FHC Oportunista rasteiro


Nem por oportunismo rasteiro Fernando Henrique Cardoso deveria juntar-se ao coral que aplaude as prisões dos condenados da ação penal 470.

Em pronunciamento, ontem, o ex-presidente empregou termos duros. Referindo-se às denuncias dos prisioneiros e seus advogados, que tem críticas consistentes ao julgamento, como tantos juristas independentes também apontam, chegou a dizer: "temos de dar um basta nisso. Chega de desfaçatez."

"Desfaçatez?"

" Basta?"

O retrospecto do PSDB e de seu governo não autorizam um discurso nestes termos.

FHC só manteve-se no Planalto por oito anos depois de conquistar o direito de disputar a reeleição num esquema de compra de votos onde se demonstrou aquilo que apenas se disse sobre o mensalão de Delúbio e Valério.

O repórter Fernando Rodrigues publicou, já naquela época, o depoimento de um certo senhor X, que organizou os pagamentos de parlamentares. Trouxe o depoimento, gravado, de um parlamentar que assumia ter embolsado o dinheiro. No livro Príncipe da Privataria, Palmério Doria completou o serviço. Entrevistou o próprio senhor X, revelou sua identidade verdadeira e explica que ele comprou 150 parlamentares.

Outro dia, conversei com um deputado do PP que assistiu ao mercado da reeleição e me disse o seguinte: "O pessoal votava a favor e na saída do plenário já tinha gente esperando para acertar o pagamento junto a doleiros. Não tinha erro. "

FHC falou em tom crítico sobre adversários políticos que se tornaram prisioneiros, enfrentando medidas duras e espetaculares de Joaquim Barbosa criticadas até por outros ministros do STF. A verdade é que muitos prisioneiros da ação penal 470 foram mais próximos de seu governo do que se costuma admitir.

Marcos Valério começou a se aproximar das verbas do Visanet a partir dos diretores que o PSDB instalou no Banco do Brasil durante o governo de Fernando Henrique. Foram eles, no segundo mandato de FHC, que assinaram os primeiros contratos com a agência DNA, que seriam apenas renovados depois da posse de Lula.

O diretor responsável pelos pagamentos à DNA – aqueles que Joaquim Barbosa diz que foram desviados para subornar políticos – era um homem de confiança do governo Fernando Henrique, um diretor chamado Leo Batista.

Ele tinha esse papel no governo FHC. Seguiu na função depois de 2003. Se alguém foi tão decisivo para o esquema que desviou R$ 73 na versão da acusação, seu nome não é Henrique Pizzolato, hoje foragido na Itália, mas Leo Batista. Estava acima de Pizzolato e tinha a prerrogativa de assinar os cheques.

FHC fez elogios às prisões ao lado de estrelas graúdas do PSDB. Uma delas era Geraldo Alckmin, cujo governo afunda-se em três gerações de governadores denunciados no propinoduto Alston-Siemens. Outro era o presidenciável Aécio Neves. Conforme a CPMI dos Correios, durante seu governo estatais mineiras fizeram dezenas de milhões de reais em depósitos nas contas da DNA. Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios de Valério na agência, eram publicitários de reputação firmada no Estado. As relações de Cristiano Paz com Aécio se assemelham às relações de Nizan Guanaes com Fernando Henrique. Hollerbach integrou a coordenação da campanha de Aécio em 2002.

Um ditado popular ensina que não se deve falar de corda em casa de enforcado mas o retrospecto mostra que há fundamento para o FHC portar-se como se nada tivesse a ver com estes fatos e pessoas. Em 1997 o procurador Geraldo Brindeiro encarregou-se de enterrar a denuncia da compra de votos e a maioria tucana impediu que se fizesse uma CPI. Embora um homem de confiança do PSDB tenha sido o responsável final pelos pagamentos para a agência de publicidade do mensalão, nenhum deles foi investigado na ação penal 470. Por uma questão de hierarquia, deveria ter sido mais investigado do que Pizzolato. Pela proximidade, era um caso típico de co-autoria. Sua investigação ocorreu em segredo, num inquérito paralelo, cuja existência só veio a público durante o próprio julgamento.

O propinoduto paulista foi investigado até na Suíça mas é alvo permanente de um esforço para arquivar qualquer indicio e toda denúncia que possa envolver os tucanos e seus amigos. O procurador Rodrigo de Grandis recebeu oito solicitações do Ministério da Justiça para prestar esclarecimentos e não atendeu a nenhuma. O mensalão PSDB-MG está sendo investigado na primeira instância, em Belo Horizonte, com vagarosidade espantosa e metodologia diversa. Enquanto os réus da ação penal 470 não tiveram direito ao duplo grau de jurisdição, o STF autorizou que os mineiros tivessem um julgamento na primeira instancia e, mais tarde, um segundo julgamento. Entre os petistas, viveu um clima de guerra civil para um pequeno grupo de condenados conseguir, após diversos lances de chantagem dos meios de comunicação contra Celso de Mello, o direito de apresentar embargos infringentes sobre uma das penas recebidas.

Como parece difícil de negar, a principal diferença entre escândalos tucanos e ação penal 470 é a blindagem.

Esse acesso assegurado a impunidade – 100% garantida até aqui na maioria dos casos – mostra que o PSDB não apenas dedicou-se às mesmas práticas que condena nos adversários, como tantos indícios confirmam, mas construiu um impenetrável muro de proteção sobre seus atos, situação que apenas eleva a gravidade do atos que cometeu.
Vamos combinar que não é um motivo honroso para FHC falar contra a " desfaçatez" dos adversários.

Derrotado por Jânio Quadros na disputa pela prefeitura em 1985, quase ministro de Fernando Collor em 1990, Fernando Henrique pode sentir de perto os efeitos nocivos do nosso moralismo. Tem experiência demais para dedicar-se a ele.

Que Dirceu e demais réus esperam para recorrer ao Pacto de São José

Do Conjur

Corte Interamericana pode, sim, exigir novo julgamento

No último dia 11, a Folha de S. Paulo publicou reportagem intitulada "Corte Interamericana de Direitos Humanos não é tribunal penal de revisão, diz presidente", segundo a qual Diego Garcia-Sayán, seu presidente, teria afirmado que a "corte não pode modificar uma sentença. Se houve pena de prisão, ela não pode aumentá-la ou reduzi-la".

De fato, está correto o presidente da Corte Interamericana quando destaca que o tribunal não revisa "penas", ou seja, não se manifesta sobre temas que envolvem um processo "penal" concluído em um dos Estados-partes. Assim, a Corte não diminui ou majora uma pena criminal imposta pelo Poder Judiciário de um Estado-parte na Convenção Americana de Direitos Humanos, e tal é assim pelo simples motivo de que não se trata de um Tribunal Penal Internacional. Aliás, tribunal dessa categoria (penal) só tem um em todo o mundo: trata-se do Tribunal Penal Internacional, que tem sede na Haia (Holanda) e cuja competência para julgamento diz respeito a crimes que envolvem a humanidade como um todo, a exemplo do genocídio, dos crimes contra a humanidade, dos crimes de guerra etc.

Contudo, o que pretendem os condenados na Ação Penal 470 – e isso a reportagem não deixou claro – é outra coisa bem diferente, nada tendo que ver com a revisão das "penas" impostas. O que pretendem é que lhes seja oportunizado novo julgamento em razão de ter o STF afrontado a regra do duplo grau de jurisdição, prevista no artigo 8º, inciso 2, letra h, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. De fato, ainda que o tribunal interamericano não revise "penas", pode perfeitamente condenar o Estado brasileiro a dar a oportunidade de novo julgamento a todos os réus que não detinham foro por prerrogativa de função à época do julgamento.

A questão jurídica aberta, muito simplesmente, é a seguinte: o STF deveria ter desmembrado o processo do mensalão ao menos para os réus que não detinham, à época do julgamento, foro por prerrogativa de função; e assim não procedeu. Com isto, violou uma regra de direito internacional – a do "duplo grau de jurisdição" – prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional de direitos humanos que o Brasil ratificou (obrigou-se) em 1992.

Há, inclusive, um precedente já julgado pela Corte Interamericana sobre o assunto, e que se encaixa como uma luva à discussão. Trata-se do Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela, julgado pela Corte em 17 de novembro de 2009, ocasião em que o tribunal da OEA entendeu que a Venezuela violou o direito ao duplo grau de jurisdição ao não oportunizar ao sr. Barreto Leiva o direito de apelar para um tribunal superior — a sua condenação também ocorreu em instância única (no caso do mensalão, este tribunal é o STF). Em outras palavras, a Corte Interamericana entendeu que o réu não dispôs, em consequência da conexão, da possibilidade de impugnar a sentença condenatória, o que viola frontalmente a garantia do duplo grau prevista (sem qualquer ressalva) na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 8, 2, h).

Como se percebe, o precedente do Caso Barreto Leiva coincide perfeitamente com a situação dos réus condenados na AP 470, uma vez que foram impedidos de recorrer da sentença condenatória para outro tribunal interno, em desrespeito à regra internacional do duplo grau que o Brasil aceitou e se comprometeu a cumprir. A Corte Interamericana terá que decidir se a aceitação dos embargos infringentes pelo STF supre a regra do duplo grau prevista na Convenção Americana.

Em suma, ainda que o tribunal da OEA não revise "penas", não há qualquer óbice — e é para isso que ele existe! — para que condene o Estado brasileiro por violação da Convenção Americana, mandando eventualmente oportunizar àqueles condenados novo julgamento, em razão da não observância da garantia processual internacional do duplo grau de jurisdição. Isso é o que merecia ser esclarecido.

Com Dirceu e Genoino vencemos o pig

por Lincoln Secco, especial para o Viomundo
"O governo burguês, hoje, não sustenta a democracia sequer para toda a camada burguesa da sociedade brasileira. É obrigado a cercear as liberdades políticas, principalmente, as da classe trabalhadora, não pode nos dar acesso aos meios de comunicação e à imprensa (…). Isso demonstra, inclusive, que a repressão é uma lógica inerente ao sistema capitalista brasileiro." (José Dirceu, 19 de Julho de 1987 em artigo inédito que será publicado na  Revista Mouro, próxima edição, nº 8).
Conta-nos o historiador Duby em seu belíssimo livro "Guilherme Marcehal" que o maior cavaleiro do mundo resolveu partir para sua última batalha. Mesmo velho, prende o elmo, esporeia o cavalo e derrota os franceses. Mas seguindo a ética da cavalaria, ele tratou bem os cativos, escoltou seu chefe em segurança até o litoral e deixou-o partir.
Como as normas da cavalaria já cediam lugar aos interesses do Estado, alguns dos companheiros de Guilherme murmuraram censuras. Ainda assim, o melhor dos cavaleiros seguiu, como em toda a sua vida, os princípios de lealdade aos amigos e aos inimigos que  enfrentara em muitos torneios.
José Dirceu fez muitos amigos e inimigos na sua história. Ele escreveu o primeiro capítulo dela muito jovem, simbolizando a luta armada contra o terrorismo de Estado. Depois de um interregno clandestino iniciou seu segundo capítulo: a construção do PT. A chegada ao poder, ao contrário do que a imprensa veiculou, não trouxe benesses a Dirceu. Ele permaneceu pouco no governo, foi atacado desde o início, perdeu o comando da articulação política do Planalto, depois o cargo de Ministro e, por fim, foi cassado como deputado.
Hoje começa o terceiro capítulo de sua história. Ele mesmo vai escrevê-la e pouco sabemos como vai enfrentar seus anos de prisão. Mas ele deixou alguns indícios. Sua primeira declaração importante foi a de que: 1. Aceitou uma sentença injusta; 2. Cumpriu a lei; 3. Não estão cumprindo a lei em relação a ele.
Os três momentos de sua declaração aparentemente se contradizem. Se sua sentença é injusta como poderia ser legal? Se ele cumpriu a lei por que foi condenado? E como podem condená-lo sem cumprir a lei?
Dirceu aceitou desde o início um julgamento ilegítimo porque toda a estratégia que ele ajudou a montar para o PT foi a de exercer o poder dentro das regras estabelecidas pelos seus adversários. Dirceu não fez como Pizzolato que (legitimamente) recusou a sentença injusta do STF. Dirceu aceitou (legalmente) uma decisão ilegítima. Por quê?
Posso estar errado, mas não creio que a resposta virá de revelações inéditas, ainda que elas apareçam. No fundo, o mundo político sabe o que foi dito e o que podia ter sido dito. O fato de o julgamento ter sido viciado ab ovo  talvez não sirva para anulá-lo, mas a lista de suspeitas e irregularidades é tão extensa que a prisão dos condenados terá o efeito contrário ao desejado. Não me refiro ao quadro eleitoral que não mudaria apenas por isso.
Dirceu e Genoino se tornarão mártires, presos políticos em plena "democracia". Suas biografias se tornarão grande demais e os palhaços do circo jurídico, liderados pelo candidato togado, serão esquecidos. Recentemente o Senado Federal anulou a cassação de Luiz Carlos Prestes e ninguém se lembra dos juízes que o cassaram
Mas os petistas não precisam esperar tanto tempo. Poderiam começar sugerindo ao presidente do PT que visite os condenados. Lembro-me que Lula e Suplicy tiveram um  gesto de grandeza na visita a alguns dos sequestradores do empresário Abílio Diniz, apesar daquele episódio ter ajudado a derrotar o PT em 1989. Mas para o PT aqueles eram os tempos da cavalaria…
Conhecendo o passado revolucionário de Dirceu é pouco provável que ele acredite na possibilidade de mudar sua sorte pelas vias legais. Por isso os gestos políticos serão relevantes. O artigo de Tarso Genro na Carta Maior, deixando ao largo antigas desavenças internas, foi de suma importância. Um Governador no exercício do mandato se pronunciou inequivocamente contra a condenação de Genoino e Dirceu.
Se mudarmos um pouco a história do cavaleiro acima, parece que o ex-comandante do PT não venceu a batalha, mas deixou seu chefe em segurança e reconheceu que a honra da cavalaria andante desapareceu.
Obs: Agradeço pelo uso da ilustração do artista Ciro Seiji.
Lincoln Secco é professor de História Contemporânea da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas e Letras da USP.

jb um fora da lei

O ministro Joaquim Barbosa tem oferecido fartas provas que seu comportamento, no curso da Ação Penal 470, destoa dos preceitos legais que jurou cumprir e defender. Mas foi às raias do absurdo nos últimos dias, ao ordenar a prisão de determinados réus através de medidas que confrontam abertamente as próprias resoluções do STF.
A decisão sobre os petistas José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, entre outros apenados, foi cristalina: deveriam começar a cumprir imediatamente sentenças sobre as quais não há embargos infringentes em discussão. Como nenhuma dessas condenações excede oito anos, as punições deveriam ser aplicadas, desde o primeiro minuto, em regime semiaberto. Mas os presos estão sendo vítimas de uma aberrante ilegalidade, submetidos ao sistema mais drástico de execução da pena, em regime fechado.
O mandado de prisão assinado pelo chefe do Poder Judiciário simplesmente não especifica a modalidade carcerária. Como é de supor que o ministro Barbosa seja mais capacitado que um estudante de Direito, somente se pode concluir que o país assiste a uma solerte manobra, cujo objetivo é humilhar os réus e açular a alcateia de lobos famintos que serve de fã-clube ao douto juiz.
Essa não foi, porém, a única arbitrariedade recentemente cometida por Joaquim Barbosa.

Supremo Tapetao Federal

 por Ricardo Melo, na Folha

Derrotada nas eleições, a classe dominante brasileira usou o estratagema habitual: foi remexer nos compêndios do "Direito" até encontrar casuísmos capazes de preencher as ideias que lhe faltam nos palanques. Como se diz no esporte, recorreu ao tapetão.

O casuísmo da moda, o domínio do fato, caiu como uma luva. A critério de juízes, por intermédio dele é possível provar tudo, ou provar nada. O recurso é também o abrigo dos covardes. No caso do mensalão, serviu para condenar José Dirceu, embora não houvesse uma única evidência material quanto à sua participação cabal em delitos. A base da acusação: como um chefe da Casa Civil desconhecia o que estava acontecendo?

A pergunta seguinte atesta a covardia do processo: por que então não incluir Lula no rol dos acusados? Qualquer pessoa letrada percebe ser impossível um presidente da República ignorar um esquema como teria sido o mensalão.

Mas mexer com Lula, pera aí! Vai que o presidente decide mobilizar o povo. Pior ainda quando todos sabem que um outro presidente, o tucano Fernando Henrique Cardoso, assistiu à compra de votos a céu aberto para garantir a reeleição e nada lhe aconteceu. Por mais não fosse, que se mantivessem as aparências. Estabeleceu-se então que o domínio do fato vale para todos, à exceção, por exemplo, de chefes de governo e tucanos encrencados com licitações trapaceadas.

A saída foi tentar abater os petistas pelas bordas. E aí foi o espetáculo que se viu. Políticos são acusados de comprar votos que já estavam garantidos. Ora o processo tinha que ser fatiado, ora tinha que ser examinado em conjunto; situações iguais resultaram em punições diferentes, e vice-versa.

Os debates? Quantos momentos edificantes. Joaquim Barbosa, estrela da companhia, exibiu desenvoltura midiática inversamente proporcional à capacidade de lembrar datas, fixar penas coerentes e respeitar o contraditório. Paladino da Justiça, não pensou duas vezes para mandar um jornalista chafurdar no lixo e tentar desempregar a mulher do mesmo desafeto. Belo exemplo.

O que virá pela frente é uma incógnita. Para o PT, ficam algumas lições. Faça o que quiser, apareça em foto com quem quer que seja, elogie algozes do passado, do presente ou do futuro –o fato é que o partido nunca será assimilado pelo status quo enquanto tiver suas raízes identificadas com o povo. Perto dos valores dos escândalos que pululam por aí, o mensalão não passa de gorjeta e mal daria para comprar um vagão superfaturado de metrô. Mas como foi obra do PT, cadeia neles.

É a velha história: se uma empregada pega escondida uma peça de lingerie da patroa para ir a uma festa pobre, certamente será demitida, quando não encarcerada –mesmo que a tenha devolvido. Agora, se a amiga da mesma madame levar "por engano" um colar milionário após um regabofe nos Jardins, certamente será perdoada pelo esquecimento e presenteada com o mimo.

Nunca morri de admiração por militantes como José Dirceu, José Genoino e outros tantos. Ao contrário: invariavelmente tivemos posições diferentes em debates sobre os rumos da luta por transformações sociais. Penso até que muitas das dificuldades do PT resultam de decisões equivocadas por eles defendidas. Mas num país onde Paulo Maluf e Brilhante Ustra estão soltos, enquanto Dirceu e Genoino dormem na cadeia, até um cego percebe que as coisas estão fora de lugar.

O inquérito 2474 prova a canalha de jb

Por Redação, com colaboradores – de Roma, Rio de Janeiro e Brasília

do Correio do Brasil, sugestão do Gerson Carneiro

O pior pesadelo do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, que tem dado repetidas mostras de interesse pela vida política, começa a se transformar em realidade nas próximas horas, em Roma. O ex-diretor do Banco do Brasil Francisco Pizzolato fará chegar às mãos de seus advogados italianos o relatório de perto de mil páginas, que o Correio do Brasil divulga, com exclusividade, no qual apresenta provas de que o dinheiro que deu origem à Ação Penal 470 no STF origina-se em uma empresa privada e não de um ente público, como afirma o relatório de Barbosa.

Para ocultar este fato, que coloca por terra o argumento que levou os réus na AP 470 ao Complexo Penitenciário da Papuda, segundo o dossiê apresentado por Pizzolato, que tem cidadania italiana, o então procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza e o ministro Joaquim Barbosa criaram, em 2006, e mantiveram sob segredo de Justiça dois procedimentos judiciais paralelos à Ação Penal 470. Por esses dois outros procedimentos passaram parte das investigações do chamado caso do 'mensalão'.

O inquérito sigiloso de número 2474 correu paralelamente ao processo do chamado 'mensalão', que levou à condenação, pelo STF, de 38 dos 40 denunciados por envolvimento no caso, no final do ano passado, e continua em aberto. E desde 2006 corre na 12ª Vara de Justiça Federal, em Brasília, um processo contra o ex-gerente executivo do Banco do Brasil, Cláudio de Castro Vasconcelos, pelo exato mesmo crime pelo qual foi condenado no Supremo Tribunal Federal (STF) o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato.

Esses dois inquéritos receberam provas colhidas posteriormente ao oferecimento da denúncia ao STF contra os réus do 'mensalão' pelo procurador Antônio Fernando, em 30 de março de 2006. Pelo menos uma delas, "o Laudo de número 2828, do Instituto de Criminalística da Polícia Federal, teria o poder de inocentar Pizzolato", afirma o dossiê.

Dinheiro da Visanet

Ainda segundo o relatório que Pizzolato apresentará, em sua defesa, na corte italiana, um tribunal de exceção foi montado no Brasil com o único objetivo de desmoralizar o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em uma clara tentativa de apeá-lo do poder antes do tempo. Embora o estratagema tenha funcionado ao contrário, com mais um mandato popular surgido das urnas ao líder petista, que em seguida elegeu a sucessora, Dilma Rousseff, o STF seguiu adiante e conseguiu que o ex-ministro José Dirceu e o deputado José Genoino (PT-SP) fossem conduzidos à prisão.

Pizzolato relata, em detalhes, as operações realizadas na campanha política de 2002 e suas ações na diretoria de Marketing do Banco do Brasil. No dossiê, ele contesta os documentos acatados como verdadeiros na AP 470.

"Observem bem a data em que foi escrita a carta mentirosa do "tucano" (Antonio Luiz Rios, ex-presidente da Visanet que hoje trabalha como consultor para a Rede Globo de Televisão) e dirigida aos peritos da PF, foi em 02 de fevereiro de 2006, período em que os advogados não tinham acesso a nenhum documento. E esta carta mentirosa do "tucano" ditou, influenciou e/ou moldou todos os pareceres, perícias e fundamentalmente a própria "denúncia" da Procuradoria Geral da República e do Ministério Público Federal (PGR/MPF), bem como a argumentação do relator Joaquim Barbosa que por sua vez "convenceu" o plenário do STF. Ninguém, repito, absolutamente ninguém, nem o PGR/MPF e nem o relator, deram-se ao trabalho de observar a regra básica de uma relação de mercado, o respeito ao contrato. Pois existia um contrato que normatizava a relação da Visanet com seus sócios, os diversos bancos, sendo o maior acionista da VISANET, o Bradesco".

Em nove capítulos, Pizzolato também revela que, em março de 2006, quando ainda presidia o STF o ministro Nelson Jobim, a CPMI dos Correios divulgou um relatório preliminar pedindo o indiciamento de 126 pessoas. Dez dias depois, em 30 de março de 2006, o procurador-geral da República já estava convencido da culpa de 40 deles. A base das duas acusações era desvio de dinheiro público (que era da bandeira Visa Internacional, mas foi considerado público, por uma licença jurídica não muito clara) do Fundo de Incentivo Visanet para o Partido dos Trabalhadores, que teria corrompido a sua base aliada com esse dinheiro. Era vital para essa tese, que transformava o dinheiro da Visa Internacional, aplicado em publicidade do BB e de mais 24 bancos entre 2001 e 2005, em dinheiro público, ter um petista no meio. Pizzolato era do PT e foi diretor de Marketing de 2003 a 2005.

Barbosa decretou segredo de Justiça para o processo da primeira instância, que ficou lá, desconhecido de todos, até 31 de outubro do ano passado. Faltavam poucos dias para a definição da pena dos condenados, entre eles Pizzolato, e seu advogado dependia de Barbosa para que o juiz da 12ª Vara desse acesso aos autos do processo, já que foi o ministro do STF que decretou o sigilo.

O relator da AP 470 interrompera o julgamento para ir à Alemanha, para tratamento de saúde. Na sua ausência, o requerimento do advogado teria que ser analisado pelo revisor da ação, Ricardo Lewandowski. Barbosa não deixou. Por telefone, deu ordens à sua assessoria que analisaria o pedido quando voltasse. Quando voltou, Barbosa não respondeu ao pedido. Continuou o julgamento. No dia 21 de novembro, Pizzolato recebeu a pena, sem que seu advogado conseguisse ter acesso ao processo que, pelo simples fato de existir, provava que o ex-diretor do BB não tomou decisões sozinho – e essa, afinal, foi a base da argumentação de todo o processo de mensalão (um petista dentro de um banco público desvia dinheiro para suprir um esquema de compra de votos no Congresso feito pelo seu partido).

No dia 17 de dezembro, quando o STF fazia as últimas reuniões do julgamento para decidir a pena dos condenados, Barbosa foi obrigado a dar ciência ao plenário de um agravo regimental do advogado de Pizzolato. No meio da sessão, anunciou "pequenos problemas a resolver" e mencionou um "agravo regimental do réu Henrique Pizzolato que já resolvemos". No final da sessão, voltou ao assunto, informando que decidira sozinho indeferir o pedido, já que "ele (Pizzolato) pediu vistas a um processo que não tramita no Supremo".

O único ministro que questionou o assunto, por não acreditar ser o assunto tão banal quanto falava Barbosa, foi Marco Aurélio Mello.

Mello: "O incidente (que motivou o agravo) diz respeito a que processo? Ao revelador da Ação Penal nº 470?"


Barbosa: "Não".

Mello: "É um processo que ainda está em curso, é isso?"

Barbosa: "São desdobramentos desta Ação Penal. Há inúmeros procedimentos em curso."

Mello: "Pois é, mas teríamos que apregoar esse outro processo que ainda está em curso, porque o julgamento da Ação Penal nº 470 está praticamente encerrado, não é?"

Barbosa: "É, eu acredito que isso deve ser tido como motivação…"

Mello: "Receio que a inserção dessa decisão no julgamento da Ação Penal nº 470 acabe motivando a interposição de embargos declaratórios."

Barbosa: "Pois é. Mas enfim, eu estou indeferindo."

Segue-se uma tentativa de Marco Aurélio de obter mais informações sobre o processo, e de prevenir o ministro Barbosa que ele abria brechas para embargos futuros, se o tema fosse relacionado. Barbosa reitera sempre com um "indeferi", "neguei". O agravo foi negado monocraticamente por Barbosa, sob o argumento de que quem deveria abrir o sigilo de justiça era o juiz da 12ª Vara. O advogado apenas consegui vistas ao processo no DF no dia 29 de abril, quando já não havia mais prazo recurssório.

Leia o que a Conceição Lemes escreveu a respeito (e ajude aqui a investigação dela):

Mentirao, quem ganhou e quem perdeu?

Em algumas oportunidades, a justiça é feita pelo Judiciário. Em outras, apenas povo está em condições de fazê-la. Foi o que ocorreu neste caso em que o STF/mídia condenou os petistas, mas o povo absolveu e até premiou o PT.

O julgamento do Mensalão acabou e os réus condenados foram presos. Agora já podemos discutir quem ganhou e quem perdeu durante e este julgamento.
 
Sob o ponto de vista político-partidário, a oposição foi a maior perdedora durante o processo. O julgamento do mesmo foi realizado durante eleições, exibido à exaustão pela imprensa e utilizado pelo PSDB e DEM como sua principal arma de propaganda contra o PT. Mesmo assim, o PT manteve a presidência e cresceu enquanto o PSDB e DEM encolheram a olhos vistos.
 
A imprensa exulta, pois conseguiu pautar o STF e conduzir o julgamento até ele desaguar no resultado que desejava. Mesmo assim (ou exatamente por causa disto), a reputação do PT cresceu no seio da população. Afastando-se dos anseios populares, a mídia cavou sua própria cova. Quando tiver que lutar contra a Lei de Meios não terá qualquer apoio popular em virtude de ter exigido o sacrifício jurídico-ritual de dois importantes líderes petistas que ajudaram a construir um Brasil melhor (José Dirceu e José Genoino). 
 
Joaquim Barbosa ganhou intensa publicidade gratuita na mídia durante o julgamento. Ele foi até capa de revista na Veja (O menino pobre que mudou o Brasil). Mas depois disto, teve sacadas contra si graves denúncias de desmandos (recebimento de salários sem dar aula, compra de apartamento nos EUA mediante operação financeira ilegal, uso de passagens pagas pelo STF para fins pessoais, etc...). Se tivéssemos senadores à altura dos cargos que ocupam, o Presidente do STF teria sofrido um processo de Impedimento. 
 
Em razão de suas posições moderadas, Ricardo Lewandowski foi execrado pela mídia durante o julgamento. A campanha contra ele atingiu seu ponto máximo quando aquele Ministro proferiu seu voto dizendo com todas palavras quem foram os verdadeiros beneficiários do esquema de corrupção denominado Mensalão: Rede Globo, Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e Abril Cultural (editora da Veja), empresas de comunicação que lucraram milhões de reais para fazer publicidade político-partidária. Mesmo tendo sido derrotado e perseguido pela mídia, Lewandowski saiu do julgamento fortalecido. Quando se tornar Presidente do STF e tiver a oportunidade de apreciar um pedido de liminar em ADIN movida contra uma Lei de Meios considerada danosa aos interesses dos barões da mídia ele terá oportunidade de ser coerente. Esperamos que ele trate com o devido rigor a corja de canalhas que controla a mídia e que se beneficiou do esquema do Mensalão sem sentar-se no banco dos réus. 
 
O STF foi o grande perdedor desta história. Primeiro porque julgou o Mensalão do PT (mais recente) antes do Mensalão Tucano (mais antigo), dando a entender que a Justiça brasileira não trata de maneira igual os desiguais. O tratamento desigual dispensado aos desiguais seguirá sendo uma nódoa na história do STF, especialmente se o Tribunal deixar prescrever o Mensalão Tucano (hipótese que se torna mais provável a cada dia que passa). Além disto, a mesma imprensa que silenciou sobre o caráter seletivo do STF durante o julgamento do Mensalão do PT, certamente fará intensa propaganda contra a cúpula do Judiciário quando ela resolver tratar Eduardo Azeredo como se ele fosse José Genuíno. Num futuro próximo, o STF pode se tornar tão impopular na elite quando se tornou execrado nos meios populares. As consequencias disto certamente não serão benéficas para a instituição.  
 
Em segundo lugar, o STF também sagrou-se perdedor durante este julgamento por causa dos cochilos de Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes diante das câmeras. A autoridade da atividade judiciária depende bastante da respeitabilidade do julgador. Ninguém respeita um Tribunal cujos membros dormem em serviço. As cenas grotescas dos bate-bocas iniciados por Joaquim Barbosa, o tratamento indigno que ele dispensou aos seus colegas (especialmente Ricardo Lewandowski) também macularam bastante o STF e o relator do processo. Afinal, só os tiranos julgam com raiva esquecendo-se da razão e da necessidade de convencer com educação.
 
O protagonismo midiático do STF certamente comprometeu o resultado do julgamento. Durante todo o processo alguns Ministros demonstraram que estavam dispostos a reagir à exposição na mídia de maneira absolutamente simétrica à reação que a mesma tinha acerca das posições que eles adotavam. Isto provocou uma confusão entre os campos jurídico e midiático, ao ponto de vermos alguns Ministros se comportarem no STF como se fossem atores/telejornalistas enquanto alguns jornalistas passaram a julgar o caso nas páginas dos jornais e revistas como se fossem Juízes. Esta confusão conseguiu produzir um grande espetáculo, mas empobreceu a qualidade da decisão que foi proferida. Afinal, a imprensa é privada e visa lucro e o STF é um órgão público encarregado de distribuir a melhor justiça possível de acordo com a legislação vigente (algo que não ocorre quando a isenção do Juiz é comprometida em razão de sua paixão pela notoriedade).
 
Por fim, ao condenar os réus do Mensalão com base em ilações jurídicas distorcidas e usando como provas as matérias jornalísticas produzidas e divulgadas à exaustão pelos seus inimigos políticos (Joaquim Barbosa), porque a literatura assim o permite (Rosa Weber) e em virtude deles não terem conseguido provar sua inocência perante o Tribunal (Luiz Fux) a maioria dos Ministros do STF agiu de maneira brutal. No futuro, serão inevitáveis as comparações históricas entre o julgamento do Mensalão do PT e a condenação de Tomás Antonio Gonzaga e/ou a repressão judiciária contra os participantes da Revolta dos Quebra-Quilos (episódios que mancharam respectivamente a Justiça Colonial e o Judiciário Imperial) . A violência constitucional praticada no caso do Mensalão do PT é inaceitável e custará caro à imagem do STF dentro e fora do país no futuro.
 
O povo viu e ouviu o julgamento durante as eleições presidenciais, mas votou de maneira diferente da desejada pela mídia. A imprensa usou o Mensalão do PT acreditando que conseguiria produzir uma vitória do PSDB e DEM. Mas a esmagadora maioria dos brasileiros elegeu Dilma Rousseff provendo-a de uma bancada parlamentar suficientemente grande e forte. Desde então, a imprensa perdeu todos os embates que teve com o governo no Congresso Nacional. Nada indica que isto venha a se modificar num futuro próximo, pois nenhum dos candidatos presidenciais apresentados pela mídia consegue conquistar os corações e mentes dos brasileiros. Durante todo o julgamento o povo agiu com sobriedade, formando seu convencimento na urna à revelia da mídia e do espetáculo grotesco fornecido à mesma pelo STF. Esta prova de maturidade política sugere que o grande ganhador do julgamento foi o povo e não a oposição, a mídia ou o Judiciário.

Fábio Ribeiro