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Brasil de Fato: entrevista Lurian

Lurian, em primeiro lugar, gostaria de perguntar como a família Lula da Silva tem enfrentado essa situação, desde a prisão do seu pai?
Lurian Cordeiro da Silva: A gente está numa luta constante. É obvio que o processo é muito doloroso pra nós. Então por um lado, é muito frustrante, mas nós temos seguido a vida normal, trabalhando, estudando e seguindo a vida. E eu, particularmente, tenho ido a muitas atividades, a atos do PT, do PSOL, do PCdoB. Onde me chamam eu vou porque a gente tem que se confortar, bater nessa tecla do renascimento da democracia, pois ela está desaparecendo. E a prisão dele, que é uma prisão política, acaba sinalizando o fim da democracia, não só pra nós, da esquerda, mas para todo o país. A prisão é uma injustiça desmedida contra o político, mas também contra o cidadão inocente, que é meu pai, avô dos meus filhos e bisavô da minha neta.
Você que já esteve na Superintendência da PF em Curitiba, como está o ânimo do ex-presidente?
Ele é surpreendente, porque a gente chega lá e ele não esmorece. Ele está bem, tem lido, assistido jogos de futebol... Eu acho que quando a pessoa tem certeza da inocência, mesmo sofrendo uma grande injustiça, ele fica tranquilo. Indignado, mas firme. Ele está dando tempo ao tempo. Ele sabe que a verdade vai vir à tona, como tem vindo, por exemplo, com a ocupação do MTST, que mostrou as fotos do apartamento. A verdade sempre vem à tona.
E as cartas, ele lê?
Agora há um processo de filtragem no Instituto [Lula], porque envelopes, caixas precisam ser abertas. Então passa para o Instituto, o pessoal filtra, e encaminha a ele na PF. Mas ele tem lido. E é importante que continuem enviando cartas pra ele. Conforta ele e nos conforta esse carinho. Ele ouve o bom dia, ouve o boa noite, as músicas do acampamento. Ele fica emocionado e está muito orgulhoso da militância estar na rua, estar na luta. A gente sente isso nele.
Lula é muito ligado aos netos. Como eles estão lidando com a prisão do avô?
O primeiro neto que foi visitá-lo foi o Tiago. A minha filha, a Bia, é a mais velha, depois vem o Tiago. Ela vai fazer 23 e ele 21 anos. Os dois administram a questão como a gente mesmo. O João, que é o meu filho de 13 anos, ficou muito emocionado no sindicato [dos Metalúrgicos do ABC]. Essa geração de gamers não é muito integrada. Mas agora ele pergunta sobre tudo, quer pesquisar tudo, saber da história do avô. Ele percebeu que aquilo que ele viveu no sindicato é história mesmo. Eu não sei qual é o entendimento da prisão para os pequenos, mas eles sabem que o avô está sendo injustiçado, que ele está sendo penalizado porque atendeu famílias mais pobres e que a elite do Brasil não aceita um governo popular que tirasse as pessoas da miséria. E a Analua, a bisneta, vai visitar ele essa semana. Será a primeira visita dela.
O isolamento ao qual ele está sendo submetido, preocupa a família?
Ele é uma pessoa que vive da comunicação, que vive dialogando com muita gente. Ao mesmo tempo que essa sala onde ele está foi preparada em respeito a ele, a falta de comunicação, a falta do direito de receber as visitas é o que nos preocupa, porque tem sido arbitrária. Há uma má vontade da juíza e do Moro absurda, de querer vetar os governadores, vetar a Dilma, vetar o Leonardo Boff, vetar a comissão de deputados. Eu acho que não há um bom senso da parte dela. Ela está ferindo a Constituição mais uma vez, pois todo preso tem direito a visitas de amigos, advogados e familiares. Ele está em uma solitária praticamente. Eu não entendo até onde eles querem chegar com esse isolamento dele.
Como vocês, filhos, lidam com os constantes boatos que dão conta de uma suposta fortuna que a família Lula teria acumulado?
Eu, mais do que ninguém, sou vítima de boatos desde 89. A minha imagem foi usada na eleição do Collor, quando a minha própria mãe foi à televisão acusar meu pai de aborto e a mídia comprou esse discurso dela. Para minha sorte, tive uma boa estrutura familiar porque fui criada pela minha avó materna, que desmentiu tudo o que minha mãe falou, desconstruiu tudo o que ela disse. Mas até hoje tem pessoas que me apontam e dizem 'ah, você é aquela do aborto'. Depois veio uma história de que eu tinha uma ONG que recebeu 7,5 milhões ou bilhões de reais. Depois teve o boato de que ele [Lula] tinha mudado o formato das tomadas porque a fábrica de tomadas era minha. Depois teve o boato da Friboi. Depois o Luiz Cláudio virou dono de milhões de times de futebol. É uma bizarrice atrás de bizarrice e a criatividade das pessoas é demais. Para a família tudo isso é muito triste. É como se não tivéssemos direito de ter as nossas vidas. Fotografam coisas absurdas e dizem que é do meu irmão. Filmam coisas na rua e dizem: 'olha o filho do Lula num restaurante caro, olha o filho do Lula num iate'. É um absurdo. Teve um parlamentar de Santa Catarina que foi à tribuna falar isso. 'Ah, porque os filhos do Lula estão em navio, em iate, em lanchas, com mulheres e bebidas'. Eu queria que ele mostrasse isso e comprovasse que eram os filhos do Lula. Então a criatividade e a maldade das pessoas é bem absurda.
Como militante do Partido dos Trabalhadores, como você avalia o fato do PT ter atraído novos militantes após a prisão do seu pai, além do sucesso dele nas pesquisas eleitorais?
Eu acho que as pessoas estão começando a enxergar o que está acontecendo no Brasil. Eu participei de várias caravanas e Chapecó foi uma das cidades mais violentas onde a gente esteve. Desde o começo do dia teve situações, como a pedrada no Frateschi [Paulo], e alguns outros episódios bem tristes. E a gente percebeu que as pessoas que estavam do lado de lá, tem uma maioria muito odiosa, mas tem uma parte que nunca ouviu o Lula falar. Essa observação quem me fez foi o deputado Décio Lima, que me disse: 'Lurian, olha como quando o seu pai está falando eles ficam em silêncio'. Eles nunca tinham ouvido o Lula falar. Isso vai mudando a formação dessas pessoas, a forma de pensar, e passam a entender que estão sendo manipulados de fato por uma mídia, por um judiciário. E fora que muita gente que era contra a gente ficou sensibilizada com a forma como ocorreu a condenação e a prisão dele. Antes, eu recebia milhares de mensagens agressivas. Hoje eu recebo um monte de mensagens solidárias, e as agressivas sumiram. Há pessoas nas minhas redes sociais que não são nossos eleitores, mas que me manaram mensagens de carinho, solidárias. Eu acho que tem muita gente que ia a manifestações da direita, mas que agora veem o que estão fazendo com o nosso país e por isso mudam a intenção de voto, querem vir para o PT. E é isso que a gente precisa: resgatar a esperança do povo brasileiro.
O que você diria esses milhões de brasileiros e brasileiras que seguem firmes no apoio ao Lula?
Primeiro, eu queria agradecer a cada brasileiro, cada brasileira, que manda mensagens pra gente, que manda cartinha pra ele, que faz oração para ele. É preciso dizer que o caminho da nossa luta é muito difícil, que a luta vai ser árdua, mas que a gente tem certeza da nossa vitória, e por isso a gente precisa de cada uma dessas pessoas, porque cada um é um pouquinho de Lula. Todos os brasileiros e brasileiras são um pouquinho do Lula e a gente não pode desistir da resistência, seja na rua, no trabalho, no ônibus, na escola, na universidade, a gente precisa levar a verdade às pessoas que não acreditam, que não têm esperança, as pessoas que têm dúvidas. A gente não pode desistir. Precisamos defender o Lula sim, levando a verdade, levando informação. Tem dúvidas? Pesquisa, não se paute pela mídia golpista. Hoje em dia, tem uma gama de fontes pra checar. É muito importante a gente propagar sempre a nossa verdade. Porque a máscara deles um dia vai cair.
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Um país nas mãos do ocaso

Entrevista da jornalista Maria Cristina Fernandes com o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos no Valor. Confira abaixo e tire suas conclusões cobre as ideias do entrevistado:

Wanderley Guilherme dos Santos tornou-se eleitor no governo Juscelino Kubitschek. Atravessou como adulto, portanto, o governo de 15 presidentes da República. Aos 82 anos de idade, o decano da ciência política no Brasil nunca assistiu a crise igual.
Vê o país imerso numa tragédia grega. Os personagens sabem que o papel desempenhado vai dar errado, mas, nem por isso, são capazes de mudá-lo. Ao contrário da tragédia grega, no entanto, o Brasil não está marcado pelo destino. Depende, mais do que nunca, do acaso para mudar o rumo da história.
Nenhum personagem da política brasileira fica em pé ante seu tirocínio. Wanderley Guilherme vê vulgaridade em todo lugar. Do vampiro da Tuiuti à intervenção no Rio, mas nada o impacienta mais do que a teimosia do PT em desqualificar uma disputa eleitoral sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Além de antidemocrática, a cegueira deliberada petista ignoraria a evidência de que a decisão será de uma maioria insatisfeita com este governo. É à clareza deste cenário que atribui o envolvimento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na busca de um candidato improvável. Para Wanderley Guilherme, FHC tem a “lucidez desesperada” de quem sabe que vai perder e teme que as forças a serem derrotadas não se conformem com o resultado.
Casado com a ex-ministra da Cultura Ana de Holanda e muito próximo dos três filhos e três netos, Wanderley retomou, depois da colocação de dois stents no ano passado, os seminários no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), os cáusticos artigos em seu blog (Segunda Opinião) e as pesquisas para um novo livro sobre a crise da democracia.
Não se lhe atribua o pessimismo, portanto, às contingências da idade. O pensador que previu o golpe no Brasil em livrinho de 1962 que virou um clássico (“Quem Dará o Golpe no Brasil?”, Civilização Brasileira), desta vez não se atreve a fazer prognósticos. O grau de imprevisibilidade da conjuntura política não lhe deixa dúvidas de que esta é a pior crise pela qual já passou o país.
O Brasil não se redimirá antes da eleição, mas a história não termina aí. Além de advogar a legitimidade das próximas eleições, com ou sem Lula, Wanderley Guilherme comprova sua afeição pela polêmica ao defender um plebiscito, depois da posse, para que o futuro presidente não se transforme num refém de um Congresso igualmente eleito. A seguir, a entrevista:
Valor: O senhor escreveu recentemente que uma eleição sem Lula não é uma fraude eleitoral e que a lei está a favor das expectativas dos desvalidos. O que pautará esta eleição?
Wanderley Guilherme dos Santos: Nunca me deparei com uma circunstância de crise política igual à atual. Nunca vi nada igual a isso e não apenas no Brasil. Há uma desestruturação tão grande no sistema político, uma multiplicação de centros autônomos de decisão arbitrários, que, todavia, não podem ser domesticados, ou enquadrados. Também não quer dizer que suas decisões sejam cumpridas, mas torna-se um fato a própria decisão, e não o cumprimento dela.
Valor: O senhor está falando do Judiciário?

Entrevista de Lula a Mônica Bergamo

"Não vou me matar nem fugir do Brasil. E vou ficar aqui. Aqui é meu lugar. Eu não tenho medo de nada. Só de trair o povo desse país." Lula

Folha O ex-ministro Ciro Gomes (PDT-CE) fala em voz alta o que muita gente murmura e pensa: ninguém no Brasil acredita que o senhor poderá ser candidato a presidente. Quando chegará a hora de discutir o lançamento ou o apoio a um outro nome?

Lula – Se eu não acreditasse na possibilidade de a Justiça rever o crime cometido contra mim pelo [juiz Sergio] Moro, [que o condenou à prisão] e pelo TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que confirmou a sentença], eu não precisaria fazer política. Quem sabe eu virasse um moleque de 16 anos e fosse dizer que só tem solução na luta armada. Não. Eu acredito na democracia, eu acredito na Justiça. E acredito que essas pessoas [Moro e desembargadores] mereciam ser exoneradas a bem do serviço público. Porque houve mentira na denúncia [feita pela] imprensa [que revelou a existência do tríplex], no inquérito da Polícia Federal, na acusação do Ministério Público Federal, na sentença do Moro e na confirmação do TRF-4. Então o que eu espero? Que o Supremo Tribunal Federal [que deve julgar habeas corpus em que Lula pede para não ser preso] analise o processo, veja os depoimentos, as provas e tome uma decisão. Por isso tenho a crença de que vou ser candidato.
Folha - O STF não entrará no mérito da sentença. E não haveria nem tempo, caso isso ocorresse, para garantir a candidatura.
Lula - Eu vou dizer uma coisa: eu só posso confiar no julgamento se ele entrar no mérito. A Justiça não é uma coisa que você dá 24 horas, 24 dias ou 24 meses. Ela tem o tempo necessário para fazer a investigação correta e punir quem está errado. E quem deveria ser punido era o Moro, o MPF, a PF e os três juízes que fizeram a sentença lá. A segunda questão: não acho que ninguém acredita na possibilidade de eu ser candidato. Era mais fácil o Ciro dizer “tem gente que não quer que Lula seja candidato”. E ele quem sabe se inclui nisso. Só tem unanimidade hoje no meio político: as pessoas não querem que o Lula seja candidato. O Temer não quer, o Alckmin não quer, o Ciro não quer. Eles pensam: “ele [Lula] vai para o segundo turno e pode até ganhar no primeiro. Se ele não for candidato, em vez de uma vaga no segundo turno, podemos disputar duas”. Aumenta a chance de todo mundo. Eu respeito que todo mundo seja candidato. Até o Temer resolveu ser! Qual é a aposta dele? É a de defender os seus três anos de mandato. E é importante ter em conta que o Temer teve uma vitória quando derrubou o golpe que a TV Globo, o [ex-procurador-geral Rodrigo] Janot e o [empresário] Joesley [Batista] tentaram dar nele. Aquele golpe tinha como pressuposto básico o Temer cair, o Rodrigo Maia [presidente da Câmara dos Deputados] assumir a presidência e o Janot ter um terceiro mandato [na PGR].
Folha - O senhor acha que a Globo tentou dar um golpe?
Acho. Eu acho. E por que isso ocorreria? Porque era importante manter o Janot. Era importante tirar o Temer. E era importante colocar o Rodrigo Maia. Isso para mim tá claro.
Folha - Mas por que Rodrigo Maia se o Temer tem uma plataforma…
Lula - O Temer se prestou a fazer o serviço do golpe. Mas não era uma figura palatável, e houve uma tentativa de golpe. Senão, me explica o que aconteceu.
Folha - Não pode ser jornalismo simplesmente?
Lula - Jornalismo de quem?
Folha - Da Rede Globo.
Lula - Você acha que na Globo [que publicou a primeira reportagem sobre a delação da J&F] alguém faz jornalismo livre? O jornalista decide e faz uma denúncia como aquela que foi feita contra o Temer? No mesmo dia já tinha jornalista apostando na renúncia do Temer. E já tava se discutindo quem ia assumir e o que ia acontecer. Ora, o Temer resolveu enfrentar. Teve a coragem de desmascarar o Janot, o Joesley e ficou presidente. E ainda ganhou duas paradas no Congresso Nacional [para impedir que o processo contra ele no STF seguisse], não se sabe a que preço. A imprensa dizia que R$ 30 bilhões foram gastos, não sei quantos bilhões. Mas ganhou.

Folha - E o senhor o admira por isso?
Lula - Não. Eu continuo pensando o mesmo do Temer. Eu estou contando o fato. E o fato histórico não tem sentimentalismo. Tem uma fotografia.
Folha - O senhor hoje faz críticas à TV Globo mas, no governo, teve uma boa relação com a emissora.
Lula - Para não ser ingrato com os outros meios, eu vou olhar bem nos seus olhos e dizer: duvido que em algum momento da história desse país um presidente tenha tratado os meios de comunicação com a deferência e a “republicanidade” que eu tratei. Eu tinha uma relação maravilhosa com o velho [Octavio] Frias [de Oliveira, publisher da Folha morto em 2007]. Eu tratei bem o Estadão. Eu tratei bem o Jornal do Brasil, a Globo, a Bandeirantes, o SBT, a Record. Você há de convir que tenho comportamento exemplar no meu tratamento com a imprensa brasileira. Mas acho que eles não são honestos na cobertura. A Folha, mesmo nos bons tempos, nos anos 70, 75, quando começou a ser um jornal mais progressista, quando o pessoal de esquerda começou a ler, mesmo assim a gente sentia [no jornal] uma espécie de ojeriza de falar bem de uma coisa boa. É uma necessidade maluca de não parecer chapa branca. Ah, se fez uma matéria boa hoje, amanhã tem que fazer outra dando um cacete.
Folha - O senhor fala “eles não me aceitam”. Quem são eles?
Lula - Ah, não sei. São eles. Eu não vou ficar nominando.
Folha - Nesse sistema em que “eles” mandariam, o senhor foi eleito, reeleito, fez uma sucessora e a reelegeu. Tinha uma convivência boa com construtoras e bancos. Como dizer que a elite é contra o senhor?
Lula - Eu não tive uma relação boa só com esse setor que você falou. Eu tive uma relação boa com todos os segmentos sociais desse país. Eu tenho orgulho de dizer que o meu governo foi o período em que os empresários mais ganharam dinheiro, os trabalhadores mais ganharam aumento de salário, em que geramos mais empregos, em que houve menos ocupação no campo, na cidade, e menos greve. Eu trago comigo essa honraria de saber conviver com a sociedade brasileira. E de repente eu vejo o tal do mercado assustado com o Lula. E eu fico pensando, quem é esse mercado? Não pode ser os donos do Itaú. Não pode ser os donos do Bradesco, do Santander. Uma coisa são os donos do banco. Outra coisa é um bando de yuppies, jovens bem aquinhoados que vivem ganhando dinheiro através de bônus, de não sei das quantas, para vender papel sem vender um produto. Essa gente esteve no FMI durante a crise na América do Sul. Falaram o tempo todo mal dos países pobres. Quando a crise foi nos EUA parece que fizeram cirurgia de amígdalas e não falavam nunca. Eles sabem que, se eu voltar, o FMI não dará palpite na nossa economia. Então, querida, quando eu digo eles…
Folha - fica parecendo as famosas “forças ocultas” do ex-presidente Jânio Quadros [quando se referia a quem o tinha levado a renunciar, em 1961].
Lula - Quando eu falo “eles” e “nós”, é porque você tem lado na política brasileira. Quando ganhei as eleições, fiz questão de conquistar muita gente. Criei o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social [com representantes de empresários, trabalhadores e setores sociais]. Tinha gente que achava que eu queria criar uma fissura na relação entre Senado e Câmara com a sociedade. Eu falei “não, eu quero é estabelecer uma política de convivência verdadeira com a sociedade”.
Folha - Empreiteiras fizeram uma reforma no sítio de Atibaia porque o senhor o frequentava. Independentemente de a Justiça concluir se houve ou não crime, não foi no mínimo indevido, uma relação promíscua entre um político e uma empreiteira?
Lula - Não. Esse é um outro tipo de processo. Não é o processo do qual estou sendo vítima.
Folha - É uma pergunta que estou fazendo ao senhor.
Lula - Essa pergunta eu espero que seja feita em juízo, pelo Moro. Porque primeiro disseram que o sítio era meu. Aí descobriram que ele tem dono. Então mudaram [para dizer que] me fizeram favor. Se fizeram, não me pediram. Eu fiquei sabendo desse sítio no dia 15 de janeiro de 2011.
Folha - Por que empreiteiras tinham que bancar a manutenção do acervo formado na presidência, por que tinham que reformar o sítio? Essa relação não passou do ponto?
Lula - Quando eu for prestar depoimento, eu espero que essas sejam as perguntas que eles me façam.
Folha - Mas eu estou fazendo agora.
Lula - Não, você não é juíza. Eu vou esperar o juiz. Porque se eu responder para você, o Moro vai fazer outras. Aí, quer discutir a questão da ética, vamos discutir. É um outro processo. Eu quero saber onde eles vão chegar. Eu quero saber o limite da mentira. 

Folha - Segundo uma pesquisa do Datafolha, 83% acham que o senhor sabia que tinha corrupção no governo. Era possível não saber? 

Lula - É possível não saber até hoje. Você tem filho? Sabe o que ele está esta fazendo agora? Quando você esta na cozinha e ele no quarto, você sabe? Outro dia vi o caso de venda de sentenças em gabinetes de juízes. E eles foram inocentados porque não eram obrigados a saber o que estavam fazendo do lado de sua sala. Deixa eu te falar uma coisa: ninguém é colocado no governo pra roubar. Ninguém traz na testa “eu sou ladrão”. Há um critério rigoroso de escolha. Muita gente pensa que eu sou contra a Operação Lava Jato. Eu tenho orgulho de pertencer a um partido e a um governo que criou os mecanismos mais eficientes de combate à lavagem de dinheiro e à corrupção nesse país. Não foi ninguém de direita, não. Fomos nós.
Folha - O senhor manteria hoje o sistema de indicação dos procuradores-gerais, sempre os mais votado pela categoria?
Lula - Esse critério é herança minha do movimento sindical. Eu achava que era o mais acertado. Hoje eu analisaria o histórico da pessoa. Veja, o que ocorreu com a Lava Jato? Ela virou refém da imprensa e vice-versa. E hoje eu estou convencido de que os americanos estão por trás de tudo o que está acontecendo na Petrobras. Porque interessa para eles o fim da lei que regula o petróleo, o fim da lei que regula a partilha. O Brasil descobriu a maior reserva de petróleo do mundo do século 21. E não se sabe se tem outra.
Folha - Não sei se você já tem uma compreensão sociológica de junho de 2013 [mês de grandes manifestações no país].

Lula - O Brasil virou protagonista demais. E ali eu acho que começava o processo de tentar dar um jeito no Brasil. Como diria meu amigo Celso Amorim, eu não acredito muito em conspiração. Mas também não desacredito.
Folha - O senhor faz uma conexão entre tudo isso e o que acontece com o senhor agora?
Lula - Faço. E se estiver errado, vou viver para pedir desculpas.
Folha - Mas o senhor acha, por exemplo, que os procuradores da Lava Jato vão aos EUA e se reúnem com um mentor?
Lula - Eu acho. Agora mesmo o Moro está lá para receber um prêmio dessa Câmara de Comércio Brasil-EUA. Ele foi lá para ficar 14 dias. Eu já recebi prêmios. Você vai num dia e volta no mesmo dia. Ô, querida, não me peça provas de uma coisa que eu não tenho. Eu estou apenas insinuando que pode ser, tal é a proximidade do Ministério Público com a Secretaria de Justiça dos EUA.

Folha - O senhor já deu muitas voltas por cima na vida. Enxerga agora um caminho de saída, depois de duas condenações?
Lula - É muito simplista essa pergunta. Você deveria estar perguntando é se eles vão conseguir juntar uma prova de cinco centavos contra mim. Esse é o dilema.
Folha - Mas, presidente, eles já condenaram o senhor.
Lula - Eu não tenho que encontrar saída. O que vocês da imprensa têm que pedir são provas. Vocês não podem retratar “ipsis litteris” [como está escrito] a mentira da Polícia Federal. Essa gente está me acusando há cinco anos. Essa gente não sabe o mal que causou à minha família. Eu tenho todos os meus filhos desempregados. Todos. E ninguém consegue arrumar emprego. Essa gente já foi na minha casa. Ficaram três horas, levantaram o colchão da minha cama, revistaram tudo e não encontraram nada. Poderiam ter chamado a imprensa e falado “queríamos pedir desculpas”. Eles saíram com o rabinho no meio das pernas e não falaram nada. Quando o Moro leva um Pedro Corrêa para prestar depoimento contra mim, se ele entendesse um milímetro de política, ele não deixaria o Pedro Corrêa entrar naquele salão.
Folha - E o Palocci?
Lula - É uma pena. A história dele se esvaiu com isso. O Palocci demonstrou gostar de dinheiro. Quem faz delação quer ficar com uma parte daquilo de que se apoderou. Não vejo outra explicação.
Folha - Ou quer a liberdade.
Lula - Se fosse só por liberdade Vaccari não tinha feito a carta que fez nesta semana [inocentando Lula no caso do tríplex]. Porque é o cara que está preso há mais tempo. E está demonstrando que caráter e dignidade não são compráveis. Deixa eu te falar: você está lidando com um homem muito tranquilo, que sabe o que está sendo traçado para ele. Desde o impeachment eu dizia: eles não vão tirar a Dilma e dois anos depois deixar o Lula voltar gloriosamente nos braços do povo. Era preciso impedir o Lula.
Folha - E isso está perto de ocorrer.
Lula - Vamos aguardar, querida. Se eu acreditar que o jogo está definido, o que eu estou fazendo nesse país? Eu quero saber o seguinte: eu, proibido de ser candidato, na rua fazendo campanha, como eles vão ficar? Eles estão me transformando numa vítima desnecessária.
Folha - O senhor diz que sabe o que está sendo traçado. Mesmo assim, não abre brecha para a discussão de uma outra candidatura?
Lula - Não abro. Não abro. Se eu fizer isso, minha filha, eu tô dando o fato como consumado. Eu vou brigar até ganhar. E só vou aventar a possibilidade de outra candidatura quando for confirmado definitivamente que não sou candidato.
Folha - Algumas correntes do PT já pensam em uma outra candidatura e alguns defendem o boicote das eleições.
Lula - Quando chegar o momento certo, o PT pode discutir todas as alternativas. Eu sou contra boicotar as eleições.
Folha - O ex-prefeito Fernando Haddad já falou que, mesmo sendo o maior partido, o PT não terá mais a hegemonia da esquerda.
Lula - Eu sou contra a tese da hegemonização. Em algum momento pode ter candidato de outro partido e o PT apoiar. Se o Eduardo Campos tivesse aceitado a proposta que eu fiz para ele e para a Renata em Bogotá, em julho de 2011, de ele ser o vice da Dilma [em 2014] e ser nosso candidato em 2018, a gente agora estaria gostosamente discutindo a campanha dele à Presidência da República. E não a minha.
Folha - O PT poderia apoiar Ciro Gomes? Ele tem feito críticas ao senhor e ao partido.
Lula - Eu não ando vendo o que o Ciro tá falando porque ele anda falando demais. O Ciro ou vai para a direita ou não pode brigar com o PT. Eu fico fascinado de ver como uma pessoa inteligente como o Ciro fala tão mal do PT. Não consigo entender. Vamos ser francos: pela direita, ninguém será presidente sem o apoio dos tucanos. Pela esquerda, ninguém será presidente sem o PT.
Folha - Quem o senhor acha que tem chance de chegar ao segundo turno na eleição presidencial?
Lula - Eu, se entendo um pouco de política, vou dizer uma coisa: a disputa deverá ser outra vez entre tucanos e PT.
Folha - O senhor pode ser preso em breve, caso não obtenha um habeas corpus nos tribunais superiores. Não tem medo?
Lula - Sabe por que não tenho medo? Porque eu tenho a consciência tão tranquila. Sabe do que eu tenho medo de verdade? É se esses caras pudessem mostrar à minha bisneta que fez um ano no domingo que o bisavô dela roubou um real. Isso realmente me mataria.
Folha - O senhor está preparado?
Lula - Eu estou preparado. Estou tranquilo. E tenho certeza de que vou ser absolvido e de que não vou ser preso.
Há quem defenda que o senhor faça uma greve de fome caso vá para a prisão.
Lula - Eu já fiz greve de fome. Eu sou contra, do ponto de vista religioso. Eu não acho correto você judiar do próprio corpo. Quando eu fiz greve de fome [em 1980], Dom Claudio Hummes foi à cadeia pedir para pararmos a greve.
Folha - O senhor já afirmou que se 10% dos que foram às ruas quando o presidente Getúlio Vargas morreu tivessem ido antes ele não teria se suicidado. O senhor teme que isso ocorra com o senhor? Eu não digo morte, mas…
Lula - Até porque não vou me matar. Eu gosto da vida pra cacete. E quero viver muito. Tô achando que eu sou o cara que nasceu para viver 120 anos. Dizem que ele já nasceu, quem sabe seja eu? Tô me preparando. Levanto todos os dias às 5h da manhã, faço duas horas e meia de ginastica, tomo whey [complexo de proteínas] todo dia para ficar bem forte. E vou levando a vida assim. Eu não tenho essa perspectiva nem de me matar nem de fugir do Brasil. E vou ficar aqui. Aqui eu nasci, aqui é o meu lugar. Eu não tenho medo de nada. Só de trair o povo desse país. É por isso que eu estou aqui, fazendo a minha guerra.
Folha - E o povo na rua?
Lula - Você não leva o povo na rua para qualquer coisa. Mas também não duvidem do povo na rua porque ele pode vir.
Folha - Mas o senhor não esperava que ele já viesse, no seu caso?
Ele nunca foi chamado! Eu sou um homem tão civilizado, acredito tanto nas instituições que estou apostando nelas. Eu ando no Brasil, mas eu não ando chamando o povo numa pregação contra ninguém. Eu ando chamando o povo para ele acreditar que é possível esse país ser diferente. Eu não imaginei viver esse período. Eu me lembro do [ex-presidente da França Nicolas] Sarkozy querendo discutir a minha ida para a secretaria-geral da ONU. Eu lembro dele conversando com o [ex-primeiro-ministro espanhol] José Luís Zapatero, em 2008, e eu falava “para com isso, você não pode politizar a ONU, colocar um ex-presidente lá”.
Folha - O senhor imaginava outra coisa para a sua vida nessa fase.
Lula - Eu imaginei tranquilidade, querida. Eu imaginei viver meu fim de vida com a dona Marisa, cuidar dos filhos que eu não tive tempo de cuidar e viver. Não me deixaram ou não estão me deixando. Eu poderia abaixar a cabeça e ficar pedindo favor, ajuda. Não vou, querida. Não vou porque estou certo. A minha educação é a de uma mulher [a mãe, dona Lindu] que viveu e morreu analfabeta. E ela dizia “não baixe a cabeça nunca a ninguém. Nunca roube uma laranja mas não baixe a cabeça”. E é isso o que vai me fazer seguir em frente.
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