O ódio a Lula e ao Partido dos Trabalhadores tinha como característica principal ser inconfessável. Padecia da falta de uma explicação sensata e ou politicamente correta, se é que o ódio comporta esse tipo de explicação. Desse modo, a corrupção institucionalizada, que sempre foi privilégio das classes dominantes, passou a servir de fundamento para que aquilo que não tinha explicação começasse a ter. Aquele sentimento invisível, tão irracional quanto o pretenso asco do Pastor Feliciano contra relação aos homossexuais, encontrou razão de ser.
Os donos do Brasil S/A sempre conviveram de forma cínica com a corrupção, repetindo a bocas miúdas que o país é assim mesmo, que vinha desde os tempos de Pedro Álvares Cabral. Houve até quem tentasse explicar com os relatos sobre a trupe do bispo Pero Vaz Sardinha. Dados históricos dão conta de que escandalizado com a corrupção então vigente, aquele religioso reuniu homens de bem para pedir providências ao rei de Portugal. Quando navegava pelas costas do estado das Alagoas, ocorreu um naufrágio. Os honestos que não morreram afogados teriam sido devorados por índios antropófagos que viviam naquela região.
A corrupção no Brasil tem dimensões escabrosas, caráter cínico, viés fulanizado e partidarizado. Mas é fenômeno mundial e está entre as preocupações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De há muito, a entidade vem condenando o nefasto entendimento de que a corrupção lubrifica economias. Este GGN veiculou, sob o título “Pra não dizer que não falei do Moro”, texto de nossa autoria, no qual, em passant, lembramos as queixas da OCDE no sentido de que até 1998, apenas 14 países entre seus associados negavam a possibilidade que a propina paga em diversos países fosse deduzida do imposto de renda. Aliás, a Alemanha só em 1999 encerrou essa prática em relação ao Brasil.
A propósito, bom lembrar que não obstante a sua posição no ranking mundial da corrupção, o Brasil, mesmo sem fazer parte oficialmente da OCDE, ganhou o status informal de membro pleno, devido ao esforço interno na implantação de leis contra a corrupção, durante os governos Lula/Dilma. Aliás, em 2007, o Brasil chegou a ser convidado, mas continua fora, entre outras razões, por haver perdoado dívidas de países miseráveis como Haiti, Zâmbia, Congo e Tanzânia, fato proibido pela OCDE. O perdão brasileiro decorre de seu engajamento no Clube de Paris, cujo fundamento é ajudar nações em penúria econômica.
O concreto é que no Brasil, a corrupção vem sendo imposta pelo coronelismo eletrônico como fato novo e fora dos limites. O limite aceito, ao que tudo indica, seria o dos casos não investigados e ou arquivados. Leia-se, a elite brasileira aceita a corrupção “com limites”. Desse modo, até o suposto combate à corrupção virou fraude no Brasil e a operação Farsa Jato é um emblemático exemplo. Sua principal estrela é um encantador de idiotas, que escancaradamente apelou aos quatros cantos pelo clamor da imprensa. A ela, a estrela, não se pode atribuir que pessoalmente tenha incorrido em crime, propiciando vazamentos seletivos, criando clima de comoção de forma que o leigo em direito aceitasse qualquer ilegalidade. E a omissão e conivência quanto a isso?
A Farsa Jato segue na ilegalidade, na base do prende para investigar. Recentemente, a revista eletrônica Conjur noticiou que o empresário Apolo Santana Vieira seria preso preventivamente, por ordem do juiz Sérgio Moro, que já tinha até expedido o respectivo mandado. Entretanto, seis dias depois, ao saber que o alvo estaria negociando delação premiada, Moro teria reconsiderado seu ato. Ora, a prisão preventiva pressupõe requisitos legais que, uma vez presentes sobrevivem por si. Não se extinguem de uma hora para outra por simples reavaliação de atos. Há sem dúvida algo errado ou suspeito nisso. É como se a simples intenção de delatar extinguisse os pressupostos legais então existentes.
Seria o caso Vieira mais uma prisão necessária? O que se constata é que até mesmo uma repercussão negativa é capaz de exterminar os requisitos de uma prisão temporária ou preventiva. Aconteceu com Guido Mantega, cuja mulher encontrava-se internada para um tratamento de câncer. Instaurada a comoção social diante da sádica prisão, esta foi imediatamente revogada. Ora, a prisão era ou não era necessária? Desse modo, os casos Vieira e Mantega vêm a se somar à tentativa de prisão ilegal de ex-presidente Lula e as sentenças relâmpagos proferidas em menos de três minutos de que se tem notícia.
Os casos como tais conhecidos autorizam a concluir que o prende pra investigar e ou confessar, para espetacularizar ou politizar não é uma crítica gratuita dos advogados de defesa que vêm oficiando no caso.
E pra não dizer que não falei do Rei Momo, estamos num Carnaval de cinzas antecipadas. A Escola de Samba Unidos de Serra-Obama desfila para um júri comprado e viciado; com financiamento obscuro e enredo dissimulado; bateria desafinada e sem harmonia. Sob o canto de um samba atravessado, é visível o desencontro dentre mestre-sala e porta-bandeira, enquanto o presidente da escola é vaiado, e os coitados formigões de pés descalços empurram o carro do abre-alas!
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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