Carta para o Futuro #3: Uma análise crítica da Cúpula de Belém

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16 de agosto de 2023

Natureza e política na Cúpula de Belém

Sem os focos corretos, a OTCA não encontrará seu DNA e nem resultados palpáveis que a conduzam ao tão esperado apoio econômico internacional  

por Carlos Bocuhy

Uma boa avaliação da Cúpula de Belém deve ir além do relato dos eventos políticos. Afinal, o debate envolve a bacia hídrica mais significativa do mundo e a maior floresta, com 10% das espécies vivas. Sustenta a vitalidade hídrica da América do Sul e ajuda a resfriar a zona equatorial global.


Se este ecossistema tivesse voz, estaria bem representado por Pablo Sólon, ativista e ex-embaixador boliviano. Em seu discurso, ele defendeu o fim do desmatamento e a recuperação da floresta até 2025 e vaticinou: "O ponto de não retorno está aqui."


A Cúpula começou com os "Diálogos da Amazônia", abordando diferentes tópicos. O debate sobre o ponto crítico de falência ecológica destacou-se, especialmente no Arco do Desmatamento. Estamos, como destacou o cientista Carlos Nobre, 'à beira do precipício'.


A emergência climática alimenta esses riscos. Dados de 2019, apresentados por Thelma Krug, do INPE, apontam os mais altos níveis de gases nocivos em milênios. A Universidade de Berkeley também informou que julho de 2023, impulsionado pelo El Niño e mudanças climáticas, foi o mais quente da história, com trágicas consequências.


A conferência incluiu os oito países da OCTA (Colômbia, Brasil, Bolívia, Equador, Peru, Venezuela, Guiana e Suriname), mas somente quatro chefes de Estado estiveram presentes. Ambientalistas apontaram a falta de consenso em relação ao desmatamento e a extração de combustíveis fósseis como uma lacuna.


Para compreender a dimensão do problema, é necessário contextualizar os desafios ambientais, políticos e econômicos que enfrenta a região amazônica.


As divergências são muitas. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, defendeu a proibição dos combustíveis fósseis. O Brasil, por sua vez, fez uma declaração reveladora sobre os interesses econômicos na exploração de recursos na região, com reflexos na política e visibilidade global da Amazônia. "Amazônia é o nosso passaporte para uma nova relação com o mundo, uma relação mais simétrica em que nossos recursos não serão explorados em benefício de poucos, mas sim valorizados e colocados a serviço de todos", afirmou na abertura o presidente Lula.


A controversa proposta de extração de petróleo na foz do Amazonas é criticada por cientistas. Primeiro, porque ultrapassa limites estabelecidos pelas Nações Unidas e o Acordo de Paris para abertura de novos poços após 2021. Também ameaça ecossistemas vitais, incluindo a maior concentração de áreas de manguezais do Brasil, como mostra esta nota técnica da bióloga Yara Schaeffer-Novelli enviada pelo PROAM ao Ibama – e ainda sem resposta.


Outro líder emblemático, o cacique Raoni, pediu ao governo brasileiro que não explorasse petróleo na região, fazendo referência aos maus licenciamentos das usinas hidrelétricas na Amazônia, como Belo Monte: "Isso não pode acontecer com o atual governo".


O bloco latino-americano da OTCA pretendia chegar à COP28, que ocorre no fim do ano em Dubai, em tom uníssono. O documento final da Cúpula de Belém, entretanto, revela uma clara indefinição.


A carta reafirma intenções, mas sem prazos ou metas definidas. O mérito está na intenção manifesta de pautar potencialização de articulações de povos indígenas, parlamentares e área científica com foco em clima e água. De forma mais concreta, propõe a integração da fiscalização, a ser sediada em Manaus, além da criação de um sistema de controle aéreo.


Na expectativa de receber ajuda financeira dos países mais ricos, a Cúpula de Belém propõe o financiamento do desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Mas o que seria este desenvolvimento sustentável da Amazônia?


Há divergência até mesmo dentro do governo brasileiro. O ministro de Minas e Energia chegou a defender posições contrárias à orientação científica do IPCC e defendeu a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, argumentando que "não se pode negar ao povo brasileiro conhecer as suas potencialidades".


Alegar algo assim em tempos de mudanças climáticas e do início de uma falência ecossistêmica parece piada pronta. Como alguém definiu, "é colocar o aquecedor dentro da geladeira".


O tom do discurso do setor ministerial brasileiro de energia põe em dúvidas a promessa do governo Lula de promover sustentabilidade por meio de um trabalho intersetorial.


A divisão ministerial brasileira revela a velha disputa que ocorre no âmbito das conferências climáticas das Nações Unidas, com relação aos objetivos de diminuir ou eliminar combustíveis fósseis, diferença que não é apenas semântica, mas crucial na construção e execução de políticas públicas.


A construção de um processo de governança integrada para o ecossistema amazônico demandará amadurecimento conceitual e de objetivos por parte dos países envolvidos.


O desenvolvimento da Amazônia requer reflexão profunda. Índices tradicionais como o PIB e IDH, por si só, não se aplicam. Somente uma profunda reflexão ecológica, em todos os seus componentes, poderia dimensionar metas adequadas para a realidade amazônica, sempre levando em conta o ponto de não retorno e a emergência climática.


A colaboração efetiva requer definição e cooperação entre os países da OTCA.


Para além do momento atual, a Cúpula de Belém serve como reflexão para aprimoramento visando a realização da COP30, das Nações Unidas, prevista para 2025 em Belém do Pará.


É necessário eliminar inconsistências, dar voz à sociedade civil, integrar o poder legislativo e judiciário, e estabelecer um tom crítico para o modelo econômico.


Espera-se que a OCTA não se distancie da natureza, da ciência e da transparência com ampla participação social. Sem isso, a Cúpula de Belém não encontrará politicamente seu DNA e nem resultados palpáveis que a conduzam ao tão esperado apoio econômico internacional.

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