Um caso excepcional, pela variedade de atos criminais reunidos, em operações entre governo e sistema financeiro, e pelo forçado desfecho libertário dado às condenações. Improbidade, falsidade ideológica, desvio de finalidade, associação ilegal, fuga e, claro, corrupção. Mas excepcional não só por isso, senão sobretudo pelo desafio ao argumento do Supremo Tribunal Federal para determinar, na semana passada, a prisão de condenados em segunda instância, ainda que tenham direito a recorrer aos níveis superiores.
A modificação repentina do valor do real, no que ficou conhecido como o "estelionato eleitoral" de Fernando Henrique, ao iniciar seu segundo mandato com um ato contra a tese central da campanha, gerou o célebre escândalo com o Banco Central e os bancos privados Marka e FonteCindam. Como os dois quebravam com o aumento do dólar, o BC vendeu-lhes a preço reduzido uma fortuna da moeda, salvando-os da intervenção e da liquidação.
Não houve como livrar de processo os dirigentes dos dois bancos, embora salvar banqueiros ao custo de bilhões para o Tesouro Nacional fosse parte da peculiar moral do governo. Dirigentes do BC, por sua vez, deixaram rastros de conexões pessoais com os dois bancos, sendo por isso incluídos nos processos.
De 1999 a 2005, investigações múltiplas, processos, julgamentos e recursos não consumiram tempo anormal, considerados os tempos no Judiciário brasileiro. Naquele último ano, obtida uma redução das penas para quatro anos, a defesa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça em busca de mais vantagem. Não a recebeu em razão do recurso. Mas recebeu.
Há pouco, a juíza Ana Paula de Carvalho, ao escavar na jazida judicial dos casos de corrupção em aberto, deu com o processo BC/Marka/FonteCindam. Para só poder aplicar-lhe a prescrição: o processo estava parado no STJ havia 11 anos, quase o triplo dos anos de condenação a serem rejulgados. Os processados do BC e dos bancos privados estão livres sem terem estado presos (com exceção de Salvatore Cacciola, preso preventivamente quando desfilava em Mônaco com sua garupa). Nem sequer devolução de uns trocados: o prejuízo de cerca de US$ 2 bilhões fica, todo, como um legado da feliz associação entre o governo Fernando Henrique e o Judiciário, ainda vigente com outros representantes do PSDB.
O argumento mais forte do Supremo, nos 6 a 5 votos com que estabeleceu a prisão precipitada, foi a dos recursos de defesa como causa da lentidão do Judiciário. Os últimos 11 anos do processo BC/Marka/FonteCindam dão prova inquestionável de que o atraso está antes no Judiciário. Mais que tudo, nas instâncias superiores.
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