Partindo de Amã, na Jordânia, fui de carro até Bagdá semanas antes do Choque e Espanto.
Uma das coisas que mais me surpreenderam na viagem foi uma visita a um museu da guerra Irã-Iraque (1980-1988), uma das mais brutais registradas na História.
Ah, àquela altura Saddam Hussein era o darling do Ocidente. O mocinho. O satanás era o aiatolá Khomeini.
Saddam foi usado pelo Ocidente para "punir" a revolução xiita.
Ele quase perdeu a guerra incitada pelos aliados ocidentais.
Washington teve de compartilhar inteligência com Saddam para que ele reagisse eficazmente às ondas gigantescas de infantaria do Irã.
Saddam usou armas químicas contra os iranianos -- e não houve uma lágrima sequer derramada na TV.
Saddam podia tudo, era amigo do Ocidente.
Visitando o museu em Bagdá, quando Saddam já era o demônio da vez, eu fiquei surpreso com a magnitude da construção.
Era um dos vários abrigos anti-aéreos que o Saddam mandou construir, coisa de primeiro mundo.
Toda a tecnologia ele havia comprado... da Alemanha. Mísseis Exocet ele comprara da França e utilizou contra a marinha do Irã. Bilhões foram torrados com armas dos Estados Unidos.
Eu fiquei mais impressionado com os equipamentos vindos da Alemanha -- elevadores Siemens -- do que com o míssil não detonado, lançado pelo Irã, que estava encravado no topo do abrigo transformado em museu.
Fast forward para quando Saddam decidiu invadir o Kuwait.
Ele reuniu-se com o embaixador dos Estados Unidos no Iraque e considerou ter recebido luz verde para avançar.
É algo que jamais confirmaremos, mas uma das suposições é que Bush pai, o presidente dos EUA então, precisava de uma guerra para ganhar antes de tentar a reeleição.
Teria preparado uma armadilha para o Saddam.
Invadido o Kuwait, Bush pai tinha afinal sua guerra para provar que não era wimp, fracote, um adjetivo que acompanhou toda sua carreira política, especialmente tendo sido indicado e eleito pelo antecessor, o caubói Ronald Reagan.
Bush expulsou Saddam do Kuwait, mas nem assim conquistou a reeleição.
Dois aspectos eu gostaria de destacar aqui.
Primeiro, é que o Ocidente usa títeres à vontade e depois os descarta sem dó. Foi assim com Manuel Noriega, Saddam, Osama bin Laden, o Goni (da Bolívía) e o autoproclamado da Venezuela.
Segundo é o potencial que isso tem para o blowback, a bomba que você arma e explode em sua cara, o efeito bumerangue -- como se viu no caso do bin Laden.
Termino recomendando a trilogia do Chalmers Johnson sobre o conceito do blowback, que narra as dezenas de vezes em que isso aconteceu na política externa de Washington.
Não sei se os livros foram traduzidos para o português, mas aproveito a ocasião para recomendar também a produção do ex-inspetor de armas das Nações Unidas, Scott Ritter, que lá atrás já denunciava que as armas de destruição em massa do Iraque eram uma farsa montada pelos neocons para que Bush filho vingasse o pai e invadisse o Iraque.
Ah, não imaginem que os neocons deixaram o poder com a saída do Bush filho. Não, eles atuam nos bastidores, no Pentágono e em institutos (think-tanks) e ainda são muito influentes na política externa dos Estados Unidos, especialmente em círculos democratas.
O trabalho seminal dos neocons continua sendo uma Bíblia: Project for An American Century, o século que está em andamento -- e não é preciso dizer que se baseia no conceito de cercar a Rússia e a China.
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