Massacre em Realengo

Porque a espetacularização e a manipulação inescrupulosa das tragédias não tem limites

Exclusividade garante o uso seletivo de gravações encontradas pela polícia no caso de Realengo
  
"Em seu sentido literal, Islã significa fazer a paz, Islã é a religião e o modo de vida da construção da paz. Fazer a paz, exatamente como o nome sugere, é o objetivo do Islã".
Conselho Internacional para a Informação Islâmica.

Só mesmo a ânsia de aparecer levou esse jovem a se pendurar numa cruz em frente a escola da tragédia
 
Aconteceu o pior: ao invés da reflexão serena, profunda e abrangente; ao invés da autocrítica honesta, aconselhável e pertinente, as mercenárias penas tratam de tingir a tragédia da escola pública de Realengo com as cores berrantes da espetacularidade, insinuando até envolvimentos sem nexos, numa sequência de impropérios e leviandades irresponsáveis, como forma astuciosa de redirecionar e industrializar o crime, por si tormentoso.
Agindo como por encomenda, como se a soldo de interesses inconfessáveis, escribas de aluguel se deleitam numa torpe e pueril teoria da conspiração, a que se juntam vozes amargas dos porões da intolerância empedernida, espargindo veneno e ódio no organismo frágil de uma sociedade já afetada por uma disfunção cerebral monitorada por aparelhos.

Esses senhores dedicam-se a um jogo sujo de cartas viciadas, ao ponto de criminalizarem o Alcorão, a Bíblia do islamismo - uma religião com mais de um bilhão de adeptos - como se fosse um manual de terrorismo e violência. E sugere que o Islã seria uma fonte de inspiração mortífera, quando ao contrário, a própria tradução do termo significa "fazer a paz", como define didaticamente o Conselho Internacional de Informação Islâmica.

O ato criminoso de Wellington Menezes de Oliveira já foi a erupção de um tumor numa sociedade infectada pela hipocrisia e a mistificação, como escrevi antes. Por seu caráter inusitado, pela inocência de suas vítimas na flor da idade, causou torpor e revolta, desencadeando uma sucessão de reações em cadeia, algumas em decorrência dos melhores sentimentos solidários, outras, porém, impulsionadas pelo exibicionismo compensatório e ou forjadas pela rede de intrigas e sensacionalismo, onde o escrúpulo é palavra proibida.

Pais e professores das escolas de todo o país - e além-fronteiras - se sentiram igualmente feridos pelas 60 balas disparadas na escola onde odiosas práticas comuns e toleradas levaram o filho adotivo de uma "testemunha de Jeová" a gestar uma personalidade macabra e megalomaníaca, tendo como ingredientes axiomas rígidos e hábitos irracionalizados, marcas de crentes tão fanáticos que se recusam à transfusão de sangue, para preservar a pureza dos seus corpos. 
Só mesmo a ânsia de aparecer levou esse jovem a se pendurar numa cruz em frente a escola da tragédia
 
Diferenças entre evangélicos

Ao apontar a influência do fundamentalismo cristão no contexto desse ato insano e ao reclamar maior discrição na prática pastoral, quis chamar à responsabilidade os caçadores de rebanhos, que competem entre si para ampliar seus domínios, fazendo uso da massa angustiada para todos os fins, sejam econômicos ou políticos.
Os poderes excepcionais de que se acham dotados certos pastores e práticas fanatizadas atraem pessoas sem respostas para suas angústias. Essa atração leva milhares de jovens a uma busca fantasiosa, em meio à falta de perspectivas pessoais e a humilhações repetidas. 
Entre os evangélicos, porém,  há igrejas sérias, sobretudo as tradicionais, que se recusam à conquista de adeptos pela exibição da "graça", essa encenação grotesca da cura a granel. Insisto em que o recato impõe os limites dos templos para o exercício dos cultos e não essa escandalosa utilização da televisão e do rádio em shows caricatos,  marcados pelo mais leviano charlatanismo.

Não há, portanto, aproveitamento capcioso com segundas intenções na constatação da influência produzida pela interpretação do óbvio.
 
Já em relação ao alegado "fascínio" do assassino pelo 11 de setembro dos seguidores do Al Qaeda, devidamente conectados com a CIA (como hoje demonstra farta documentação) ah, aí temos uma forçação de barra no pior estilo, sugerindo o dedo sempre ativo dos atuais usurpadores das terras árabes.

Exclusividade que manipula os fatos

Há toda uma clara manipulação com objetivos igualmente visíveis. Essa manipulação passa, mais uma vez, pelo enorme poder de exclusividade que a rede Globo tem sobre as investigações policiais, dispondo segundo seu interesse e na forma que lhe aprouver a divulgação "editada" do material descoberto.

Ficamos sabendo que a polícia achou três discos rígidos que o assassino teria tentado destruir - um deles ainda sem condição de leitura, nos quais a Globo, e somente ela, pinçou duas gravações feitas pelo assassino.

A partir daí, acumulam-se dúvidas: ele tinha três computadores? Seu computador tinha três hds? Por que destruiria a gravação em que tenta justificar sua monstruosidade? Por que a Globo publicou parte das gravações, exibindo apenas alguns trechos? O que há nos outros que não vem a público?
Mesmo em meio a tanta má fé, há uma percepção claríssima: fossem políticos os impulsos criminosos, o jovem assassino teria procurado alvos políticos, como nossas casas parlamentares e nossos governantes. Nesse caso, provavelmente, apareceria muita gente para justificar o eventual massacre que provocasse. Mas seu gesto, insito, foi de natureza existencial, procurando embasamento na leitura equivocada dos textos bíblicos, assimilados por sua mente já em estado de decomposição.

Os anátemas sobre os árabes e muçulmanos

Por interesse do sionismo, que hoje prepondera no complexo financeiro, político e midiático das grandes potências ocidentais, o povo brasileiro vem sofrendo sistematicamente descargas de informações cavilosas para criar uma imagem negativa da causa de libertação da palestina, do povo árabe e do islamismo.

Essas práticas insidiosas tentam encobrir o papel de cabeça de ponte que Israel joga na estratégia de estender-se do Eufrates ao Nilo para apoderar-se do petróleo e das riquezas naturais de todo o Oriente Médio, em parceria com as grandes empresas multinacionais.

Há bastante tempo, pintam como sob impulso religioso as ações destinadas a resgatar a dignidade do povo palestino, sob ocupação estrangeira há 61 anos, com a violação brutal dos seus direitos às suas terras e das próprias resoluções da ONU. Omitem deliberadamente que milhares de palestinos tiveram suas propriedades confiscadas e hoje vivem em condições subumanas, abaixo de todas as linhas de referência social, não lhes restando senão lutarem pela sobrevivência mínima a custa do sacrifício das próprias vidas. Tais práticas, sem prejuízo da fé religiosa, são de natureza essencialmente política.

Quanto à exploração de correntes religiosas do islamismo para fins bélicos, é bom que você saiba que foi a CIA quem "descobriu esse filão" ao armar e treinar os afegãos que se insurgiram contra a influência soviética em seu governo. Até os idos de 1987, Osama Bin Laden era um bilionário saudita de forte pendor anticomunista e hábitos exóticos. Foram os americanos que lhe puseram a primeira arma na mão.

Ligações fantasiosas e novos riscos

Nesse episódio trágico de Realengo os manipuladores contumazes viram a oportunidade de associar seu protagonista a "grupos extremistas islâmicos", que não existem em hipótese alguma entre nós, brasileiros. E se existissem assim, ao alcance de um esquizofrênico, nossas forças de segurança estariam comendo mosca e passando recibo da mais comprometedora incompetência.

Para isso, os manipuladores contam com a vulnerabilidade da opinião pública. Pois se há carradas de exemplos terroristas em escolas eles estão nos Estados Unidos da América, onde pelo menos 41 jovens participaram nos últimos anos de 37 atentados em recintos estudantis. Num deles, no dia 16 de abril de 2007, Cho Seng-hui, de 23 anos, matou 32 pessoas e feriu outras 25 no Instituto Politécnico da Universidade de Virgínia, gravando antes um vídeo em que declarava:"morri como Jesus, para inspirar fracos e indefesos".

A falta de seriedade no trato midiático do episódio de Realengo, a sua espetacularização a níveis incomensuráveis e a tentativa de alguns políticos aparecerem com os salva-vidas da pátria sinalizam, infelizmente, para probabilidades de ações com o mesmo impulso macabro.

O canto do desarmamento e o umbigo da sociedade

Só mesmo um decrépito sem escrúpulos como o senhor Sarney seria capaz de tirar casquinha na dor alheia, oferecendo a cortina de fumaça do plebiscito inócuo para retomar o debate sobre a proibição da venda de armas, como se o assassino de Realengo não tivesse condição de comprar revólveres se tal providência estivesse em vigor.

É claro que essa suposta panacéia voltará à tona até porque a sociedade humana é capaz de tudo, menos de olhar para seu umbigo. Refiro-me aos seres de todo mundo, que escorregam no desvalor da vida, exasperando ambições e sonhos individuais, numa guerra interpessoal alimentada por elementos mesquinhos cada dia mais perversos.

A tragédia na Escola Pública de Realengo infelizmente não será considerada como um alerta sobre os descaminhos de um mundo impregnado de sentimentos menores, de desejos insaciáveis, de sonhos de consumo doentios.

É da índole dos senhores dos cérebros buscar tirar proveito das tragédias humanas, pois é nessa hora que a mentira cai como uma luva, incorporando-se mansamente ao imaginário coletivo.

Mesmo que amanhã seja oficialmente proclamada a óbvia inexistência de vínculos entre o gesto tresloucado do jovem evangélico e o Alcorão, a massa já está embriagada pela primeira versão, disseminada repetidas vezes pela mídia num contexto de permanente massacre midiático: os muçulmanos vão penar como bodes expiatórios, com gente torcendo para que padeçam sofrimento semelhante aos das famílias dos 12 meninos de Realengo. Manifestações de intolerância em relação a eles já estão acontecendo, como o diabo gosta. 

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