É uma ousadia tímida para fugir da raquítica militância de sofá. Algo como para amainar a estúpida pregação para convertidos, fugir da cômoda e ao mesmo tempo incômoda posição de falar com quem concorda comigo. Não raro, interlocutores cúmplices que se alimentam das mesmas fontes de informação. Esse fenômeno, aliás, se repete nas redes sociais, onde militantes bloqueiam opositores para não ter debate, ainda que o debate propriamente dito esteja reduzido ao falso moralismo. Parte da militância tropeça no que dei de chamar “eu me amo e sou correspondido”, na ilusão do exercício da resistência, ainda que calculada e consentida pela engenharia do golpe. Resistência tratada por mimimi, na base do: “aceita que dói menos”.
Quando uso meu boton “Lula Livre”, sinto a sensação de dar visibilidade ao meu resistir, fora de meu espectro. E fico feliz quando alguém na rua, sem me conhecer, esboça um sorriso cúmplice e arrisca um “é isso aí”, pisca o olho e gesticula positivamente o polegar. Gente descuidada que pergunta se Lula já está ou vai ser solto. Pessoas simples que implicitamente vê Lula até como o “bom ladrão” e diz: “com tanto ladrão ruim solto...”. Há pouco tempo, uma senhora descuidada comentou: “Esses juízes não estão doidos não, meu senhor?”. Converso rapidamente, deu muxoxos, e até desdenhou de Sejumoro: “esse juiz não tá no esquema, não?”. Reagi com um silêncio cúmplice...
Eis que num mercadinho próximo de minha casa, a operadora da caixa pergunta se Lula foi solto. Ainda não, respondi cinicamente, talvez seja uma questão de tempo. Quem sabe antes das eleições, né? Discreta, olhou para os lados e meio que escondido por baixo da gaveta, fez um gesto de positivo.
No mesmo estabelecimento, em dia diferente, uma outra perguntou: “É verdade que Lula pode ser candidato? Ouvi no rádio hoje cedo que sim...” Estranho, né? Como fica se ele ganhar? Em situações como essas, melhor explicar que Lula foi condenado sem provas e não poderia estar preso...
Incrédula, ela contra-argumenta. Mesmo os “grandões” do outro tribunal tendo condenado também? Diz numa implícita referência aos justiceiros do TRF4. Como a fila anda, respondo apenas que meu boton Lula Livre é para provocar conversa com pessoas inteligentes... Quem sabe a gente foge das “mentiras da Globo”. Saí sob o olhar interrogativo da jovem e um certo olhar de desprezo do cliente seguinte.. Refleti sobre a engenharia social do golpe, os papeis da mídia, dos factoides e escândalos fabricados e no hediondo papel do Judiciário.
O mercadinho não foi episódio isolado. Num sábado à noite, em frente a um bar da região central de São Paulo, assisti pela enésima vez o constrangedor espetáculo de violência da PM paulista contra camelôs que arriscam vender cervejas nas ruas. Sempre fico perplexo com o aparato: tático móvel, caminhões baús, fiscais disso e daquilo, acompanhados pela trupe da Guarda Civil. Os camelôs fogem com seus carrinhos de mão, quase atropelando os frequentadores da área. De repente, do meu lado, ouço policial feminina dizer: “Perdeu, playboy!”’ Parecia que havia capturado a presa do século, usando a expressão chula.
A abordagem virou confusão. “Não sou ladrão, tenho nota, sou trabalhador”, disse o camelô. “Perdeu, playboy!”, disse a policial com uma empáfia, que mais lembrava um assalto do que uma operação policial. Não me contive: “Meu Deus! Pobre destruindo pobre”. Um dos PMs começou a filmar, com enfoque em mim. “O que o senhor faz aqui?”, pergunta um policial. “Eu só vim aqui dizer que os senhores também são pobres”. A conversa embolou, eu me limitei a repetir a expressão: “pobres, os senhores são pobres”! Irritado, um deles disse: “Por acaso é rico?” Eu também sou pobre e estou aqui para lembrar que os senhores são pobres. Ameaçadora, a policial engatilhou o fuzil sem apontar, tentando me assustar com o barulho do engatilhar. “Eu sei que a senhora não vai atirar em mim...!
Eis que o policial ao lado do que filmava olha para mim e diz: “Olha pra aí, olha pra isso... se mete onde não é chamado e ainda defende condenado...”, diz apontando meu boton “Lula Livre”.
- Condenado por quem? Por um bando de juízes corruptos?
Virou um diálogo áspero e estéril que poderia se voltar contra mim. Tive pressa em encerrar: “Eu vou embora. Eu só queria lembrar que os senhores são pobres”. Sai repetindo, pobre, pobre, pobre...
Não sei se naquela noite dormiram pensando na palavra pobre repetida com ênfase e insistência. Queria que fossem pra casa se perguntando: “Por que ele insistiu tanto chamando a gente de pobre?”. Em mim, ficou o olhar de desprezo do policial branco, cara de almofadinha e o desprezo pelo meu boton Lula Livre.
PMs à parte, um dia desses registrei a reação do empregado de um pet shop, ao constatar meu boton. “Nossa! Justo esse?”. Sim, respondi. Não acha incrível que o melhor presidente da história do Brasil esteja preso sem provas? E que um bando de ladrões com apartamentos e malas cheios de dinheiro, contas na Suíça, gravações comprometedoras esteja solto? Dalí sobrou apenas o olhar pensativo do lavador de cães.
Também na região central, o dono de um empório, sabendo que sou delegado federal aposentado, perguntou “o que é isso?”. Aproveitei para lembrar que a presidenta Dilma sancionou todas as leis moralizadoras do país, foi afastada por bandidos e o STF se calou. Qual o crime dela? Lembrei também que quem mais deu recursos para a Polícia Federal está preso dentro dela, numa sede que ele próprio mandou construir...
Estava em dúvida se escreveria um texto intitulado “Registros aleatórios sobre meu boton Lula Livre”. Titubeei. Mas, ao desembarcar no Aeroporto de Ezeiza, em Buenos Aires, resolvi a questão. Um funcionário do Serviço de Migração saiu de seu guichê e disse: “Senhor. Permita-me felicitá-lo”. Antes que perguntasse por quê, apontou meu boton, e sorridente, disse: “Ele vai ser presidente de novo...”
Como Lula hoje é uma ideia, e Haddad é Lula...
Armando Rodrigues Coelho Neto - advogado e jornalistas, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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