Raiou o sol no planalto central do Brasil, por Ronaldo


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E eis que vem o amanhecer.            Amanhecer amargo feito de pura inevitabilidade.
            Não vem da energia que se renova e nos faz por os pés no chão pra um novo dia, onde novas conquistas serão obtidas. Novos horizontes vislumbrados.
            Vem apenas do fato, puro e simples que, para todos que andamos hoje por este mundo, ou o amanhecer espanta a noite, ou estaremos mortos. Os vivos devem enfrentar o sol.
            Paira nos ares desse jovem país, um cheiro de carniça. Aquele comumente encontrado nos lixões das nossas cidades, onde o povo joga, fingindo não ter noção, os dejetos da sua vida. Aquilo que não quer perto. Os restos putrefatos do que deveria ser seu lar, sua comida, seus entes queridos.
            O lixo que a sociedade tira da sala, pois vai contaminar seu lar. Empestear sua família. Espantar seus amigos.
            Aquele que nem mais debaixo do tapete cabe.
            O que não se consegue esconder no latão nos fundos do quintal ou nos porões do edifício.
            Nossa sujeira.
            Queremos longe. Fingindo que se desintegrou no processo.
            Não empesteia mais o nosso ar... Foi empestear mais adiante.
            Por mágica, andamos pelas ruas reclamando do lixo espalhado. Das montanhas de entulho. Como se tudo se produzisse por si. Como se fosse “da natureza” produzir podridão insepulta.
            Impressionante como nos tornamos capazes de ignorar nossa podridão.
            Como aprendemos, de alguma forma, a imaginar que aquilo que nos enoja, vem de fora! Não tem nossa composição. Não é nossa responsabilidade.
            E do lixo que vamos produzindo e acumulando, apodrecem nossos dias.
            Deteriora nossa existência.
            Destrói nosso futuro.
            Colocado no meio da cidade, o lixão apodrece a céu aberto, ponto de encontro de bandos de aves carniceiras e roedores insaciáveis, que da sua natureza, cuidam de ao menos diminuir nossa podridão material. A natureza, por sabedoria, não faz acumular podridão.. Criou seu próprio sistema de reciclagem e reerguimento. A matéria morta, carcomida ou não pela doença, é processada e transformada em nova vida.
            Nós não temos esse limite.
            Não temos consciência da nossa capacidade incontrolável de contaminar, destruir e acumular matéria putrefata. Simplesmente fazemos, mais e mais.. E acumulamos lá, como monumento à nossa estupidez.
            E assim segue a vida nessa nossa sociedade hipócrita, contaminada pelo chorume que escorre daquela montanha de lixo em meio a tudo, de cuja existência reclamamos na roda do bar e na mesa do café, deixando de lado sempre nossa própria responsabilidade pela produção e estocagem.
            Criamos o lixo irresponsavelmente dentro de casa. Dentro de nós mesmos.
            Acumulamos aos montes pelos cantos ou espalhamos pelas ruas, como se fosse natural. Como se fosse sumir...
            Levamos adiante o transporte e a estocagem, concentrando seu poder destrutivo e de contaminação, reclamando dos efeitos de toda essa nojeira, sem pensar que é nossa a paternidade do filho deformado.
            E então, quando a podridão incontrolável desmorona sobre nossas cabeças, num espetáculo vergonhoso de dimensões dantescas, ficamos todos aparvalhados, sentados em nosso sofá, reclamando que a TV deixou de transmitir a novela pra mostrar urubus e ratazanas pegando cada um sua porção de imundície e levar pra toca, onde mais tarde possa consumi-la em paz, longe dos holofotes momentâneos.
            E a massa, ao invés de tirar a bunda do sofá e mudar seu mundo, limpando de verdade a podridão das ruas, praças e principalmente do lixão, fica ávida, aguardando o fim dessa incomodação, sem pensar em sujar as mãos na limpeza e menos ainda, disposta a não produzir mais lixo.
            JOGA ATERRO POR CIMA.. disfarça o cheiro e espanta as câmeras por algum tempo.
            O DIA AMANHECEU!!
            Seguimos podres e infectados.
            Seguimos destruindo sonhos e o futuro de todos...
Mas ele amanheceu.
            Seguimos cegos e inertes ante à nossa própria imundície.
            Mas amanheceu...
            É inevitável para aqueles que estão vivos.
            E, no ar, segue o cheiro de carniça e podridão...