Os relatos dos breves viajantes nunca me deram a ideia exata dos lugares onde estiveram. Não exatamente assim, a escritora Clarice Lispector fala da superficialidade dos diagnósticos feitos por muitos depois de curtas temporadas em lugar qualquer. Essa fala tem esse vício e exige reserva do leitor.
A história começa com um motorista de táxi no interior França, onde estive recentemente.
- O Brasil tem novo presidente, disse o motorista.
- Não, não temos. O que existe é um impostor, pois estamos sob um golpe de estado, respondi.
- Parece que sim, está confuso, respondeu...
Achei estranha a politização do chofer. Sobretudo porque, salvo exceções, os taxistas são conservadores e costumam papagaiar frases prontas dos remediados a quem transportam. Não quero dizer com isso que taxistas franceses são ou não são politizados. Aquele pelo menos parecia saber algo sobre o Brasil, além de Neymar e Pelé. E quando eu disse que o presidente é um mal caráter, para minha surpresa usou o termo inglês "smogler" (contrabandista).
Espera ai, pensei. Será que o taxista francês, em Limoges, andou assistindo alguma entrevista de Ciro Gomes? Afinal, é ele quem, sempre precedido de um "todo mundo sabe", especula sobre os "escusos negócios de Michel Temer no Porto de Santos", paraíso do contrabando do Estado. Intrigante, não, leitor? Por que o taxista, depois de saber que só arranho o inglês, usou aquela palavra? Ponto pro Ciro Gomes e o seu "todo mundo sabe", até aquele taxista francês, menos nós, claro!
Não é apenas estranho que o tal chofer tenha lido ou ouvido falar das pretensas falcatruas do presidente golpista. É também estranho que o tal Ciro Gomes nunca tenha sido processado por Temer, Cunha, Aécio... Seria o tal fogo amigo? Seria seria mesmo por ter "costas quentes com Tasso Jereissati? Ou seria mesmo por causa da tal exceção da verdade? Deixo em aberto para o leitor a charada.
O mais estranho, porém, foi saber que na Universidade de Sorbone surgiu um fracassado abaixo-assinado contra o golpe no Brasil. Muitos professores não quiseram assinar, não por serem favoráveis ao golpe, mas sim por entenderem "que o Brasil é assim mesmo". Noutras palavras, o golpe de estado no Brasil só serviu para reforçar a imagem de republiqueta, controlada por uma pretensa elite vira-latas. O golpe só vindo para reforçar essa ideia, insinuou um professor da USP, que participava de um Congresso de Física, na cidade francesa de Limoges.
Não se pretende dizer com isso, que o golpe de estado no Brasil esteja na linha de preocupações do francês comum. Mas, os que sabem tem uma visão estranha sobre o papel do Poder Judiciário no Brasil. Aliás, um sentimento que testemunhei na Suécia, onde os poucos informados indagavam incrédulos: e a Justiça? Mas, como explicar aos suecos que o Judiciário junto com a mídia são pilares do golpe. Daí concluírem que "o Brasil é assim mesmo".
O Brasil está definitivamente desmoralizado. Os tímidos sinais de alegria estão na podridão do mercado, esperando que José Serra apresente alguma pechincha: petroleiras, hidrelétricas, um pedaço do Pantanal ou do Amazonas.
O trabalho feito pelo perseguido ex-presidente Lula de projetar positivamente o Brasil lá fora vem sendo desmontado pelo juiz Sérgio Moro e sua trupe. É sinistra a relação entre criadores de leis e os que as põe em prática. Como diz o jurista Sérgio Sérvulo, é espantosa "a facilidade com que se costuma ignorar o Direito, como se as normas jurídicas fossem descartáveis, mera formalidade". É como se as leis não fossem "os fios invisíveis que sustentam as civilizações", diz ele citando Pontes de Miranda.
O que importa tudo isso para os golpistas? Que importa o que diz o motorista frances, as censuras do Le Monde, The Guardian, Die Zeit, New York Times? Agem como meliantes escrachados por Datenas e Rezendes da vida. Concluindo, mais que nunca precisamos concordar com o professor Mário Sérgio Cortella, quando diz que os 95% de trabalhadores não podem pensar que os 5% de canalhas são invencíveis.
Prestes a terminar esse texto, soube que Sérgio Moro não nomeou o prefeito de Curitiba e que lá, as eleições seguiram a cartilha do golpe. Em São Paulo, sob patrocínio da quadrilha que saqueia São Paulo há mais de vinte anos (com a conivência das polícias, justiças, mídia e legislativo) o novo alcaide é João Dória.
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