Eu não consegui terminar de assistir a Democracia em vertigem. Estava a menos de uma hora do documentário e me senti nauseada, em angústia profunda.
O que me desestruturou tanto? Essa pergunta ecoa na minha cabeça enquanto escrevo. Penso numa questão sobre a qual me debato faz tempo: a saída de Dilma Rousseff. Como é possível um teatro dos horrores, como o vivido por essa mulher, sem retratação?
O que me desestruturou tanto? A articulação da narrativa, empreendida inicialmente pelo PSDB, em cuja cabeça estava Aécio Neves, jogou alto e colocou o país nas mãos do ódio e do justiceiro Moro. Lembro-me da frase do Aécio, depois de comemorar uma vitória que não se confirmou: "a gente vai fazer ela (Dilma) sangrar como um porco." Essa imagem povoou alguns de meus pesadelos. (Desde esse dia, em 2014, é PROIBIDO ligar a TV na Globo aqui em casa).
Minha tristeza vem do real in loco do documentário, ao lado da escolha da condução da narrativa. A diretora fala do Brasil e de si mesma. A história da democratização pós-ditadura e a história da Petra se confundem e se implicam. São contemporâneas, acreditavam-se irmãs; e se reconhecem, se estranham e se afastam. Nunca foi tão difícil digerir uma metonímia, tecida com sensibilidade e acidez, realismo e recusa a abrir mão de sonhar.
Não sei. Estou muito movida. Não terminei a tarefa. De alguma forma, ouço Regina Dalcastagnè dizer que ainda não tinha conseguido ver; leio mensagem de um colega dizendo que chorou diante da dureza desse real, tão conhecido por nós, tão íntimo, e nem por isso menos duro.
A eleição de JB instalou a barbárie institucional entre nós. Não que não fôssemos bárbaros antes; nunca fomos o povo gentil idealizado por Gilberto Freyre, mas tínhamos pudores em revelar a nossa violência.
Os números revelam desemprego galopante, economia desestabilizada, desprestígio do país no âmbito internacional, linchamento público de educadores, e ausência total de responsabilidade do Estado Brasileiro nessas questões tão graves.
Será preciso muita luta e muita esperança para lidar com esse desmonte. A crise sempre teve CEP previsto para descarregar seus contingenciamentos. E hoje eu só consigo chorar. Às vezes, é preciso parar para recuperar o fôlego e reelaborar o sentido de esperança freiriano: aquele sentimento que nos leva rumo à utopia; que, ao contrário de estagnar-nos à espera de salvação, nos convoca à busca das condições para sobreviver.
Por enquanto, eu olho a lua. Preciso (precisamos) sobreviver à queda, levantar e andar. Como Jó Joaquim: com persistência, sem insistência.
Ana Crelia Dias, professora da Faculdade de Letras da UFRJ
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