Machado de Assis, Ariano Suassuna e o Ibope
Os brasileiros viveram nos últimos dias em dois mundos paralelos. No planeta oficial, os temas foram a votação que blindou o presidente, a articulação conservadora no Congresso, o leilão entreguista do pré-sal e até a próstata de Temer. Esses assuntos ganharam cobertura intensiva da imprensa familiar. O país parou para acompanhar um balcão de negócios vergonhoso, uma obstrução urinária e dancinhas ridículas.
No país real, que pode ser simbolizado pela caravana de Lula por Minas Gerais, os assuntos foram bem mais relevantes. Os temas foram o corte de verbas para educação, a reforma agrária, os direitos sociais, a desnacionalização dos recursos estratégicos, a preservação ambiental, a supressão de direitos, a convocação de um plebiscito revogatório e a regulação dos meios de comunicação. É claro que sem o mesmo interesse da mídia.
A viagem de Lula, quando chegou aos jornais, foi para receber críticas ou ser avaliada como campanha eleitoral antecipada. Deixando o conteúdo de lado, algumas reportagens gastaram tinta para falar da quantidade de fotógrafos, das equipes de preparação e do formato do palanque. E, na onda persecutória de Temer, foram solertes na deduragem, “entregando” prefeitos e lideranças que apoiaram a caravana em suas cidades com ameaças pouco sutis.
Na lógica dos meios de comunicação, quando o ex-presidente abre a boca é para pedir votos. Já Dória, Bolsonaro, Meirelles, Huck e outros menos cotados podem falar asneiras sem pejo. Têm lugar cativo para apresentar suas ideias eleitorais: ração humana, golpe militar, austeridade à custa de corte de investimentos sociais, financiamento de candidatos aprovados em teste para fascismo, entre tantas outras enormidades.
No fim da semana passada, a pesquisa do Ibope cravou que Lula vencia em todas as simulações para 2018, seguido de Bolsonaro, 20 pontos atrás. Outra enquete revelava que Temer era o pior presidente do mundo e que Aécio se desmilinguia levando com ele os candidatos tucanos. O curioso foi o espanto com os resultados, de resto apresentados com discrição e análises cheias de dedos.
A explicação, na verdade, está na singularidade do país. O escritor Machado de Assis, no século 19, apontava para a divisão entre o Brasil real e o Brasil oficial. O país real existe no dia a dia, cheio de problemas e com gente de verdade. Um povo diverso e criativo. Já o país oficial, que habitava a corte, se espalha hoje a partir de Brasília preocupado apenas em se manter no poder e garantir privilégios. Não é um acaso que se volte a falar em trabalho escravo. Pelo visto, ainda estamos presos no passado.
Ariano Suassuna, outro gênio brasileiro, citava sempre a comparação de Machado de Assis para defender a raiz da autêntica cultura popular. Para o criador de “O auto da Compadecida”, o país oficial era “caricato e burlesco”, incapaz de expressão própria. Já o povo do país real “é bom e revela nossos melhores instintos”. De acordo com o escritor paraibano, quem visita o país oficial vai se deparar com palácios e federações de empresários. Já as caravanas que se dispuserem a conhecer o país real vão encontrar o povo “exilado em favelas e assentamentos”.
Hoje, o que era apenas divisão se tornou esquizofrenia política. Ou seja, um distúrbio de percepção da realidade. Querem que a população acredite que o país oficial é real. Não é. No mundo oficial a economia está crescendo, os empregos voltaram e os deputados representam o interesse popular. No país real, a crise se aprofunda, os programas sociais estão sendo dizimados, a imprensa se tornou um partido e os políticos não falam a língua do povo.
Por isso não é difícil entender o resultado do Ibope. Na hora da pesquisa, os entrevistados escolhem o país real.
João Paulo Cunha - Brasil de Fato
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