Verdade


Mensagem da noite

As pulgas sonham em comprar um cão

e os ninguens em deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; 
mas a boa sorte não choveu ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguens a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguens: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguens: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguens, que custam menos do que a bala que os mata.

Aqui - Ana Carolina

Máscaras ao chão

Os inocentes do Leblon


Chico Buarque (Carlos Drummond de Andrade)

Se eu pudesse recomeçar minha vida, tentaria cometer muito mais erros

Ia relaxar

Dizer bobagens

Tentar mostrar-me mais louca

Levar as coisas menos a sério

Escalaria montanhas, nadaria rios que não conheço, dedicaria mais tempo a olhar o pôr do sol

Procuraria andar e olhar mais as coisas que me cercam, ia me entupir de sorvetes e fazer menos dieta

Só daria importância aos meus problemas reais, e me esqueceria dos imaginários

Eu sempre fui aquele tipo de gente que prestava atenção nos sinais, e cuidava da saúde hora após hora, dia após dia. Saía de casa com um guarda-chuva, não viajava sem termômetro, aspirina, casaco, bloco de notas

Se eu pudesse recomeçar minha vida, faria coisas que meus netos comentariam - rindo - com seus colegas de escola

Então, eu lhes daria assunto e alegria, ao invés de procurar inspirar medo

Se eu pudesse recomeçar minha vida, tentaria cometer muito mais erros