Via Breno Altman
Não sei quem é o autor. Li esse texto na página de Fernanda Candal. Há fatos e pós-fatos na narrativa, além de uma certa poetização do potencial revolucionário da pobreza, mas raramente se vê algo tão original na discussão sobre o papel dos indivíduos na História, especialmente quando o objeto é o mais longevo dos líderes soviéticos.
"Tu discorda de Stalin? Mermão, então dá poder na mão do pedreiro. Dá uma faixa presidencial pr'aquela empregada que tua mãe demitiu porque quebrou o vaso. Coloca como chefe maior do exército o porteiro da tua faculdade. Vê o que acontece. JOSEPH STALIN É O QUE ACONTECE. Vou te contar o porquê.
Ele era mau mesmo. Desgraçado da cabeça. Ele era sujo. Ele jogava pra ganhar. Não sabia brincar mesmo não. Sabe por quê? Pobre aprende desde cedo que a vida bate doído. E que você, cedo ou tarde, mesmo que seja uma única vez, precisa RESPONDER. Precisa bater mais forte e mais pesado do que a vida. Stalin era o cara que podia dar uma resposta daquela vez, e de uma vez por todas.
E Stalin era do gueto, amigo. Stalin era fodido. Filho de sapateiro com lavadeira. Criado na Geórgia. Já foi em Japeri? Caxias? Capão Redondo? A Geórgia era o Capão Redondo do império czarista, mano. Já te disse que Stalin era um fodido? Sim, sim, Stalin era pobre. Proletário. Proletário com P maiúsculo de pisoteado. Em uma sociedade onde não havia a complexificação da nossa depauperada modernização conservadora no capitalismo tardio. Em uma sociedade onde havia milhares de pessoas e quase nenhum indivíduo. Onde a mão de obra assalariada convivia com a servidão feudal. Uma sociedade que não te dava chance nenhuma. Stalin viveu cada porrada, cada castração moral, cada silenciamento, do velho mundo classista.
Stalin era o produto de milênio sobre milênio da violência eslava. Ele tinha uma dieta muito fitness: comia na mão do czarismo o pão que o Diabo amassou todos os dias. Tu acha que o favelado ouve John Lennon?! Favelado, essa criatura que precisa se humilhar pra um cretino branco muito parecido com esses trotskistas de Facebook pra arranjar emprego, essa criatura que passa quatro horas no trânsito, dez no trampo, com sorte, seis dormindo e duas com a família... Tu acha que uma pessoa que foi pisoteada pela vida, castrada de toda e qualquer possibilidade de desenvolver seus potenciais, vilipendiada pelo Estado, estigmatizada pela sociedade... Tu acha que esses caras vão ser gentis, serenos, tolerantes e capazes de indulgir? Olha a quantidade de vídeo de ladrão sendo linchado na favela, estuprador castrado, etc. A Revolução marxista-leninista é a catarse que liberta das profundidades sujas da alma civilizada essa bestialidade toda.
Stalin era o favelado da Rússia, cara. Cansei de conviver com historiadores de nascimento que viraram eletricistas. Juristas abençoados pelos deuses que viraram pedreiros. Artista plástico que teve que ser operário. Atriz que vai parar no telemerketing. Escritor que morre analfabeto. São pessoas reais essas. Não as inventei, existem. Cansei de ver nessa vida bastarda de subúrbio gente com todo o talento do mundo que teve que desperdiçar suas horas trabalhando pra fazer um burguês lucrar. Amiúde às vistas de um chefe ou capataz, merda qualquer de classe média, provavelmente pai, irmão, tio de trotskista. Stalin queria ser poeta e não conseguiu. Tentou ser padre e não tinha fé. Saiu do seminário para a guerrilha. Da guerrilha foi de soldado raso a general. De general a presidente. De presidente a lenda.
As pessoas falam da Revolução como se fosse uma catarse lírica de sonhos entrelaçados de milhões. 'Sonho que se sonha junto vira realidade'. Não, não. Essa é a superfície que sobra depois da 'estoriografia' romantizar e lavar o sangue das praças. A Revolução é uma facada nas costas, um tiro que estoura a cabeça do pai na frente do filho. A Revolução é uma garganta cortada. Um incêndio que devasta um quarteirão. As revoluções são um teatro trágico de ódio e vilania. Não sejamos ingênuos. Os antigos guerreiros inventaram o Bushidô, a Convenção de Genebra, os Códigos da Cavalaria ou a Ética da Cosa Nostra, a Política de Massas do M26, o Zen dos Guerreiros Shaolin, as Instruções do Tio Hoh aos Vietcongs ou o Gramscianismo de raiz... Tudo isso existe pela força daquele notório aforismo de Romero Jucá: 'Tem que estancar a Sangria'. Uma hora as cabeças vão parar de rolar na guilhotina, a Guarda Vermelha vai voltar pra casa e morar com os pais, Unita e MPLA vão fazer as pazes. Uma hora um dos lados vence ou dá empate. Sejam eles ou a gente. E é a hora da civilização.
Qual rei, imperador, alto-mandatário de nação imperialista iria tolerar sentar à mesa com o pobretão Stalin? Qual intelectual ocidentalizado trotskista iria tolerar ser governado pelo baixo, curvo, escarificado georgiano? Por que os kulaks ucranianos, patriarcas do Holodomor, abririam os silos e distribuiriam comida ao povo? Por Stalin não seria. Ele não tinha espaço para criar ali, entre 1923 e 1947, este grande acordo da paz e do amor geral em sua agenda. Ele tinha que vencer ou morrer. Pra sorte dele, ele não era tão burro como a Cercei do Game of Thrones. Chamam o cara de ditador... Stalin tinha nas suas mãos o poder concentrado de um líder típico de uma sociedade anterior à 3ª Revolução Industrial. Churchil, Getúlio Vargas, Ataturk, Perón... Qual deles não concentrou informação, poder, decisão, formulação em suas políticas? A ideia da democracia como tolerância e expressão é muito nova na vida política do capitalismo. E sempre adotada com grande hipocrisia. Stalin em sua repressão é produto de sua época. Produto da violência e do terror que viveu sua classe. Produto possível do marxismo leninista, que plantou as sementes da censura, do assassinato, do monadismo. Vão ler os livros de Lenin sobre Estado e vejam que ele não era santo também não. Ainda bem que não.
A esquerda defende Stalin? Não. O que mais vi é que na esquerda o chamam de corrupto, louco, babaca, ignorante, privilegiado, etc. Foda-se: Stalin quando morreu só tinha 7 uniformes, um pra cada dia da semana no armário. Seu salário? Ele doava pros amigos de infância. Sua família? Ele optou pela União Soviética. Stalin encarnou com rara austeridade o papel de simbolizar toda uma classe. Austeridade moral, não austeridade miseana. Coisa que textão do Mauro Iasi não tem. Vídeo da Djamila não tem. Musica do Pablo Vittar não tem.
Enfim, eu não defendo Stalin por ser comunista ou de esquerda. O defendo pelo mesmo motivo de eu ser comunista e de esquerda: sou pobre. Devo o dobro do meu salário pro banco, sou um bastardo do cu do mundo, vivendo de aluguel. E me orgulho disso. Stalin era pobre também. E se tem uma coisa que a vida me ensinou é: POBRE NO SUFOCO SE DEFENDE, mermão."
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