Soa inacreditável, a quem considera Ciro Gomes um dos baluartes do combate ao golpismo no Brasil, sua entrevista à revista Carta Capital. Trechos da conversa já estão disponíveis na rede. Em alto e bom som.
Como de costume, Ciro Gomes deixa de lado meias-palavras: a candidatura Lula é uma fraude, o PT armou uma grande farsa para enganar a população, pois sabe que Lula não pode ser candidato. Qualquer pessoa medianamente informada sabe disso, conclui ele.
Estarrecedor. Tanto quanto o argumento esgrimido em seguida. Para Ciro, a culpa disso é do próprio PT, que impulsionou a aprovação da lei da ficha limpa. Agora degusta o próprio veneno.
Um porta-voz da direita feroz não faria melhor. O problema é que Ciro sempre se apresentou como soldado da fileira oposta à da quadrilha do Jaburu. Aparentemente, deu meia-volta, ou mais uma volta, embora tente manter a imagem de redentor do país.
Seus novos argumentos não param de pé, sob o ponto de vista das forças progressistas. O primeiro ponto, e de longe o mais importante, que Ciro minimiza ou simplesmente ignora: antes de se falar de ficha limpa, o fato crucial é que Lula foi condenado de modo farsesco, sem provas, sem evidências, sem documentos nem atos determinados.
O processo de Lula se assemelha a casos históricos de fraudes jurídicas, como o célebre caso dos Irmãos Naves no final da década de 30. Para quem não se lembra, os irmãos Naves foram torturados e seviciados até o limite do insuportável nos porões policiais para confessarem a morte de Benedito Pereira Caetano, cujo cadáver nunca aparecera. Anos depois, Benedito apareceu vivinho da silva, naquilo que passou a ser considerado um dos maiores erros judiciários da história nacional.
Guardadas as proporções e com as devidas adaptações, Lula é vítima de uma armação de natureza parecida. Está na cadeia por um crime sem cadáver. O cadáver, neste caso, seria o tal tríplex do Guarujá. Mas assim como os irmãos Naves nunca mataram Benedito, Lula nunca possuiu tal apartamento.
Por isso foi montada uma farsa jurídica monstruosa, a lembrar sumariamente: o próprio Moro reconhece que o caso não tem a ver com a Petrobras (portanto nem deveria estar na jurisdição dele); não há um documento comprovando a posse do imóvel por Lula; não se identificou nenhum ato administrativo, conta bancária ou dinheiro aqui ou lá fora como pagamento da propina imaginária. Nada.
Restou apenas a delação premiada de um empreiteiro ameaçado de mofar na cadeia caso não incriminasse Lula, conforme fizera em sucessivas delações anteriores. Foi essa a base da condenação. Voltando ao paralelo histórico, Léo Pinheiro, no processo Lula, fez as vezes de Orcalino da Costa, o amigo de Benedito que sugeriu que os responsáveis pelo desaparecimento da suposta vítima eram os irmãos Naves. Por conveniência, o delegado preferiu acreditar nele contra todas as evidências. Tal qual o juizeco Moro dos dias de hoje. Ignorar esse enredo, ou reduzir isto a um detalhe, como faz Ciro Gomes, é um descalabro completo.
Tudo isso antecede a aplicação ou não da lei da ficha limpa. Pode-se discutir à exaustão se ela é certa ou errada, se foi oportuna, demagógica. Mas o fato MAIOR é que Lula é inocente. É isso que garante ao ex-presidente, aos olhos do Brasil, a preferência esmagadora nas intenções de voto e move milhares e milhares de pessoas pelo país e pelo mundo em defesa da sua candidatura.
O combate não escolhe trincheiras. A relação de forças do momento exige também que se explorem, ao lado da mobilização de massa, os recursos jurídicos que a própria lei da ficha limpa abre para impor a candidatura Lula. É um dos fronts da guerra em curso. Desprezá-lo de antemão é entregar a cabeça de Lula de bandeja aos algozes. Espanta que Ciro Gomes se curve sem combate diante de usurpadores adeptos do império da ilegalidade. E transfira para o PT, organizações populares e democratas em geral a pecha de fraudadores que vale para os conspiradores que no Executivo, Legislativo, Judiciário, mídia –todos a soldo do grande capital—avançam sobre a soberania do povo e arruinam o Brasil.
Ciro surpreende novamente. E novamente para pior.
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Publicado originalmente no Conversa Afiada, site do jornalista Paulo Henrique Amorim (que aparentemente apoia Ciro, ou não mais?)...Saberemos em breve.
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