Carta para o Futuro #6: A incerteza humana com o aquecimento global

Visualizar como página web
27 de setembro de 2023

A incerteza humana com o aquecimento global


A (comprovada) urgência da questão climática está mudando a forma como reagimos a elas. A onda de calor que atingiu o Brasil neste final de inverno democratizou os impactos climáticos. Milhões tiveram seu conforto térmico prejudicado, inclusive no trabalho.


Diante dessa realidade, mais pessoas bem-informadas entram em estado de atenção e alerta – que se distancia, de forma consciente, da imobilizante negação climática. De forma proativa e adaptativa, esse público buscam maior resiliência para si e para o planeta do qual fazem parte.


Por outro lado, as notícias sobre o cenário climático adverso levam indivíduos mais vulneráveis à chamada "ecoansiedade". Há uma urgência em definir, com clareza, estratégias para lidar com a negação e a reação frágil, que mergulham pessoas no imobilismo ou na incerteza dolorosa sobre o futuro.


A busca de resposta concreta, saudável e adaptativa, leva à reflexão sobre melhor acesso à informação, que possibilite elementos essenciais para a compreensão do fenômeno climático, riscos envolvidos e capacidade de resposta.


O tema não é tão novo. Em 2010 a Associação Americana de Psicologia produziu um estudo identificando áreas-chave que incluíam a saudável percepção de risco, estratégias de adaptação e enfrentamento e, de outro lado, causas psicológicas, comportamentais, impactos e barreiras psicossociais à ação.


Vários especialistas ligados à OMS têm reiterado recomendações para que se incorpore ao Acordo de Paris a obrigatoriedade de um programa para assistência à sociedade, que está passando por este processo de compreender a realidade da incerteza radical trazida pelo aquecimento global.


Não é difícil compreender a urgência do processo, frente à velocidade e intensidade dos efeitos do aquecimento global, que se manifestam, na realidade, em evolução acima do esperado, conforme anunciou recentemente o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC).


É preciso observar que este cenário, que exige forte e urgente ação governamental, tem provocado a expressiva pressão supragovernamental por parte das Nações Unidas. Esse chamamento à ação visa estimular medidas necessárias e urgentes para a contenção de gases efeito estufa (GEE) por parte dos países comprometidos com os termos do Acordo de Paris, na manutenção do aumento máximo de 1,5ºC em média global na temperatura desde o início da revolução industrial até o final deste século.


Com esse objetivo, a ONU utiliza amiúde, em seus discursos formais, como força de expressão, termos como "fritura e ebulição climática" e analogias como "à beira do precipício" e "`as portas do inferno".


Daí depreende-se saber se, pedagogicamente, esse seria o melhor formato para abordar a situação. Para os que consideram essa forma de comunicação mais próxima do catastrofismo, é preciso ponderar se alertas sobre o elevado estado de risco poderiam ser moderados para formato mais brando sem neutralizar o apelo de urgência.


Importante ressaltar que a maioria das nações democráticas possuem, em seu arcabouço legal, o princípio do direito à informação. Ao mesmo tempo, psicoterapeutas e psicólogos clínicos estão enfrentando a realidade de que a informação sobre a perda ecológica impacta seus pacientes, provocando ansiedade e culpa.


De fato, o que anteriormente era consequência das forças da natureza, no atual Antropoceno exige releitura sobre causalidade e responsabilidades, o que, por si só, já exige investigação psicanalítica.


Em artigo intitulado Ecopsicanálise no Antropoceno, Joseph Dodds, professor de Psicologia e Psicanálise da Universidade de Nova York em Praga, traz considerações de diversos especialistas:


- A ameaça das alterações climáticas pode ser um fator de stress psicológico e emocional significativo. Indivíduos e comunidades são afetadas tanto pela experiência direta de eventos locais atribuídos às alterações climáticas, como por exposição a informações sobre as alterações climáticas e os seus efeitos (Leiserowitz et al., 2013; Reser et al., 2014).


- A comunicação e as mensagens dos meios de comunicação social sobre as alterações climáticas podem afetar as percepções do ambiente físico e riscos sociais e consequências projetadas que podem subsequentemente afetar a compreensão do público, clima de saúde mental e comportamentos relacionados à mudança (Schmidt et al., 2013; O'Neill e Nicholson-Cole, 2009).


- As alterações climáticas são sentidas por alguns como um fenômeno distante, sem impacto tangível sobre os próprios ou dos seus entes queridos e, para outros, as alterações climáticas podem ser vistas como tão poderosa e esmagadora, que a resposta é a negação (Smith & Joffe, 2013).


- Uma falta de compreensão relativa às alterações climáticas e às suas implicações para a saúde humana podem resultar em comportamentos marcados por passividade e continuação de ações que agravam as mudanças climáticas (Koh, 2016).


Não há como analisar este processo sem considerar também a percepção do risco climático em relação a forças sociais e culturais que moldam valores e normas. Por exemplo, a percepção irá variar com componente ético-altruístas, egoístas ou biocêntricos. A percepção de risco mais proativa implica maturidade social e ambiental, na perspectiva de proteção não só para si mesmo, mas também para a sociedade e o meio ambiente.


No Brasil, a percepção do risco climático está diretamente ligada ao mais popular meio de comunicação de massa: a televisão, presente em 98% dos lares nacionais. Assim, existe certa uniformidade na percepção de risco da população brasileira, onde pesquisas apontam que a grande maioria acredita que os efeitos do clima afetarão diretamente suas vidas.


Depois dos eventos climáticos extremos de 2023, ocorridos no verão do Hemisfério Norte, não resta dúvida de que o acesso à informação proporcionado pela tecnologia possibilitou expressivo aumento de consciência sobre os riscos climáticos envolvidos com o aquecimento global. Imagens do incêndio em Lahaina, no Havaí, da tragédia de Derna, na Líbia, dos deslizamentos no município de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, e no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, estão vinculadas, na percepção social, aos efeitos do aquecimento global.


Este é um momento estratégico para que os governos avancem em direção à adaptação climática, utilizando a percepção de risco da sociedade para, com envolvimento comunitário, estabelecer diretrizes e intervenções na realidade que possam assegurar proteção para as populações vulneráveis.

Só uma política vigorosa, associada à subpolítica de articulação social à que se referia Ulrich Beck em sua obra "Sociedade em Risco", poderia proporcionar maior segurança real e ontológica à sociedade.


O maior dos males diante do risco é a inação ou a falsa segurança. Romper com o atual imobilismo, estabelecendo comunicação social eficiente, organizando alertas precoces com respostas efetivas, operacionais, organizando comunidades vulneráveis e apoiando fortemente projetos habitacionais e outras medidas de contenção de riscos, faria enorme diferença não só para a adequação climática em aspectos estruturais, mas também proporcionaria um estado de maior segurança e resiliência para a população.

Gostou? Para receber as futuras edições desta newsletter, inscreva-se clicando no botão abaixo.

Quero me inscrever

Para questões sobre sua assinatura entre em

contato com nossa Central de Atendimento

Enviado por CartaCapital

Rua da Consolação, 881 - 10º Andar - São Paulo, SP, Brasil

Se deseja não receber mensagens como esta, por favor clique aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário