Vivi cinco anos em uma faculdade privada de Direito. Cinco anos de leis bonitas – nossa Constituição, Santo Deus, é um poema –, professores garantistas e alunos que continuavam repetindo, como cupins de estaca com titica na cabeça, que "bandido bom é bandido morto."
Cinco anos de uma tenra, mas crescente desesperança no meu país (nota: o meu país são as pessoas que o constroem).
A desesperança, ressalte-se, cresce um pouco a cada manchete.
Cresceu bastante hoje, quando li que Claudia Cruz, a esposa de Eduardo Cunha (não vamos esquecer do #SomosTodosEduardoCunha), foi absolvida por Sérgio Moro no processo da Lava Jato em que figurava como ré pelos crimes de lavagem de dinheiro e de evasão fraudulenta de divisas. Não há prova suficiente, argumentou Moro, de que ela teria agido com dolo (vontade de praticar o crime, em juridiquês).
Claudia, a esta altura, está tão bem (ou quase) quanto Marcelinha, a princesa do Palácio do Jaburu, e Ticiana Vilas Boas, esposa do ricaço Joesley, que descansa do escândalo em um apartamento de mais de trinta milhões em Nova York, porque sofrer em território nacional é coisa de pobre. Coisa de Marias.
No mesmo Brasil da absolvição de Claudia Cruz, bastaram os depoimentos dos policiais para a manutenção da prisão de Rafael Braga, aquele manifestante preso em 2013 com uma garrafa de Pinho Sol na mochila.
Nesse mesmo Brasil, o Superior Tribunal de Justiça negou liberdade a Maria, uma mãe de quatro crianças condenada a três anos, dois meses e três dias por furtar ovos de Páscoa e um quilo de peito de frango.
E não adianta espernear: Brasil é lugar onde filho chora e mãe não vê (especialmente se a mãe tiver sofrido um golpe machista, risos).
Temos, aliás, dois Brasis: O Brasil de Claudia Cruz, Ticiana e Marcelinha – que é o Brasil da plutocracia – e o Brasil de Maria, que, queiramos ou não, é o nosso Brasil.
O Brasil de Claudia Cruz é para poucas. Very Important Personal.
Por isso insisto, e insistirei ainda enquanto tiver fôlego, que sororidade sem recortes é história pra boi dormir. Claudia Cruz não sofre as mesmas opressões de Maria, tampouco eu, branca, escritora e mestranda, as sofro.
Perdoem o marxismo barato aparente, mas recorte de classe é necessário, e mais do que necessário, é urgente.
São poucas as Marcelinhas e são muitas as Marias. Maria, que não tem um sobrenome aqui e em lugar nenhum, é apenas mais uma Maria. Somos Marias, todas nós, que usamos transporte público, que lidamos com assédios nas ruas, que lutamos dia após dia para sermos tratadas como gente enquanto Cláudias, Ticianas e Marcelinhas desfrutam da vida de sonhos que só a plutocracia proporciona.
Eu não quero viver em um país de Marias.
Eu quero viver em um país de todas.
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