A escada do sobrado levava a um corredor estreito. De frente, no que provavelmente havia sido o quarto principal, de onde se via, na diagonal, a Igreja de Nossa Senhora do Brasil, os jornalistas moviam-se com dificuldade entre caixas e pilhas de papéis. Na mesa virada para a porta, espremida à esquerda, Mino Carta folheava um jornal. Ao seu lado, o então redator-chefe Bob Fernandes.
Lá se vão 23 anos. Quando me juntei à equipe, após uma segunda, meteórica e irrelevante passagem pela Folha de S.Paulo, a revista era quinzenal e mal havia completado seis anos de vida. Ainda assim, em pouco tempo, e apesar das restrições financeiras, firmara sua identidade e pertinência. A divulgação dos grampos do BNDES, o monumental escândalo da privatização da telefonia no governo Fernando Henrique Cardoso, obrigou o resto da mídia a investigar, a contragosto, a corrupção tucana. E afirmou o caráter destemido da revista, disposta a desafiar os donos do poder em nome da busca da verdade.
"Leia antes que aconteça" era o slogan exato de CartaCapital.
Quando cheguei àquele sobrado, na virada do século, ninguém imaginava, muito menos eu, as transformações do negócio e da profissão. Um asteroide atingiria a mídia planetária e dinossauros de todos os tamanhos, pequenos e grandes, sucumbiriam. Contra as evidências, as circunstâncias e até uma certa torcida contrária, esta modesta publicação resistiu, a duras penas. Não só. Seguiu em frente. Trocou a Avenida Brasil pela Paulista e, mais tarde, pela Rua da Consolação, virou semanal e enfrentou a concorrência, sem nunca abandonar os princípios que justificaram a sua criação, em agosto de 1994.
Remar contra a corrente do consenso do oligopólio midiático não é um capricho, é um dever de quem aspira viver em um país melhor, mais plural e menos desigual.
Nestas quase três décadas, quando olho para trás, a sensação de tarefa cumprida me preenche, assim como a gratidão pelo apoio dos leitores fiéis, inúmeros, a acompanhar esta empreitada desde o primeiro número. De certa maneira, acho, exprimo o sentimento de quem se foi e de quem ficou.
Vários profissionais de gabarito e diversos colunistas renomados frequentaram – e frequentam – as nossas páginas. Reportagens memoráveis e análises únicas marcam essa trajetória. Cito poucos exemplos para não cansar o leitor.
Revelamos o racionamento de energia que o segundo governo FHC queria esconder.
Denunciamos as negociatas do banqueiro Daniel Dantas.
Expusemos a tramoia que forçou o segundo turno entre Lula e Geraldo Alckmin, em 2006.
Desmontamos a farsa da bolinha de papel na eleição seguinte, em 2010, tentativa desesperada e canhestra dos meios de comunicação de alavancar a campanha de José Serra contra Dilma Rousseff.
Bem antes de Walter Delgatti hackear as conversas no Telegram do ex-juiz Sergio Moro e de integrantes da força-tarefa de Curitiba, no episódio conhecido como "Vaza Jato", apontamos os desmandos, as maquinações e o projeto político-partidário da Operação Lava Jato, além dos evidentes prejuízos à economia do País.
Não por acaso, Moro desencadeou uma campanha insidiosa e desonesta contra CartaCapital. Intencionava quebrar a revista.
O tempo é senhor da razão, diz o provérbio. E o Brasil viria – antes tarde do que nunca – a descobrir quem era o verdadeiro corrupto.
CartaCapital permanece de pé, na mesma trincheira. E se chegamos até aqui, foi graças ao seu apoio, caro leitor.
Não tememos o futuro enquanto você estiver ao nosso lado.
Que venham os próximos 30 anos. |
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