O homem é fascinado pelo desconhecido.
A paixão do homem pelo que não conhece remonta todos os princípios.
É impressionante!
Quase sempre, o desconhecido fica ao fundo, no fundo.
O desconhecido mora longe. Pode - ou não - às vezes está distante.
Remotamente.
Como Europa.
Não o continente.
Falo da Europa, uma das 79 luas de Júpiter.
Júpiter é o maior planeta do sistema solar, separado por incríveis 628.800.000 quilômetros do nosso Planeta.
É no "ventre" de Europa que dorme um esplêndido oceano no fundo de uma crosta de gelo.
Daí que o homem, delirantemente "viaja" pelas lonjuras de Europa.
Quem vê, é capaz de imaginar que o fato de ter avistado a inexplorada lua de Júpiter tivesse sacramentado a sede de descoberta do insaciável homem, pondo nela um ponto final.
Com a nossa Lua, que tem um guerreiro por inquilino, também foi suscitada a ideia de que, ao ocupá-la, a humanidade atingira seus limites.
Afinal, falou-se que o céu era o limite. E eu quase acreditei que era.
Não era. Pelo menos não o único limite. Ou até poderia ter sido.
Não é mais!
O foco agora tem mais profundidade e é bem mais desconhecido ainda.
O limite agora é o fundo, máximo, absoluto e literal.
Do mar.
Conhecer as abissais distâncias fincadas nas crateras oceânicas onde abunda a estupidez de uma escuridão só comparada ao negrume do céu que encobre Netuno.
Para chegar lá é necessário escalar um Monte Everest de cabeça para baixo e descer 8,850 quilômetros até os confins de uma fenda feita na rocha.
A rachadura de Marianas, situada ao sul do Oceano Pacífico, com 70 quilômetros de largura e outros 2.500 de extensão.
A Crônica da Semana propora-se na sua nascente, explorar outro universo, que não o espacial ou sideral, nem o marinho ou oceânico.
Não que isso não seja apaixonante, mas este fazedor de crônica sonhou em descortinar os mistérios de uma terra onde até aqui ninguém conseguiu ainda pisar. Um lugar cujo fundo é misteriosamente desconhecido.
Que lugar é esse e saber se verdadeiramente existe e, existindo, em que parte do universo está localizado é – parafraseando os poetas – mister para escritores, médicos, advogados, filósofos e cientistas...
�Eureka!
Esse lugar é o coração!
Mais do que as crateras abissais do mar e as inimagináveis galáxias e sistemas solares de sóis distantes e desconhecidos, há sim, um mundo – um mundo em mim, chamado coração – que é só meu e somente a mim cabe explorar o seu inacessível território, o terreno solitário das minhas emoções, das minhas forças e das minhas virtudes, dos meus vícios e dos meus defeitos.
A mim e somente a mim foi reservado o direito de imergir em mim mesmo e de expressar o que sou em essência.
Porque o meu coração é, a depender da minha disponibilidade e decisão, um habitat de indecifrável mistério pessoal.
Eu sempre tive a percepção de que, se existe um lugar que ninguém conhece, esse lugar não é a rachadura de Marinas nem as depressões lunares ou coisa do tipo. O lugar menos explorado e mais desconhecido é, sem dúvida, o coração.
Estou convencido de que o fundo mais fundo é o fundo do coração.
Meu coração é um lugar que só eu posso conhecer, que só eu posso dizer à humanidade como é.
Nós podemos até amar algo ou alguém, afinal, disseram que só amamos o que conhecemos, talquey?
Todavia, eu sinto informar que, a despeito de toda evolução filosófica e científica, o homem segue sendo incapaz de detectar o que se passa no íntimo de uma pessoa – da que ele mama, inclusive.
O coração é um lugar fabuloso e controverso, misterioso e apaixonante em cujas "terras" ninguém jamais ousou botar os pés.
Não há quem o conheça.
Ainda que nós estejamos juntos no ônibus e na mesma poltrona, dividindo a mesma sala no trabalho.
Eu não te conhecerei nem nada poderei conjecturar em pensamento ainda que a partir de tuas reações mais naturais.
Não importa que chores comigo ou agracie-me com o teu melhor sorriso... Seja tu voluntária, espontânea ou coagida... é-me absolutamente impossível a certeza de que é aquilo que se passa no teu interior.
Sendo que, se ninguém mais pode sentir por nós, que não haja quem possa falar as palavras que estão na nossa boca, é mais que uma necessidade, é um dever, uma questão de honra dos outros saber quem somos.
Há quem pressuponha ser nossa obrigação – nós podemos e devemos – dizer ao mundo a que viemos. É nossa obrigação moral, isso!
A gente sempre pode dizer algo distinto daquilo que realmente pensa, sente ou crê o coração. Você deve saber.
Enquanto cientistas criam lentes espetaculares para capturar vistas espetacularmente distantes no Cosmo e inventam cápsulas marinhas para "ancorar" no ponto mais profundo da Terra, um mundo imenso e pulsante espera ser explorado do lado de dentro de nós.
Aqui dentro do peito.
A Ciência e até a ficção científica, esta talvez em maior escala, tem se voltado para outros fundos que não o do coração, mas o dos oceanos, por exemplo.
Faz tempo que se percebe que o fundo dos mares forma um ambiente nada inóspito com uma biodiversidade no mínimo igual à da terra.
A estimativa é de 10 a 100 milhões o total de espécies submarinas que vivem no anonimato do fundo dos mares.
Só para efeito de comparação, o fundo dom mar é tão desconhecido que de cada seis pessoas que pisaram na Lua, apenas uma o visitou.
Vejam vocês, quanta ignorância, a nossa!
Que a Lua é uma rocha coberta de poeira composta de ferro em seu núcleo. Que a Lua reflete a luz do Sol. Sabemos!
Que Europa é uma lua – um satélite que gravita ao redor de Júpiter. Que Europa é uma rocha grávida de um mar ultra gelado. Sabemos!
Que 71% da terra é coberta por água. Sabemos!
Que quase toda superfície marinha está mergulhada em águas abissais, a mais de 3 mil metros de profundidade. Sabemos!
Que cerca de 95% do fundo dos oceanos nunca foi tocado pelo homem. E que menos de 1% foi pesquisado biologicamente. Sabemos!
Que o último buraco negro fotografado foi chamado de "monstro" pelos cientistas, mede cerca de 50 milhões de anos-luz da Terra e tem 40 bilhões de quilômetros de diâmetro – o que dá mais ou menos 3 milhões de vezes o tamanho de nosso planeta. Sabemos!
Sabemos de quase tudo, né mesmo?
Ainda que de muito, saibamos tão pouco, ainda.
Pena que – se é que não devamos festejar tal fato – pena que do coração do outro não saibamos quase nada.
Se é que isto seja verdade, acalma aí o teu coração e mantém no buraco negro do peito os teus mistérios e segredos.
O coração é e haverá de ser por outros incontáveis anos, o que sempre foi:
Um lugar desconhecido.
(OrlandoDeSouza)
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