por Maria Cristina Fernandes
Abrealas da deposição da presidente Dilma Rousseff, o PSDB corre o risco de virar empurrador do carro alegórico que o PMDB deve colocar na avenida em maio. Mais um pouco, vai ter que pagar para desfilar.O PSDB abriu interlocução com os movimentos de rua próimpeachment, colocou um ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso para encabeçar a ação levada ao Congresso, operou alguns dos mais decisivos vazamentos da Lava Jato e municiou aliados bem postos em todos os mercados para proclamar a inviabilidade deste governo.Empenhouse pela saída de Dilma quase tanto quanto a UDN pelo fim do varguismo ou do governo João Goulart. Os udenistas perderam a primeira parada para o PSD e a segunda, para a ditadura. Passaram à história como as 'vivandeiras dos quartéis'.O PSDB foi protagonista, em todas as suas divisões, num momento em que pemedebistas ainda tentavam tomar por dentro o governo Dilma. Quando o PMDB viu que só dava para ir por fora, colocou à mesa a possibilidade de Michel Temer, uma vez na Presidência, abrir mão do direito de se recandidatar. Estavam em jogo as ações tucanas para cassar a chapa inteira na justiça eleitoral. Às vésperas do impeachment, pesquisas indicaram que o PSDB, hoje, custaria a voltar ao Palácio do Planalto. Foi a senha para os tucanos, em raro voo conjunto, manifestarem apoio total ao impeachment.Votada a autorização para o Senado julgar Dilma, com a totalidade dos votos do PSDB, o presidente do partido, Aécio Neves, achou por bem anunciar que qualquer participação tucana no governo peemedebista se daria em caráter pessoal. A ausência de aval inibiu o economista Armínio Fraga e enfraqueceu as postulações de José Serra, de longe, o posto tucano mais avançado no Palácio do Jaburu. As ambições do senador paulista, de mimetizar o papel de Fernando Henrique no governo Itamar Franco, começaram a ser bombardeadas dentro e fora do PMDB. "Ele só tem um voto no Congresso, o do Jutahy [Magalhães, deputado do PSDB baiano]", é a senha, na barca cada vez mais larga de Temer, para rechaçar Serra.Foi aí que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso entrou em campo para emplacar o PSDB na Fazenda. Fábio Zanini e Natuza Nery, da 'Folha de S.Paulo', lhe perguntaram o que achava da reeleição de Temer: "Se o povo quiser, não há o que fazer. É bom para o PSDB? Não, o PSDB quer ir direto para o governo, mas se Temer for bom e o Brasil quiser isso...".O expresidente foi franco sobre o DNA de um partido que faz política porque não arrumou outro jeito de mandar. Pareceu empenhado em conseguir, para Serra, um espaço que o senador não teve nem mesmo no seu governo. Mas Fernando Henrique não se restringiu a Serra. Naquela bacia das almas colocou ainda Arminio e Pedro Parente. Ficou claro que Henrique Meirelles ("É mais política monetária que fiscal. Não temos problema cambial neste momento") é o mal a ser evitado.O expresidente do Banco Central não incomoda o PSDB apenas por ter seus próprios projetos políticos, mas porque é capaz de, sem abrir mão deles, angariar a confiança do mercado. Serra é um dos poucos a verbalizar seu desconforto com a decisão do BC de subir os juros em plena crise financeira de 2008. Mas foi no seu último ano à frente do banco que Meirelles deixou clara sua compreensão das injunções políticas de uma autoridade monetária. Naquele 2010 o Brasil cresceria 7,5%, tornando o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva um cabo eleitoral invencível. Críticos de outro naipe se voltaram contra uma política monetária permissiva com o espetáculo do crescimento às custas da inflação que, a partir daquele ano, não mais deixaria mais de subir.A opção por Meirelles não levará Temer a desistir de ter Serra no governo. Mais do que os votos do partido que hoje é a quarta bancada da Câmara, a presença do PSDB empresta um verniz modernizante a um governo que ameaça ser tomado pelo velho PMDB e pelo 'novo centrão'.O vento já soprava para Meirelles na Fazenda quando Serra opinou publicamente sobre a necessidade de acelerar concessões de serviços públicos numa conjuntura em que o Estado não tem capacidade de investir. Uma pasta reforçada de infraestrutura pode ser o oásis de agenda positiva de uma conjuntura em que os investimentos parecem represados pelo dique das expectativas. Parece improvável, no entanto, que o PMDB vá ceder a tucanos o controle de setor que está no DNA da legenda.Sobra a área social, mas a saúde e a educação de um governo que pretende desindexar as rubricas das duas pastas serão a antessala do inferno. Com o terreno minado que hoje lhe oferece o PSDB, talvez o senador paulista não tenha outra alternativa senão apostar em Temer como último trampolim para o Planalto.O vice nem posse tomou e tem entre seus quase ministros, dois presidenciáveis. Para um partido que, nos salões acarpetados onde se fermentou o impeachment, se apresentava como portavoz de uma agenda que só poderia ser implementada por governo nãoeleito, a ambição de futuros integrantes parece surpreendente.Com a rota declinante da inflação e a montanha de dinheiro que entrará em outubro com as multas da repatriação, Michel Temer talvez já consiga fechar aquele alçapão que insistia em se manter aberto no fundo do poço.O enrosco continuará na política. Como o impeachment fez de Eduardo Cunha um vencedor, a chantagem se tornou um método premiado que ganha adeptos e terreno. Em busca de repactuação com o PMDB, o presidente da Câmara se juntou aos partidos do 'novo centrão' para embaçar a pauta de votações. O alvo é o governo que ainda não começou.Ao contrário de Itamar Franco, Temer arrancou o impeachment de um Congresso que lhe ofereceu resistências. Por isso, terá menos liberdade de formar governo que o outro precedente histórico. Ao PSDB não restará outra alternativa senão referendar, na agenda peemedebista, pautas negadas ao governo Dilma. A coabitação fará desta uma tarefa mais difícil do que aquela que cumpriu no governo Itamar. Adquirido a preço de ocasião, não parece lhe restar outra alternativa.
no Valor Econômico