O mundo está às portas da COP28. A queda de braço da sociedade humana contra o aquecimento global se arrasta há décadas sem resultados satisfatórios, apesar da piora visível dos impactos climáticos.
A lentidão decorre principalmente da resistência dos setores trilionários dos combustíveis fósseis, que em 2023 estão sob forte pressão dos efeitos palpáveis das queimadas, calor extremo e furacões, que ceifaram milhares de vidas humanas e causaram prejuízos bilionários. Potencializado pelo El Niño, o planeta entrou em ebulição, levando mais da metade da humanidade a sentir na própria pele os efeitos do aquecimento.
Na próxima sexta-feira, dia 1º de dezembro, terá início a COP28. Sediada pelos Emirados Árabes Unidos, a cúpula climática revela dupla face. Apresenta notório conflito de interesses ao ser liderada pelo representante do setor petrolífero local, Ahmed Al-Jaber, da CEO Empresa Nacional de Petróleo de Abu-Dhabi (Adnoc), maior empresa de petróleo dos Emirados Árabes Unidos.
A Anistia Internacional afirma que o CEO da Adnoc não tem condições de isonomia para liderar a COP28. Comparam a situação à de um executivo da indústria do tabaco coordenando conferência anti-tabagismo. Al Gore, de forma direta, diz que a indústria do petróleo, de forma descarada, "assumiu o controle da COP28".
As facilidades e influência do país anfitrião são notórias. Possui o controle da agenda, acesso aos meios de organização e facilidades para realizar propostas e encaminhamentos. Documentos vazados para a imprensa demonstram a criação de agenda paralela de negócios da Adnoc durante a COP, visando "oportunidades internacionais" para a exploração de gás de petróleo.
Em junho, o jornal The Guardian noticiou sob o título de "Escândalo absoluto" que a presidência da COP usou a Adnoc para enviar e receber e-mails, permitindo total acesso ao setor petrolífero sobre a correspondência oficial.
A agência France-Presse acaba de noticiar que a empresa de consultoria McKinsey, que trabalha para inúmeras multinacionais de petróleo, está dando suporte para Al-Jaber na elaboração de cenários de transição energética para manter a participação do petróleo em 50% até 2050, o que está completamente na contramão das recomendações científicas.
Como raposa no galinheiro, Al-Jaber faz discursos dicotômicos: o corporativo, no interesse de sua empresa, onde afirma que implementará aumento de exploração e produção de petróleo – e outro institucional, da COP, que defende diminuição das emissões dos combustíveis fósseis.
Os últimos locais escolhidos para realizar as COPs não foram dos mais felizes. Os Emirados Árabes têm conflito evidente com a área de direitos humanos. O país apresenta déficit democrático com sérias lacunas no direito de expressão. A pressão social proveniente da voz das ruas não ocorrerá em Dubai, assim como não ocorreu na COP27 de Sharm el-Sheikh, no Egito, país que segue sob ditadura militar.
Essa lacuna prejudica o necessário elemento de pressão popular e controle social sobre as decisões das conferências. De outro lado, a cúpula recebe inscrição e participação cada vez maior de delegados lobistas do setor de petróleo. Na COP27, do Egito, lobistas do petróleo e gás superaram a maioria das delegações e, como resultado, o texto final incluiu, de última hora, um dispositivo para impulsionar "energia de baixa emissão".
A realidade de conflito de interesses e de insuficiência democrática lança seríssimas dúvidas sobre a COP28. Sem condições basilares de isonomia, os resultados têm grande chance de serem corrompidos. Segundo afirmou à AFP a especialista climática Farhana Sultana, professora de geografia e meio ambiente da Universidade de Syracuse, a indústria de hidrocarbonetos está pretendendo "não apenas atrasar, negar, desviar ações climáticas significativas, mas também fazer greenwashing de seu trabalho poluente".
No cenário global, as grandes empresas petrolíferas têm apresentado propostas que não atendem expectativas de redução. Os combustíveis fósseis respondem por 80% do suprimento global de energia e continuam a crescer. Seus projetos preveem mísero 1% de orçamento para a área de energia limpa.
O setor petrolífero sinaliza ainda com falsa segurança. Promete desenvolver processos de captura e sequestro de carbono, enquanto inexiste tecnologia que possa realizar essa tarefa de forma efetiva e em escala desejável. Segundo Farhana Sultana, a captura e armazenamento de carbono (CCS) é um mecanismo de gestão de carbono que equivale a "falsa solução climática".
O blefe tecnológico obviamente não convence a área científica, mas serve como desculpa para evitar a eliminação dos fósseis, utilizando de subterfúgio para perpetuar sua presença com a promessa de apenas sua redução.
Há uma grande diferença no desenho de estratégias globais, quando se opta por eliminar, e não apenas reduzir. A premissa adotada passará a estruturar diretrizes de planejamento e políticas públicas.
O mito de Midas estará presente na COP28. Haverá deslumbramento de delegados de países em desenvolvimento, menos avisados, ao se depararem com as obras faraônicas e douradas construídas sobre o deserto pela sétima nação mais rica em petróleo do planeta, conhecida por ser "uma grande empresa petrolífera com um Estado anexo".
A eliminação não interessa à meca do petróleo. As Oil Sisters estão esperneando e seduzindo incautos para sobreviver, agarrando-se e contaminando espaços decisórios, mesmo às custas do sacrifício de vidas humanas, ecossistemas e biodiversidade. A Arábia Saudita, de forma negacionista, declarou que a Agência Internacional de Energia (AIE) das Nações Unidas, reconhecida pela qualidade de seu corpo técnico e científico, é "órgão político". Os sauditas pretendem continuar a perfurar e a explorar petróleo em ritmo crescente.
Esse estado de permanente obstrução defende interesses da crescente demanda por petróleo, que apenas cedeu frente a Covid, da qual já se recuperou. O ano de 2023 sinalizou recorde com média de consumo global de 102,3 Mb/d (milhões de barris por dia), superando o total de 2019, que ultrapassava a média de 100 Mb/d.
As indústrias fósseis ainda gozam de subsídios estatais que somam cerca de US$ 7 trilhões por ano. Um bom começo seria propor a retirada de subsídios ao petróleo e gás como um dos mecanismos econômicos que pontuarão os debates em Dubai. Estima-se, para viabilizar a transição energética global, aumento de investimento em energia limpa de US$ 1,8 trilhão para cerca de US$ 4,5 trilhões por ano até o início de 2030, valor que poderia ser assegurado apenas com a retirada dos subsídios trilionários.
Países emergentes impulsionam a demanda: a China é a maior importadora mundial de petróleo e a segunda maior consumidora depois dos Estados Unidos. Em abril registrou o recorde de consumo de 16,3 Mb/d, especialmente em combustível para transporte, seguido por alta demanda do setor petroquímico. A Índia, país mais populoso do mundo, deve consumir em 2023 o total médio de 5,5 Mb/d, (à frente da China), de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE).
O Brasil é o 6º maior emissor de GEE (Gases Efeito Estufa) e o 9º maior PIB do globo. Como país progressista, deveria evoluir fortemente para fora da órbita dos fósseis, mas essa disposição não está sinalizada no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), nem no Plano Estratégico da Petrobrás (2024-2028), anunciado às portas da COP28 com a destinação mínima de aproximadamente 5% de seus investimentos para o próximo quinquênio em energia limpa.
Na COP28, o Brasil acabará fazendo coro aos baixíssimos investimentos em energia limpa das grandes petroleiras como Equinor, TotalEnergies, Shell e BP, além de centenas das menores, seus pares, inclusive estatais.
Essa realidade de manutenção de altos investimentos futuros para petróleo e gás no Brasil e no exterior, sem uma equivalente priorização de alternativas limpas, é absolutamente contraditória aos interesses da sustentabilidade global.
Essa realidade nos leva a refletir sobre o cenário de aquecimento a ser enfrentado, que pouco poderá contar, em médio prazo, com o advento de matrizes econômicas voluntárias limpas.
O aquecimento global apresenta-se com velocidade e impactos acima dos esperados. A 14ª edição do relatório da ONU "Emissions Gap Report 2023", publicado na última semana e produzido por renomados cientistas climáticos, afirma que as emissões previstas de gases de efeito estufa para 2030 precisam ser reduzidas em 28% para manter a meta de +2°C do Acordo de Paris e 42% para o caminho de +1,5°C (meta desejável).
Segundo o relatório, a implementação total das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), feitas sob o Acordo de Paris, aponta para aumento da temperatura a +2,9°C acima dos níveis pré-industriais neste século.
Outro notório grupo de especialistas, liderados pelo climatologista James Hansen (ex-Nasa), aponta que estamos caminhando para o cenário de + 3ºC até o fim do século, e não +1,5ºC conforme o limite considerado "seguro" estabelecido no Acordo de Paris. O limiar de +3ºC poderá inclusive ser atingido em meados do século. Representa altíssimo risco para a humanidade, atingindo a segurança hídrica e alimentar, além de provocar a extinção massiva de espécies e migrações em massa.
As consequências nefastas das emissões e o cenário de aquecimento não contam com aportes financeiros globais. Ainda paira sem solução sobre a COP28 a demanda por reparação de perdas e danos no montante de US$ 100 bilhões para os países mais pobres, proposta solicitada desde 2010 em Cancún e projetada para 2020. Só foi ratificada em 2022, na COP27 de Sharm el-Sheikh, mas continua sem aporte financeiro concreto.
Com exceção honrosa da União Europeia, os países mais ricos e poluidores têm demonstrado pouca disposição para colocar a mão no bolso e ressarcir os países em desenvolvimento em função dos impactos das mudanças climáticas. Os maiores responsáveis pelas emissões de GEE são, em ordem de grandeza: China, Estados Unidos, Rússia, Índia e Japão, seguidos pelo Brasil. A quantia de U$ 100 bilhões é considerada pequena diante da necessidade de aporte de trilhões de dólares para a transição energética global que, como já afirmamos, continua empacada.
Ao largo da COP28 tramita, ainda de forma incipiente, a elogiável iniciativa de Bridgetown, proposta por Barbados, no sentido de alterar as linhas de financiamento do FMI e Banco Mundial para disponibilizar fundos e priorizar financiamentos que permitam socorrer países impactados pelas mudanças climáticas, evitando seu endividamento extremo.
Um dos principais alvos da COP28 será a redução das emissões de metano dos fósseis, das indústrias e da agricultura, assim como do imenso rebanho bovino, como o do Brasil. Até o momento, 149 países assinaram o Compromisso Global de Metano, proposto na COP26 de cúpula de Glasgow. Mas até agora as concentrações só têm aumentado. O metano apresenta efeitos negativos mais intensos do que o dióxido de carbono (CO2) e uma estratégia para conter as emissões poderia atenuar o atual cenário negativo.
A China, o maior emissor global de metano, está sob pressão para assumir compromissos de redução, diante do chamado Global Stockstake, balanço climático para aferir a implementação do Acordo de Paris agendado para os anos de 2023 e 2028.
Espera-se proatividade dos países emissores, uma vez que o próximo acerto de contas, previsto para 2028, estará muito próximo do deadline da meta para atingir redução das emissões, que é 2030.
Em setembro, o secretário geral da ONU, António Guterres, alertou sobre o atraso de décadas para transformar planos em ações: "Devemos recuperar o tempo perdido com o arrastamento dos pés, a torção de braços e a ganância nua e crua de interesses entrincheirados que arrecadam bilhões com combustíveis fósseis".
É rezar e torcer para que a comunidade internacional abra olhos, ouvidos e o coração. A consciência regenerativa das grandes economias serão vitais neste processo de neutralização dos GEE e dos interesses econômicos envolvidos. Será preciso usar de inteligência humanística para sobrepor os interesses maiores da sobrevivência da civilização aos ardis que já se instalaram na COP28.
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