Mas, sem dúvida, há os que exageram, e eu incluo entre estes - sem lhe dar exclusividade - o pessoal do Lula. Se antes de chegar ao governo, era contra tudo o que qualquer outro partido propunha - chegando ao ponto de se negar a assinar a Constituição de 1989 - chamada por Ulisses Guimarães de "Constituição cidadã" - que veio restaurar a democracia no Brasil. E só para ser do contra, aliás, não só: também para fazer de conta que era o verdadeiro defensor dos direitos do povo.
Essa mesma postura, de quem joga para a arquibancada, levou os petistas a denunciar os programas bolsa escola e bolsa alimentação, do governo Fernando Henrique, como uma espécie de esmola que humilhava os trabalhadores e os pobres em geral. Quando chegaram ao poder, fundiram os dois programas num só - o bolsa família - e deles se apropriaram. Podiam admitir que haviam errado mas, pelo contrário, fingem que era uma criação original sua. Do mesmo modo agiram com relação ao Plano Real, à Lei de Responsabilidade Fiscal e a tudo o mais que combateram e passaram a usar, como se os tivessem criado. Claro que quem assim age tem que estar mal na roupa, sempre tendo que fazer de contas, já que tem o rabo preso.
Confesso que até bem pouco tempo não tinha visto as coisas por esse ângulo, embora me chamasse a atenção o modo como se comportavam os membros do governo Lula. Guido Mantega, por exemplo, jamais fala como deveria falar um ministro de Estado. Pelo contrário, todo pronunciamento seu é sempre um autoelogio, exaltação à política econômica do governo, às vezes até afirmando, cabotinamente, ser ela superior à de todo e qualquer país do mundo.
Nessa mesma linha foi o lamentável pronunciamento da presidente Dilma, em viagem recente pelo exterior. Sem o devido respeito que um chefe de governo deve ter com os de outros países, criticou-lhes a política econômica e os aconselhou a aprender conosco a governar... Na verdade, mais uma vez jogava para a plateia, visando levar a opinião pública brasileira a orgulhar-se do governo petista, incomparável e único no mundo.
É atitude própria aos "salvadores da pátria" que, em nossa época, após a queda do muro de Berlim, empurrou parte da esquerda latino-americana - a menos democrática - para uma espécie de neo populismo que, não por acaso, alcança os limites da enganação. E não poderia ser de outro modo, uma vez que está obrigada a representar uma farsa: fazer-se de anticapitalista quando, na verdade, o favorece; fazer-se de democrático, quando, de fato, não aceita a alternância no poder e abomina a liberdade de imprensa.
Como esse é o espírito do governo petista, todos os seus integrantes dançam ao som da mesma música, obedecendo à batuta do maestro. Exemplo disso foi a posse do novo ministro do Esporte, que substituiu Orlando Silva, demitido por suspeita de corrupção, como atesta o processo aberto contra ele pelo STF. Para surpresa de todos, esse ato se transformou numa exaltação ao ministro demitido, que foi elogiado por Dilma e aplaudido de pé pelos presentes. Uma comédia.
Mas que um fato muito grave atinge o cerne vital desse sistema de poder: a descoberta de um câncer na laringe de Lula. O país inteiro se assustou, claro. É verdade que hoje muitos tipos de câncer são curáveis mas, apesar disso, constatar que alguém está com um tumor maligno não é propriamente uma boa notícia.
É o que todo mundo pensa. Não obstante, parece que, no caso de Lula, é diferente. Da equipe médica à presidente Dilma e o ministro Mantega, todos afirmam sorridentes, que Lula está ótimo, alegre, mais bem disposto que nunca. Até hoje, não tinha visto um diagnóstico de câncer ser tão bem recebido. Parece até que Lula acaba de ganhar o grande prêmio da loteria.
Ferreira Gullar
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