O candidato Jair Bolsonaro diz que seu "objetivo é fazer Brasil como era 40, 50 anos atrás".
Tenho 60, sinto-me habilitado a falar do que o Brasil era.
Como ele se referiu à segurança pública, deixo de falar na economia, o que seria uma comparação evidentemente covarde. Ou na educação, quando tínhamos um terço da população analfabeta.
Para começar, era menos da metade do que é hoje: 100 milhões de pessoas, metade dela nas áreas urbana.
Hoje somos 210 milhões, perto de 90% urbanizados.
As cidades brasileiras, onde o problema da segurança é manifesto têm, portanto, quase 190 milhões de pessoas, contra os 50 milhões de então.
Mesmo com um quarto das pessoas que temos nas cidades, a vida era risonha e franca?
Eu morava no subúrbio da Central do Brasil, num bairro próximo ao Méier, o Lins de Vasconcellos e perto de um conjunto do BNH.
Já havia, ali, os espaços "interditados": a Cachoeirinha (uma das favelas do hoje chamado Complexo do Lins), a "Barreira", parte alta do conjunto do BNH, a Rua Araújo Leitão, uma ladeira "tobogã" que dava acesso ao Engenho Novo e mesmo a parte alta da Rua Cabuçu.
Minha família se espalhava por áreas mais distantes. O IAPI de Realengo, a Vila Valqueire, Nova Iguaçu. Nenhum deles mais merecia o nome de "lugar tranquilo".
Comigo, foram três os assaltos, dois de trocados e um do relógio Seiko, provavelmente falso,comprado com as economias suadas de adolescente.
Lugar tranquilo, quando muito, era ainda a roça – minhas raízes, na bucólica Conservatória – e a Zona Sul, como agora, muito bem policiada.
Os casos policiais brutais se sucediam: a morte a facadas, na cela,de Lúcio Flávio Villar Lírio , um dos mais famosos marginais da crônica policial, o fuzilamento com oito tiros do ex-policial Mariel Mariscott, integrante do Esquadrão da Morte e outros, e outros, e outros.
Lá minha vila de subúrbio, o amigo Afrânio tomou um tiro de "22", bala pequena e perversa, por esboçar reação a um assalto.
Aliás, bandidos e grupos de extermínio atemorizavam e escandalizavam a classe média, como você vê nas capas da Veja, em plena ditadura.
Esta é a realidade daqueles tempos, onde está a raiz dos tempos que vivemos hoje.
Mas criou-se o mito do passado paradisíaco, que, embora os fatos neguem, aloja-se no cérebro de quem não o viveu e na amnésia de quem viveu mas, com a idade, refugia-se num mundo idílico que nunca existiu.
Só o que há de real é que temos mais promiscuidade entre polícia e crime, porque ambos vivem uma relação simbiótica de dinheiro e poder, porque quanto mais de um, mais do outro.
Avançando um pouco mais na "máquina do tempo" sugerida por Bolsonaro, tivemos a promessa de "acabar com a violência em seis meses" de Moreira Franco no Rio, que dispensa comentários. E as "intervenções militares", aqui, a partir de 1994 – há mais de uma geração, portanto – que deram, sem exceção, em nada. Ou, pior que em nada, em agravamento da situação.
O que está sendo "vendido" à população, atormentada por anos a fio em que só vê violência e corrupção é que isso vai ser resolvido por mais violência e por novos corruptos.
A realidade, porém, não cessa de brotar e logo rompe a casca da propaganda.
A demagogia fascista é isso, a venda de uma ilusão que troca a civilização pela selvageria.
Contra ela, sustentemos a civilização.
Os poetas têm sempre razão e um deles já disse: "o tempo não para".
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