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Cultura

Glauber o subversivo, por Zuenir Ventura - O Globo
A Comissão da Verdade do Rio promove hoje à tarde, no Parque Lage, uma homenagem a Glauber Rocha, quando entregará a seus filhos uma série de documentos encontrados no Arquivo Nacional, entre os quais uma entrevista à revista britânica “Time Out”, de 1971, onde revelava que estava sendo perseguido pela ditadura militar e que considerava o Brasil de Médici “um estado totalitário”, comparável ao “nazifascismo alemão”.

Para pessoas norte-americanas e europeias, o Brasil não é um país ocidental

Morei em Nova Orleans por seis anos. Trabalhei no Departamento de Espanhol & Português considerado o segundo mais produtivo do país. A biblioteca da minha universidade tinha o segundo maior acervo latino-americano dos Estados Unidos.
Nas minhas aulas, ensinadas em português, pessoas alunas norte-americanas (mas não somente) liam, no original, autores como José de Alencar, Machado de Assis, Lima Barreto, Rubem Fonseca, Clarice Lispector, Gilberto Freyre, Dias Gomes, Ariano Suassuna, Nelson Rodrigues, entre outros.(E também uma das mais importantes autoras brasileiras de todos os tempos, tão esquecida entre nós: Carolina Maria de Jesus.)
A universidade, para evitar que as pessoas alunas ficassem muito bitoladas em sua visão de mundo, exigia que todas cumprissem pelo menos quatro créditos de “Cultura Não-Ocidental”.
Para a surpresa e o horror de todas as pessoas brasileiras para quem contei isso, as disciplinas que eu ensinava sobre literatura brasileira supriam esse requisito curricular.
Nada mais natural. Pois, do ponto de vista norte-americano e europeu, o Brasil não faz parte do Ocidente. Quando listam os países ocidentais, não nos incluem. Quando falam em cultura ocidental, não estão pensando no romance Dom Casmurro ou na música “Garota de Ipanema”. (E nem Jorge Luis Borges ou Gabriel García Marquez.)
O que não quer dizer, entretanto, que tenham uma definição concreta e convencionada de “Ocidente” em suas cabeças. Pelo contrário, como tantos conceitos, é uma daquelas palavras usadas de forma acrítica e não-problemática: as pessoas “sabem” instintivamente seu significado sem nunca ter parado para conscientemente defini-la.
Por isso, já na primeira aula, eu abria o curso colocando em discussão o conceito de Ocidente.
Um exercício interessante era pedir às minhas trinta e poucas pessoas alunas que escrevessem em um papel sua definição de Ocidente e uma lista de países ocidentais. Depois, trocávamos os papéis.
Somente na minha sala de aula, as definições eram bem díspares. As mais restritas incluíam apenas Estados Unidos, Canadá e os países europeus anglo-germânicos e nórdicos. (Se nem Portugal é ocidental, imagina se nós vamos ser!) As mais amplas incluíam também a América Latina, África do Sul, Israel, Austrália, Nova Zelândia e até o Japão.

Arte na rua

Ponto cruz enfeita a cidade de Lyon
Também poderia enfeitar as nossas, não é mesmo?
:D

Para acompanhar mais curta a página no Facebook “Urban X Stich“.

Cultura

Palatinik e suas máquinas de criar arte
Abraham Palatnik
Objeto Cinético - 1966

Em 1951, a primeira Bienal Internacional de São Paulo contemplava o dilema. Como considerar as obras de Abraham Palatnik a partir das propostas convencionais de pintura e escultura se estas não se filiavam a nenhuma delas, mas flertavam com ambas?
A questão, em parte, ainda faz sentido e parece ser a vocação de um trabalho original e pioneiro. No caso do artista de 86 anos, potiguar radicado no Rio de Janeiro, ele inventou, mas também demandou que muito se inventasse, desde nomes, qualificações e uma nova compreensão artística.
O legado dessa inovação que se consumou como a arte cinética pode ser apreciado numa retrospectiva de 97 trabalhos no Museu de Arte Moderna paulista, a partir de quinta-feira, 3.
A uma tendência inovadora também em outros países nas experiências dos venezuelanos Jesús Soto e Carlos Cruz-Díez ou do húngaro Vasarely, por exemplo, requeria-se a análise de especialistas.
Foi o crítico Mário Pedrosa, não por acaso um interlocutor frequente, um dos primeiros a atentar para a singularidade do método do artista, este que tornaria as máquinas “aptas a gerar obras de arte”. O pressuposto dos Aparelhos Cinecromáticos, que em 1964 levou aos Objetos Cinéticos, confundiu a Bienal.
Palatnik envolveu-se com o universo matemático e industrial desde o trabalho numa fábrica de motores de explosão em Israel. Tais objetos, impulsionados por eletricidade e semelhantes aos móbiles de Alexander Calder, dos quais se verão vários exemplares na mostra, sintetizam a noção fundamental de movimento, cor, luz e tempo que estabelece não apenas o conceito de sua produção, como também de toda a corrente artística.
Ao longo das décadas e ainda na atividade atual, Palatnik testou e variou as linguagens sem se distanciar do preceito. Depois de rápida passagem pelo figurativo, iniciou a sérieProgressões, com faixas de efeitos ópticos, e a desdobrou com o uso de finas lâminas de madeira jacarandá.
Produziu também mobiliário em que aplicava suas modulações, na tentativa tão habitual nos anos 1950 de popularizar o consumo da arte, a exemplo do que fez Geraldo de Barros. Preocupava-o, mais que o contexto precursor, o do inventor que quer seus feitos partilhados.
Leia Também: A arte do nosso tempo

Bons motivos para rever os caça-fantasmas

Caça-Fantasmas é um daqueles filmes que conquistaram um lugar nas mais tenras memórias de muita gente. Se você, como eu, era criança quando conheceu, as chances de ter um fascínio especial pelo título e personagens é imensa.
O primeirão é uma espécie de super-clássico dos filmes comerciais. Tanto ou mais do que Star Wars, vendeu tudo o que pôde, teve bonequinhos, desenho animado, clipe na MTV, easter eggs em outros títulos e, claro, uma bela dose de nonsense que só os anos 80 permitiam. Peter Venkman, Ray Stantz, Egon Spengler e Winston Zeddemore são personagens que se juntam e formam um belo conjunto.
Nos últimos meses, o título ficou retornando à minha cabeça. Não lembro bem porquê. Talvez tinha visto alguma notícia sobre o sempre falado e nunca produzido terceiro filme da franquia. De qualquer forma, parei e assisti.
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Putz, sensacional perceber que o filme é repleto de piadas e ideias que eu era absolutamente incapaz de compreender na época. Ri muito e, claro, fiquei com aquele maldito bordão (“Who you gonna call?”) na cabeça.
Então, como refresquei a memória e fiquei empolgado com o filme, passo agora quatro boas razões para você fazer o mesmo.

Aquela música!

Vou estragar o texto pra você agora mesmo. Nada depois daqui vai ser tão bom quanto essa música.
Mas, se você não ouvir, é como se jamais tivesse lembrado dos Caça-Fantasmas. Dê o play aí antes de continuar:
É impossível ouvir falar de Caça-Fantasmas e não lembrar dessa trilha, interpretada por Ray Parker Jr. A canção concorreu ao Oscar, teve participação de um monte de gente famosa da época e é um retrato de como funcionavam os blockbusters naquele tempo. Porém, a principal coisa que ela ganhou foi um espaço nos nossos corações.

Bill Murray em um de seus melhores personagens

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Ok, não estamos falando de grande atuações, ou de qualquer malabarismo textual. Não. A única coisa que faz o Bill Murray salvar esse filme é o fato de que Peter Venkman é um personagem absolutamente divertido, cara-de-pau até o último fio de cabelo e genial em seus argumentos furados. Se tem algo que Bill Murray sabe fazer bem é um estilo de comédia hilário e, ainda assim, sutil.
Ainda há tempo para uma curiosidade: Bill Murray foi chamado para substituir John Belushi – que morreu de overdose – por também ter uma grande habilidade em improvisação, coisa que o personagem requeria. Dizem as más línguas que Murray, na verdade, improvisou todas as suas cenas no filme e nunca leu o roteiro de verdade.
Aliás, a primeira cena na qual ele aparece é demais.

Janine Melnitz

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As pessoas suspiravam pela Sigourney Weaver e sua personagem, Dana Barrett, naqueles idos anos 80. Eu, porém, confesso que, apesar de sua vozinha fanha e ar blasé, achava a Janine Melnitz, secretária da startup de eliminação de eventos sobrenaturais, interpretada pela Annie Potts, uma gracinha. Reparem bem, amigos, reparem bem.

O nonsense de Stay Puft

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Stay Puft é o nome oficial da encarnação do mal, o Godzilla de marshmallow, principal vilão do filme. É ridículo, mas acho uma piada muito boa, em especial pela forma como ela é apresentada (calma, vou poupá-lo dos spoilers).
De qualquer forma, deixo aqui o bonecão como um dos bons motivos, pelo nonsense da ideia e porque eu tinha todo um carinho e empolgação infantil especialmente dedicados a ele.
* * *
Dia 8 de junho, o filme comemora 30 anos de seu lançamento. De lá pra cá, claro, os efeitos especiais envelheceram muito. Não dá pra deixar de passar até por algum constrangimento ao ver certas cenas. Mas o principal, que é uma história curiosa e personagens carismáticos, ainda estão lá. Assim como De Volta Para o Futuro, Indiana Jones ou Star Wars, esse é um daqueles filmes que vale marcar uma sessão descompromissada em casa.
Se seus amigos são do tipo que topam qualquer coisa pra dar umas risadas, vai fundo.
Luciano Ribeiro

Editor do PapodeHomem, ex-designer de produtos, apaixonado por ilustração, fotografia e música. Ex-vocalista da banda Tranze (rock’n roll). Volta e meia grava músicas pelo Na Casa de Ana. Escreve, canta, compõe e twitta pelo @lucianoandolini.

Paulo Vieira - em defesa de Romero Britto

Pessoas bacanas de minha relação, dois atributos nem sempre em conexão, andam a criticar sem dó o pernambucano radicado em Miami Romero Britto.
Artista plástico de enorme sucesso comercial, famoso por ter transformado seus desenhos e cores numa franquia, sujeitos a decorar qualquer objeto ou presente comercializável, ele virou um signo de distinção – de distinção para os maus, os baixos, os bregas.
Ter um Romero Britto em casa é sinal do mais profundo mau gosto, algo digno de lástima e, quiçá, de ter relações cortadas.
Avistar seu cubismo estéril numa parede gera, ato contínuo, um post depreciativo e uma foto para ser compartilhada no Facebook, esse nosso Speakers’ Corner editável.
Num tempo de estranhos signos de identidade, ele é quase como a concha, a vieira dos peregrinos de Compostela com sinal trocado. “Encontrei um dos meus”.
É possível, é provável, que Britto tenha chegado nessa patamar de infâmia pela reprodutibilidade de roedor de seu trabalho, não tanto pela falta de valor estético de sua obra.
Um Paulo Coelho das artes plásticas, como já se disse.
Ninguém falaria dele, evidentemente, se não fosse tão ubíquo, tão bem-sucedido.
Pode-se argumentar que Andy Warhol, para citar outro artista que flertou, que digo, que fez do mercado parte indissociável de sua agenda estética, era “bem”. Criava, inventava, ditava, abria rumos, influía, criava relações simbióticas profícuas. Algo que Britto – agenda estética ?!? – jamais criaria, a despeito de suas relações profícuas, aqui traduzidas pelos seus  - agora vocês vão vibrar -, colecionadores famosos: Madonna, Jeb Bush, Schwarzenegger.
Como se não fôssemos, de modo geral, mais avida dollars que qualquer outra coisa.
Poucos campos se prestam tanto à subjetividade na hora de decidir o que vai para o Céu ou para o Inferno do que as artes visuais. Não quero dizer com isso que Mestre Didi e Picasso têm o mesmo valor (para alguns, Mestre Didi é melhor). Mas é cristalino que o que está em jogo ao se criticar Britto é a assunção de um comportamento de manada, que não difere, filosoficamente, do comportamento dos assassinos da “bruxa” do Guarujá.
Mas o mais paradoxal é que a própria massificação dessa crítica, hoje wit, fará dela brega. A unanimidade brega. Como, aliás, curiosamente, o próprio objeto da crítica.
Os espertos sairão dessa onda mais rápido.
Com tudo isso, é possível que Brito, um artesão, um serígrafo de origem, jamais tenha se comovido – digamos mais, que jamais tenha entendido a potência da arte contemporânea. Pergunte a ele o que acha de uma lata de merda de Manzoni, das suturas de Fontana ou das aranhas do Tunga, e ele talvez te dê uma resposta sincera.
A questão é: e daí?
Ao falar de Britto estamos falando muito mais de nós mesmos do que gostaríamos.
Usemos melhor nossa munição.
Paulo Vieira
Sobre o Autor
Paulo Vieira é jornalista, com passagens pela Folha de S.Paulo, Veja São Paulo e Viagem e Turismo. É editor do site Jornalistas que Correm.

Crônica dominical de Luis Fernando Veríssimo

Murais
No Grand Palais, o espaço de arte de maior prestígio em Paris, foi inaugurada a exposição dos dois murais, “Guerra e paz”, que Candido Portinari fez para o interior do prédio das Nações Unidas, em Nova York.
Antes de serem doados à ONU, em 1956, os grandes painéis foram exibidos no Brasil, e agora chegam a Paris no início da fase internacional de um projeto de exposição, fora da área restrita do foyer da ONU, que começou com outra turnê pelo Brasil e terminará com sua volta a Nova York em 2015.
A obra de Portinari está magnificamente apresentada no Grand Palais, junto com estudos preparatórios para os murais e outros trabalhos do artista, e a solenidade teve a presença do filho de Portinari — que morou durante muito tempo em Paris —, do embaixador do Brasil na França, José Mauricio Bustani; da Marta Suplicy; de outros responsáveis pelo projeto, e de dezenas de brasileiros e simpatizantes orgulhosos.
Ninguém mencionou que Portinari não pôde comparecer à inauguração dos seus murais na ONU, em 1956, porque era comunista e os americanos não o deixaram entrar no país. Eu me lembrei da história do mural que Nelson Rockefeller encomendou ao mexicano Diego Rivera para o saguão de entrada do Rockefeller Center, em Nova York. O mural deveria retratar o avanço da Humanidade através do trabalho e do progresso científico.

"Guerra e Paz" de Candido Portinari é exposto no Grand Palais, em Paris

Rivera foi o escolhido porque era um dos pintores favoritos da mãe de Nelson Rockefeller, que, obviamente, não informara ao filho quais eram as convicções políticas do mexicano. Pode-se imaginar a cara do Nelson ao ver, no mural pronto, o Lenin de mãos dadas com trabalhadores, simbolizando a união que emanciparia o proletariado mundial da opressão capitalista.
Rockefeller pagou ao Rivera, mas mandou pôr abaixo o mural. Não adiantou a oferta do pintor de incluir Abraham Lincoln como emancipador, talvez ao lado de Lenin. O mural foi destruído. Antes da sua destruição, Rivera pediu que o fotografassem. E o reproduziu no México, acrescentando alguns detalhes que não estavam na primeira versão. Com Marx e Trotsky, além de Lenin. E — para completar a vingança — o pai de Nelson, John D. Rockefeller, um notório abstêmio, foi retratado como um bêbado, simbolizando a dissolução moral dos ricos.
Nelson Rockefeller não desistiu do seu mural. Contratou um tal de José Maria Sert para pintá-lo. O mural continua lá, na entrada do Rockefeller Center. A sua figura principal é Abraham Lincoln.

Psicodália

Cultura, contracultura e o retorno a realidade objetiva
Cada ano que começa, atropelado pelas pendências do anterior e inspirado por promessas de um novo começo, encontra em janeiro e fevereiro um respiro, uma coxia para entrar de fininho. Não é à toa que o brasileiro ostenta entre seus lemas o clássico “o ano só começa depois do Carnaval” e alinha suas expectativas pra só encarar o calendário de jeito depois das festividades da carne.
Pelo visto abrir os trabalhos em plena ressaca é o banho de água fria que nos ajuda a pegar no tranco. Mesmo entupido de trabalho nos primeiros meses do ano e não ligando muito pra esse quase-que-feriado tupiniquim, às vezes me pego dividindo o ano em antes e depois dele.
Longe dos blocos sujos, das ruas mijadas e fantasias recicladas, é no meio do mato e serra acima que encontro meu refúgio maior.
Falar sobre dias paradisíacos num festival onde a vida cotidiana se dissolve como identidade secundária é tarefa complicada, mas nada nos impede de tentar.
Idealizado, produzido e em constante crescimento desde o começo do século, o festival Psicodália chegou neste Carnaval de 2014 à sua 17ª edição. Teve início como projeto piloto em Angra dos Reis, e se consolidou com caráter itinerante ao realizar edições na Lapa paranaense, passando então para Santa Catarina, sediado inicialmente no município de São Martinho e, de 2009 até hoje, em Rio Negrinho.
A vivência no Psicodália transcende o habitual, tanto no sentido cotidiano da palavra quanto se comparado a outros festivais. Ao longo de cinco dias (seis, nessa edição) a programação é recheada de shows, oficinas, intervenções artísticas, arranjos musicais mutantes e todo tipo de gente que se possa imaginar.
Todo tipo mesmo; de todas as idades, cidades, estados, estilos, gêneros, preferências sexuais, profissões e religiões, donas e reprodutoras de ideias tão variadas quanto o próprio universo, mas que convergem num grande mosaico ideológico respeitado por todos.

De um artista para outro

Carta de Dorival Caymmi para Jorge Amado


“Jorge, meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci.
Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês.
Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.
Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta.
Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?
Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha?
Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.
Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.
Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho.
A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”

Arte pela arte

Serve para que?...
Entre outras coisas com que ocupo o tempo, sou desenhista, músico amador, professor e interessado em práticas contemplativas para treinamento de atenção, mente e atitude. Então, calha que um dos temas que mais me interessam é a relação entre a arte e os processos de educação, de formação humana.
Pra falar disso a gente sempre vai acabar falando de estética e ética, que, junto com a lógica, possivelmente é o tri-eixo de toda filosofia já produzida no ocidente. Então, o assunto realmente dá pano pra manga e pede calma e inteligência pra conversa. O artigo aqui é mais como uma provocaçãozinha pro pensamento.
Quando se trata de arte, a visão mais aceita hoje parece ser a de que vale tudo, de que não há julgamento moral possível sobre as expressões artísticas e culturais, e questionar isso é igual questionar a liberdade da própria expressão humana. Então, tudo é legítimo e genuíno de nascimento. É como se o “eu-gosto-porque-sim” fosse argumento suficiente. Vivaldi é tão legítimo quanto GG Allin (NSFW: abra por conta e risco). Michelangelo é tão legítimo quanto Habacuc. É de fato legítimo, e legítimo não é necessariamente bom.

O cubo de Necker

Wittegenstein usou-o para demonstrar um aspecto da cognição no qual, quando ela está focada, enrodilhada em certos aspectos, isso a torna naturalmente cega a outros.

O exemplo do cubo é o mais simples possível: quando o vértice A parece estar à frente, naturalmente colocamos o vértice B para trás, e vice-versa. Tendemos a conferir tridimensionalidade ao objeto com um dos vértices à frente – vemos a totalidade do objeto de um ou outro jeito, mas podemos “trocar” o vértice e ganhar, literalmente, uma outra perspectiva.

O aspecto interessante é que, quando temos uma, não temos a outra.

Os objetos impossíveis brincam exatamente com essa nossa limitação.

Mas não precisamos nos resumir a umas poucas formas geométricas: esse é um exemplo extremamente simples de um viés cognitivo muito básico. 

A grande arte, em todas as suas formas, do sorriso da Gioconda, passando por Shakespeare até Breaking Bad, lida com a ambiguidade, e em particular onde ela é mais viva quando toca nas emoções.

Não há nada de novo em trabalhar a tensão cognitiva do interlocutor. É isso que qualquer obra de arte faz, e aliás, é talvez para isso que ela se apresente.

tudo junto e separado

Débora Lamem é uma atriz.
Fernanda Montenegro é Fernanda Montenegro.
Para não deixar dúvida:
Para mim, Fernanda Montenegro não é uma atriz.