Ex-casa de mãe Joana de Fernando Collor, reduto pontual de Fernando Henrique, a PF até tentou, no passado, ajudar José Serra a ser prefeito de São Paulo (1996). Para tanto, a unidade paulista desencadeou uma operação às vésperas das eleições. Conseguiu arrancar do antigo “Diário Popular” uma benevolente manchete: “São Paulo ocorrência zero”. Naquela noite, graças a PF/Serra, o jornal do sangue paulista não conseguiu fazer matérias sobre crimes. Esse é apenas mais um dado do perfil canhestro da PF, ninho de netos e bisnetos da ditadura. Nunca republicana, sempre partidária, com nome e sobrenome, hoje abriga de tucanos, Aecistas arrependidos e, creiam, é reduto de bolsopatas!
As exceções minoritárias são contadas a dedo e precisam ser preservadas, já que a tirania da instituição permanece como marca. As leituras rasas de fatos se fazem presentes em coisas primárias, como a adequação do fato à norma (apontar o crime). Internamente, servidores precisam recorrer à Justiça Federal para poder reparar erros crassos. Neste espaço, denunciamos a punição de um delegado federal por fato inusitado. Num grupo fechado, ao se sentir prejudicado por um “parecer”, indagou: quem foi o “sujeito” que escreveu isso? Pasmem! Foi punido pelo uso do termo “sujeito” contra um delegado, erro só reparado recentemente, conforme noticiado no site Conjur (“Juiz anula PAD contra delegado por críticas em grupo fechado do Facebook”).
Para que se tenha ideia, o blogueiro Marcelo Auler permanece censurado (em plena democracia), por veicular matéria sobre o grampo ilegal encontrado nas dependências da Polícia Federal (República Independente de Curitiba - RIP). Em matéria recente veiculada pela Folha, o preso que descobriu a escuta ambiental diz que pessoas ligadas à Farsa Jato teriam estado apurando o fato. Seria como a Globo investigando a si mesmo. Oficiantes daquela “operação” estariam entre os suspeitos. Mas, se o leitor acha pouco essa anomalia, registro existir uma interminável sindicância contra um delegado por causa de uma bandeira do PT em sua sala. Já os oficiantes da Farsa Jato, que impunemente fizeram campanha política pró-Aécio, não foram molestados. O que fez tiro ao alvo com a imagem do rosto da Presidenta Dilma foi simbolicamente punido, Primeiro, porém, foi promovido. Se punido antes, não o seria.
Com esse quadro, é possível entender as técnicas de interpretações, que parecem, até prova em contrário, serem regra dentro daquela repartição pública. É, aliás, uma instituição que, como dito na semana passada, neste GGN, envelheceu precocemente.
Sem prejuízo de ter sua imagem associada a golpes de estado, poucos trabalhos de sua iniciativa ela tem a PF para apresentar. Sim, embora o número de operações seja significativamente maior em relação aos “saudosos tempos do Brasil sem PT”, é irrisório e se dilui no universo dos milhares inquéritos que claudicam na instituição.
A grande maioria dos inquéritos que precariamente tramita na PF é fruto de sindicâncias e expedientes administrativos oriundos de órgãos como Caixa Econômica Federal, INSS, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Receita Federal, Justiça do trabalho, entre outros. Leia-se, precariamente, mas com o acompanhamento do Ministério Público Federal e apreciação final, quando ocorre, da Justiça Federal. São incontáveis os fadados ao arquivamento, todos de uma forma ou de outro, sob os olhos de arautos da moralidade. Todos, de uma forma ou de outra, sob os olhos de quem parece ter o afã de se sobrepor à soberania popular.
Ao chegar nesse ponto, creio ter fugido de abstrações e mergulhado no campo prático para entrar objetivamente no tema-título da conversa de hoje. Afinal, foi de dentro desse universo, carregado de pessoas com aquele perfil, que o Partido dos Trabalhadores teve que “escolher” pessoas para gerir a coisa pública sob sua perspectiva programática. Insisto. É um perfil de servidor público corporativista, em grande parte comprometido com seus próprios interesses, que patrocina ou patrocinou, convive ou conviveu, se omite ou se omitiu diante do panorama acima descrito.
Assim exposto, a pergunta é: as escolhas de Lula/Dilma poderiam ser diferentes? Como extrair, por exemplo, desse quadro, de perfil conservador, historicamente ligado à ditadura e que hoje flerta com a bolsopatia, alguém afinado com seu programa de governo? O questionamento decorre do fato de, aqui ali, desavisados (de direita e esquerda) criticarem as escolhas daqueles dois presidentes em suas respectivas gestões. A direita, quando os trata como “escolhidos do petê”. A esquerda, quando ensaia o delírio da revolução sem povo, em aparente distanciamento entre o ideal e o possível.
Não sou do PT e menos ainda estrategista. A ambos segue a pergunta: como se constroem candidatos a cargos ou como são abertos os caminhos para que eles próprios se ofereçam? Tráficos de influência, jogo de interesses políticos e ou econômicos. Soa impróprio falar de juízes ou indicados noutras funções, como se fossem uma efetiva livre escolha. Mesmo que tivessem ou tenham residual empatia com a causa social, que poderes teriam como estranhos no ninho? Conseguiriam converter subordinados a uma nova linha de trabalho sem trilhar pela tirania ou ilegalidade? Como desviá-los de sua formação ideário classe média? Como arrancar deles o elitismo e a arrogância? Como fazê-lo, por exemplo, dentro de uma classe que, movida pelo moralismo de ocasião, é a mesma que ameaça greve por auxílio moradia, num país de milhares de sem teto? Como fazê-lo num país de sem teto no qual um procurador da República se beneficia de um projeto voltado à baixa renda? Como fazê-lo se, mesmo com o desmascaramento do golpe, “com o supremo e tudo”, a maioria desse plantel não tira os olhos do próprio umbigo?
Volto à Polícia Federal. Qual o grau de afinidade do senador Romeu Tuma com a esquerda? Nenhuma. Mas foi do gabinete dele que Lula tirou o primeiro diretor-geral da PF de sua gestão. Qualificação técnica à parte, não escapou de pesadas críticas.
Sob a perspectiva do conflito do ideal e do possível, talvez seja possível entender o viés contraditório do processo no qual se deram as “desindicações” e ou “desescolhas” do PT. Tudo, porém, muito longe de desqualificar a habilidade e capacidade conciliadora do ex-presidente Lula, na mediação dos extremos. Às esquerdas e estrategistas, fica no ar o convite à reflexão.
Armando Rodrigues Coelho Neto - jornalista e advogado, delegado aposentado na Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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