O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo teria razão em muitas das coisas que fala.
Isso desde que vivêssemos num mundo muito, muito menos imperfeito do que é.
Numa terra dos sonhos, a Polícia Federal atuaria sem levar em conta questões políticas. Jamais, para ficar num exemplo, o caso do helicóptero de um amigo de Aécio teria mofado sem investigação mesmo com uma carga de meia tonelada de pasta de cocaína, digna de um Pablo Escobar.
Jamais, também, delegados da Lava Jato fariam campanha por um candidato pelas redes sociais, e nem promoveriam vazamentos brutalmente partidários.
Se a PF fosse republicana, Cardozo poderia ficar com o traseiro na poltrona deixando-a fazer seu trabalho.
Mas não é isto que acontece. A Polícia Federal está claramente empenhada em caçar Lula, Dilma e o PT.
Omitir-se, numa situação dessas, é um crime. E é esse o crime pelo qual Cardozo demorou uma barbaridade para pagar, o que mostra a dificuldade de Dilma de administrar situações complexas.
Você tem que ter um ministro da Justiça forte em circunstâncias tão extremas, alguém que, pelo menos, sirva de contraponto à parcialidade descarada da PF, da Lava Jato e, de uma maneira geral, dos tribunais mais elevados.
Mas como agir olimpicamente quando você tem no SFT um juiz como Gilmar Mendes, que não tem pudor em agir como militante político? Ou quando você tem na Lava Jato um juiz como Moro, que não se peja em posar ao lado de políticos como João Dória e nem em aceitar um prêmio da Globo?
Cardozo simboliza o espetacular erro cometido pelo PT ao chegar ao poder. O partido não fez valer os votos que recebeu para colocar em posições chave pessoas alinhadas com seus projetos.
Lula chegou a nomear tucanos para o STF, como foi o caso do juiz Eros Grau.
Ora, ninguém faz isso em lugar nenhum. É uma história célebre a de Roosevelt, que ficou atormentado pela resistência que sofreu da Suprema Corte para poder colocar em ação o seu New Deal.
Os presidentes republicanos que o antecederam puseram na Suprema Corte juízes conservadores, contrários às premissas do New Deal.
Só com o tempo, e com seus quatro mandatos consecutivos, Roosevelt compôs uma Suprema Corte afinada com suas ideias.
Democracia é assim: os votos dão ao presidente a faculdade de se cercar de pessoas alinhadas com seu pensamento.
FHC compreendia isso, e nomeou alguém como Gilmar Mendes para o STF. Na PF e no Ministério Público, se cercou de pessoas incapazes de fazer qualquer investigação minimamente séria.
Mário Covas, a reserva moral do PSDB, também sabia disso. Covas nomeou para o Tribunal de Contas de SP, quando foi governador, um velho amigo e aliado seu, Robson Marinho.
Ninguém cobrou dele isso. Tempos depois, Marinho seria denunciado pelas autoridades suíças por manter uma conta milionária no país, incompatível com seus rendimentos de integrante do TCE.
Ou o PT reformava essa estrutura arcaica, a melhor alternativa, ou se adaptava a ela.
Não fez nem uma coisa e nem outra.
O desempenho de Cardozo, que se deixou engolir por espertalhões, é um dos preços pagos por essa incrível miopia política.
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