O pacto é possível? Vou arriscar algumas especulações.
No plano interno, o golpe tem três eixos ou grupos: (1) o político/corrupto; (2) o judiciário (com todas as suas heterogeneidades); e (3) o do grupo mercado/grande mídia. Quando falo em grupos, não me refiro a grupos de pessoas claramente demarcados, pois há indivíduos que participam de vários grupos. Penso em conjunto de interesses mais ou menos demarcados.
Por cima deles, o grande jogo geopolítico, que fornece informações e apoio aos três grupos, explora suas contradições, usando-os para obter o controle do pré-sal e eliminação do B dos Brics.
Os interesses e contradições dos três grupos resultaram no golpe, que pareceu, a alguns dos participantes desses grupos, uma saída para superar interesses distintos.
O grupo judiciário parece-me complicado. Ele é fortemente heterogêneo e apresenta feições ideológicas bastante distintas. Os que os une e permite caracterizá-los como grupo é o desejo de um poder que esteja acima da política, que desprezam, e mesmo da democracia, da qual desconfiam.
O grupo político/corrupto luta desesperadamente por sobrevivência. Para tanto, topa qualquer aliança. Acreditou que, cedendo tudo o que o grupo mercado/grande mídia exigia, sobreviveria. Mas, isso exige que o grupo do judiciário seja neutralizado. Sua sobrevivência é, portanto, incompatível com os interesses do grupo do judiciário.
O grupo mercado/grande mídia quer o controle do estado, pois o neoliberalismo, ao contrário do que muitos ainda pensam, não quer o estado mínimo: ele precisa e quer um estado forte a serviço dos seus interesses. Desregulamentação do mercado de trabalho, apropriação do fundo público e das empresas estatais (pontos muito importantes), etc. exigem um estado autoritário, que imponha permanentemente à sociedade o que o mercado quer. Para controlar o estado, esse grupo aceitaria perfeitamente conviver com o grupo político/corrupto, se fosse necessário, desde que este ceda no principal: o controle total da área econômica e as reformas neoliberais. Dos três grupos, este é o mais coeso e coerente.
Para o Brasil, como nação democrática, os três grupos são altamente danosos. Mas o grupo mercado/grande mídia é, inclusive por seus objetivos, coesão e coerência, o mais perigoso.
Executada a primeira fase do golpe, as contradições emergiram. O grupo do judiciário reagiu fortemente, pois percebeu que os seus interesses estavam ameaçados pela aliança dos dois outros grupos. Atacou o ponto mais frágil: o grupo político/corrupto. Vai destruí-lo. É inevitável.
O que vimos na última semana? Uma tentativa clara da mídia de separar as duas faces do governo golpista: a "face boa", ou seja, a turma do mercado; e a face corrupta, que alguns julgam que pode ser mais ou menos descartada. Mas será verdade? O problema é que o grupo mercado/grande mídia não pode prescindir de algum grupo político, e não parece ter algo à mão a não ser o Temer. Cumpre, portanto, protegê-lo (por enquanto), levando-o, na medida do possível, a descartar as figuras mais notórias da corrupção. Enquanto o grupo mercado/grande mídia estiver imune a quaisquer ações do grupo do judiciário e tiver alguns prepostos políticos, ele não tem razões para fazer algum pacto. É claro que o acirramento da crise econômica pode reverter essa situação. É por isso que seria altamente benéfico para a democracia que surgissem denúncias contra o mais forte dos três grupos.
Por que um golpe que envolve interesses tão dispares não foi ainda derrotado? Bem, por um lado, temos a força do grupo mercado/grande mídia. A grande mídia, em particular, convenceu uma classe média desesperada e abobalhada que os interesses desta coincidem com os do mercado. Por outro, a fraqueza da oposição ao golpe. O PT, que poderia em tese organizar a resistência, está em cacos, devido a dois fatores principais: é suscetível aos ataques do grupo jurídico; não consegue articular um discurso claro, pois contra ele pesam as alianças passadas com o grupo do mercado. O que temos, então, é uma resistência corajosa porém difusa de intelectuais, artistas, da juventude, de velhos militantes da luta contra a ditadura, da imprensa alternativa, de algumas figuras expressivas do PT, de partidos pequenos, como o PSOL e de alguns políticos lúcidos porém isolados, como o Roberto Requião.
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