rodrigues, que toda unanimidade é burra. Quero de forma humilde e singular, quebrar essa unanimidade, pois não faço parte da corja ou cruzada que reverbera o discurso de Eduardo Cunha, Veja, Globo et caterva.
Diferentemente de Cunha e outros, preciso ser réu em razão de meus contrapontos. Aceito a leitura que fazem de mim, como um palmeirense aceita ser chamado de porco. Mas, não faço coro com a horda que citei lá em cima, ainda que eu esteja cansado de ver raposas com a boca cheia de penas negando que comeram as galinhas. Ainda que eu esteja farto da exibição de marcas de batons em cuecas. Mas, não sou eu quem alimenta essa sociedade corrupta de R$ 1,99, dos "pibões", da ganância e nem saúdo meus amigos com tal T.F.A. maçônico.
Esse cruzamento de astros e ou conjunção de fatores, dei de chamar sutilezas e paradoxos da corrupção e fico a pensar como se sentem os cidadãos honestos de País ladeado e fazendo coro com o impoluto Eduardo Cunha. Obviamente, e se esses mesmos cidadãos resolvesse me devolver a pergunta, curiosos por saber como me sinto apoiando àqueles a quem tratam por corruptos?
Eu diria apenas que nunca entendi bem a palavra honestidade na sociedade brasileira e que quando o combate à corrupção for sério, posso me apresentar como voluntário. Pois bem, leitores, foi nesse contexto, de falso combate à corrupção, que resolvi fazer uma nota de rodapé para o juiz Sérgio Moro. Mas, eu esqueci o que ia dizer...
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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