A menos que tenha passado as últimas duas semanas preso em uma caverna e, pior, sem wi-fi ou 3G, também deve estar em dúvida se o governo interino está tirando uma com sua cara, é muito ruim de serviço ou não faz ideia de como administrar o país.
Isso independentemente de você considerar que houve um impeachment embasado em boas razões, um golpe parlamentar descarado ou não fazer ideia do que seja impeachment ou golpe.
O PMDB, livre das amarras democráticas colocadas nos partidos que encabeçam chapas presidenciais eleitas com o voto direto, chegou com uma pauta avassaladora – liberalizante na economia e reacionária nos direitos sociais.
De um lado, isso levou muita gente boa, mas que acredita que o Estado gasta muito e errado, a pensar: "porra, agora vai!''. De outro, organizações e movimentos sociais que atuam na defesa dos direitos fundamentais pensaram "agora, lascou-se tudo''.
Daí veio a escalação de ministros, 100% cueca e branca, que, atendendo às necessidades fisiológicas partidárias mais básicas, ficou longe daquele time de notáveis prometido.
Todo santo dia é alguém falando uma groselha, prometendo e desprometendo o fim do SUS, rebaixando e promovendo a área de Cultura, dando um tom sinistro para a reforma da Previdência e voltando atrás com a grita dos trabalhadores, reunindo-se com ator pornô para umas das primeiras audiências sobre o futuro da educação básica (com todo o respeito aos atores pornôs, mas não é essa sua expertise). A Esplanada dos Ministérios, com raras exceções, é um show. De horrores.
Um aliado de Eduardo Cunha, o proscrito, foi escolhido para ser o líder do governo na Câmara dos Deputados. Gravações com Romero Jucá, Renan Calheiros e José Sarney mostraram as razões que levaram ao Congresso optar pelo impeachment – a possibilidade de conter a Lava Jato. E deixam claro que a corrupção sob a administração do PT não mudará nada sob esta administração do PMDB em conjunto com o PSDB.
Por fim, o Pacto Temer para a economia, colocando a conta da solução da crise no lombo dos mais pobres e livrando os mais ricos de impostos sobre sua renda, capital e patrimônio, tem tudo para aumentar a insatisfação popular e incendiar protestos – mesmo de quem, até agora, viu tudo apenas pela TV. É claro que algo precisa ser feito para resolver a economia. Mas o foi proposto e o que deve vir podem, ao contrário, inviabilizar o país por um longo período.
Ao final dessas duas semanas, o primeiro grupo, que defende um Estado menor, deve ter percebido que talvez Michel não consiga entregar o que prometeu sem uma ruptura violenta e, portanto, incerta. Para além dos erros políticos, há denúncias de corrupção envolvendo membros de sua equipe e a pressão constante de de setores importantes da sociedade que não reconhecem o impeachment e têm medo de retrocessos sociais.
A sociedade brasileira, jornalistas inclusos, não está dando a Michel os 100 dias que normalmente são concedidos a novos governos para arrumarem a casa porque este brotou do outro, também sendo responsável pelas burradas do anterior. Enquanto isso, a imprensa internacional e a comunidade internacional está reticente com relação à nossa situação política, o que levou ao novo chanceler brasileiro ordenar que postos diplomáticos façam a propaganda de que, aqui, se vive democraticamente.
Se um país que precisa fazer isso, algo já deu muito errado.
Sabe aquela reforma em que a gente gasta todo o dinheiro com as paredes da casa e esquece que tem que sobrar algum para gastar na decoração, caso contrário, fica uma droga mesmo assim? Então, o pessoal dedicou-se intensamente a conspirar pelo Palácio do Planalto e, chegando lá, não está sabendo como conduzir o barco.
O presidente interino, que se mostrou capaz nos bastidores, é um orador tão inábil quanto Dilma, apesar das mesóclises, e rivaliza com ela na ausência de carisma. Isso não é um impedimento, mas não ajuda em nada neste momento em que o diálogo constante com a sociedade se faz necessário. E é assustador a facilidade com a qual ele muda de posição após ser pressionado por matérias que saem na imprensa. Para alguns, isso é humildade. Para outros, falta de convicção.
Particularmente, desconfio que seja falta de legitimidade.
Então, se essa dúvida atormentar demais o governo, a saída simples: aceite a convocação de novas eleições.
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